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    Transição Paulistana

    Fla x Flu: confira duas visões sobre temas polêmicos da cidade

    DE SÃO PAULO

    17/10/2016 12h00

    Rogerio Chequer é engenheiro pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, empresário e um dos fundadores do Movimento Vem Pra Rua, grupo que esteve na linha de frente do impeachment. Alessandra Orofino é economista formada pela Columbia University, com especialização em direitos humanos. Cofundou a Rede Meu Rio e é diretora-executiva do Nossas Cidades.

    Confira abaixo as opiniões de cada um sobre temas polêmicos da cidade de São Paulo.

    Folha - Você é a favor de restrições ao Uber?

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 15-07-2016, 17h00: Congestionamento no acesso do embarque e desembarque do aeroporto de Congonhas. Fila dupla de carros e congestionamentos de ate 2 km se tornaram frequentes no aeroporto de Congonhas (zona sul) depois que os motoristas do Uber (aplicativo que conecta motoristas particulares a passageiros), foram liberados para pegar passageiros. A constatacao e de agentes da CET que atuam no aeroporto. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO***

    Chequer - Somos a favor da redução de restrições aos serviços de transporte individual, táxis, Uber e outros. Não somos simplesmente contra ou a favor restrições ao Uber. Quanto menor a interferência da administração municipal em serviços privados, com restrições e regulamentos adequados, maior será o mercado, com uma concorrência aberta e limpa, e consequentemente seu funcionamento será melhor para todos.

    A regulamentação dos táxis é que deve ser revista, para que eles possam ser competitivos não só com o Uber, mas com todos os outros serviços que ainda entrarão no mercado.

    Em Nova York, o Uber dividiu com os táxis amarelos o mercado durante anos, mas já apareceram mais duas empresas de carros compartilhados. O mercado se ampliou e se dará melhor quem oferecer os melhores serviços. Os próprios táxis amarelos, que foram durante anos os únicos no mercado e já não são mais tiveram que se atualizar e modificar.

    Orofino - O caráter inovador e a qualidade do serviço fornecido pelo Uber são visíveis, e no Brasil sua chegada trouxe uma sacudida muito bem-vinda para um segmento até então dominado pela indústria de táxis, com suas muitas deficiências -desde a baixa qualidade do serviço até a longa história de exploração de motoristas auxiliares.

    No entanto, como todas as empresas, a Uber deve obedecer a regulações locais e seguir leis trabalhistas. Hoje, os motoristas da Uber não possuem nem vínculo empregatício, nem, alternativamente, proteções regulatórias específicas de qualquer tipo.

    Eles ainda absorvem todo o risco de aquisição de capital. Em muitas cidades dos EUA, são os motoristas da Uber, e não os taxistas, que estão protestando contra a empresa -tudo porque ela resolveu diminuir o valor pago a seus "motoristas parceiros" de uma hora pra outra, sem regulação alguma. E como muitos deles haviam comprado carros a crédito a fim de atender às exigências de veículo, as contas pararam de fechar.

    Além disso, o Uber é conhecido por suas práticas antiéticas de aniquilação da concorrência -desde dumping até acusações de fraude por parte de outras empresas. Num caso famoso, a concorrente Lyft revelou que empregados do Uber estavam criando milhares de chamadas em seu sistema e cancelando em seguida.

    Dumping e precarização do trabalho são práticas ilegais por excelentes razões, e o Uber não pode ser a exceção. A empresa precisa ter uma relação ética com seus trabalhadores, que devem ser protegidos de abusos. E precisa respeitar os princípios básicos de livre concorrência que diz professar.

    Você defende a volta dos limites de velocidade nas Marginais para o que eram antes da gestão Haddad?

    Danilo Verpa/Folhapress
    SAO PAULO - SP - 11.03.2016 - Transito parado na Marginal Tiete, proximo a ponte Atilio Fontana. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, COTIDIANO) ORG XMIT: CHUVA EM SP

    Chequer - A velocidade baixa reduz acidentes, isso é um fato incontestável. Se o limite for, por exemplo, 10 km/h, provavelmente não haverá mais nenhum acidente nem morte. Mas isso é inviável. A cidade precisa ter mobilidade urbana adequada para funcionar e sacrificar o menos possível as pessoas que saem de casa -principalmente as que moram nas periferias- e vão para o trabalho, em geral nas regiões centrais.

    O que considero adequado é um limite médio razoável que se mostre ao mesmo tempo seguro para as pessoas e ao mesmo tempo ofereça boa mobilidade a todos.

    Ruas residenciais e de baixo movimento devem, sim, ter limites de velocidade baixos. Grandes avenidas e eixos que ligam as zonas norte-sul e leste-oeste podem ter limites mais altos. E as Marginais, que foram concebidas justamente para oferecer agilidade, devem ter limites mais altos desde que sejam mantidas impecavelmente, com sinalização vertical e horizontal adequadas, placas de orientação acessíveis e de fácil compreensão. E por último, mas não menos importante, investir em educação para o trânsito e em eficiência na fiscalização.

    Orofino - A eficácia das medidas de redução das velocidades máximas em São Paulo é absolutamente inquestionável. De acordo com a Secretaria de Segurança do Governo do Estado, 78% dos acidentes de carro fatais ocorridos em São Paulo entre 2005 e 2009 foram causados por fatores humanos. Desse montante, 44% foram diretamente relacionados ao excesso de velocidade. Já no último ano as medidas implementadas pela Prefeitura levaram a uma redução de 38,5% nos acidentes, e ainda tiveram a vantagem de reduzir em 8,7% a lentidão da pista.

    Segundo a Associação Brasileira de Medicina no Tráfego, vítimas de acidente de trânsito ocupam 60% das UTIs no Brasil. Reverter uma política de prevenção de acidentes comprovadamente eficaz pode não apenas resultar em mais vítimas fatais, mas também sobrecarregar o sistema de saúde da cidade, num efeito dominó monstruoso.

    É importante lembrar que o número de radares fixos na cidade aumentou 405% durante a gestão Haddad, passando de 19 em 2013 para 96 em 2016, além dos 10 radares móveis. Ou seja: para a obtenção de resultados tão exitosos, não bastou reduzir a velocidade, foi também necessário aumentar a fiscalização. Ambas as iniciativas devem ser preservadas.

    Você defende a administração da Saúde por meio das OSs (Organizações Sociais)?

    Almeida Rocha / Folha Imagem
    SAO PAULO, SP, BRASIL - 5/3/2010 - Horas: 11:52:51 - Local: BELA VISTA - PAUTA: Vigilante - Hospital Perola Byington referencia no tratamento da Mulher, verificamos quais os problemas que os paciente enfrentam. Foto: Triagem do Ambulatorio. (Foto: Almeida Rocha / Folha Imagem

    Chequer - Sim. A saúde é uma atribuição pública, mas que pode perfeitamente ter parceiros privados -desde que competentes e idôneos.

    Entendemos que as OSs são uma forma adequada e importante de complementação do atendimento médico ao cidadão paulistano, considerando que a estrutura municipal de saúde não tem condições de atender com qualidade mínima a população da cidade. No mundo ideal, elas deveriam funcionar como um tipo de concessão, oferecendo serviços de saúde de forma mais rápida e eficiente, trabalhando paralelamente à rede pública.
    Por não estarem atreladas às regras do Estado, as OSs conseguem não apenas contratar com mais agilidade, pela CLT, como também serem mais ágeis na compra de produtos, materiais médicos etc.

    Claro que isso tudo demanda uma administração eficiente e exige parceiros competentes e idôneos. Além disso, a prefeitura deve se encarregar de realizar avaliações sistemáticas e, na comparação, identificar e promover as melhores e mais eficientes práticas no atendimento à população.

    Orofino - As medidas mais importantes de sucesso da administração da Saúde são a qualidade e a universalidade da provisão do serviço, que só podem ser garantidas por meio de um foco absoluto nos pacientes e de uma valorização adequada de todos os profissionais envolvidos. Em tese, vários formatos de administração deveriam poder atender a esses quesitos, inclusive a gestão por OSs. Na prática, muitas das experiências de gestão da Saúde através de OSs em grande centros urbanos brasileiros têm deixado a desejar em ambas as frentes.

    O primeiro desafio encontrado tem sido o de transparência na gestão. No Rio, por exemplo, a Câmara de Vereadores teve que derrubar o veto do prefeito Eduardo Paes à lei que obriga a divulgação na internet dos valores pagos a fornecedores e prestadores de serviço de Saúde, bem como suas folhas de pagamento e o demonstrativo das transferências realizadas pela Prefeitura, apesar de 8 das 10 OSs que administram 108 das 248 unidades de saúde da Prefeitura carioca estarem sendo investigadas por suspeitas de irregularidades.

    A administração da Saúde por meio de OSs apresenta também o desafio de valorização contínua dos profissionais. Ainda que bem remunerados, profissionais não concursados têm menos incentivos a permanecer no serviço público, obrigando o Estado a competir com o setor privado em termos de remuneração, já que não pode fazê-lo através de benefícios como estabilidade profissional ou planos de carreira bem desenhados.
    É necessário pesar essas dificuldades ao optar pela gestão por OSs, e investir muito em fiscalização e valorização de pessoal.

    Você defende o fechamento da avenida Paulista aos domingos?

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 26-06-2016, 13h00: Ciclistas andam de bicicleta na ciclovia da avenida Paulista que completa um ano de existencia. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, COTIDIANO)

    Chequer - A cidade de São Paulo é carente de espaços públicos de lazer, e as pessoas aceitaram a Paulista fechada aos domingos, transformando-a aos poucos numa alternativa importante de atividades e diversão.

    Ressalvo que a administração do fechamento da Paulista tem que preservar o acesso aos hospitais da região e aos moradores do entorno. O benefício de alguns não pode ser feito às custas do prejuízo de outros.

    Muitos outros espaços urbanos deveriam ser utilizados da mesma forma, especialmente nas periferias da cidade, onde as opções de lazer oferecidas são infinitamente piores que as do centro de São Paulo. Neste caso, mais planejamento e menos politicagem devem balizar o futuro administrador da cidade.

    Orofino - Sou inteiramente a favor da abertura da Paulista para pedestres aos domingos. O espaço viário é público, e deve ser utilizado de maneira democrática. No entanto, não é isso que ocorre: apesar de apenas 30% dos deslocamentos intraurbanos serem realizados por automóvel, o espaço destinado ao carro representa de 70% a 90% de todo o estoque viário das cidades. A abertura da Paulista para pedestres aos domingos é uma política pública ainda tímida, mas simbolicamente importante e que vai na contramão do uso autoritário do espaço público.

    Para além das questões de uso do solo -e portanto dos recursos públicos-, é importante também atentar para as inúmeras externalidades negativas do emprego excessivo de automóveis, que afligem mais intensamente justamente aqueles que não têm carro. A poluição sonora e do ar imposta pelos veículos é especialmente perigosa para quem anda a pé, sem a proteção da redoma hermética e ar-condicionada do carro particular. A abertura da Paulista aos domingos é mais uma forma de devolver uma parte da cidade ao pedestre sem que ele tenha que lidar diretamente com essas externalidades.

    Por fim, a abertura da Paulista conta com o apoio de 61% dos moradores da região -o percentual é maior que os 45% de aprovação entre a população paulistana, apurados pelo Datafolha em outubro do ano passado. Cerca de 75% dos vizinhos já foram à Paulista aos domingos pelo menos uma vez. Cabe esperar que a medida não apenas seja mantida, mas que se expanda para outras áreas da capital, como já previsto no Programa Ruas Abertas.

    Defende a terceirização das vagas em creches públicas (em estacionamentos de supermercados, por exemplo)?

    Raquel Cunha/Folhapress
    Alunos brincam em creche

    Chequer - Não. A terceirização, desde que bem conduzida, é desejável. Porém, estacionamento de supermercado é estacionamento de supermercado. Não é lugar para "encaixar" uma creche. Creches trazem, acima de tudo, igualdade de oportunidade. É obrigação da prefeitura oferecê-las em número suficiente, com profissionais qualificados e em prédios adequados.

    Não se admite baixa qualidade nestes quesitos. Criança bem tratada nesta fase da vida é sinônimo de educação de base. E a Prefeitura de São Paulo, uma das mais ricas do país, deve ter isso como prioridade. Não acho que devamos ficar tentando "jeitinhos" nem "espaços alternativos" para se resolver problemas sérios. Se precisa ser feito, que se faça bem, de forma sustentável e duradoura, e não experimentalmente.

    Orofino - Em tese, a terceirização de vagas pode ser uma solução temporária rápida para um problema urgente: as filas de espera que penalizam milhares de crianças e suas famílias, sobretudo as mães. Na prática, a terceirização tem sido feita sem fiscalização adequada, e muitas das creches não oferecem infraestrutura digna para os beneficiados.

    Em 2013, uma ação do Ministério Público do Trabalho constatou atraso de pagamento e desvio de funções dos trabalhadores, além de falta de monitoramento adequado por parte da prefeitura. A administração municipal tem trabalhado para sanar esses problemas, mas ainda há um longo caminho a percorrer.

    Para além da criação de mais unidades públicas, devemos estudar mais formas de dividir a responsabilidade pela criação e manutenção de creches com os empregadores. Grandes empresas, com infraestrutura de escritório fixa, podem ter creches dentro de suas sedes, para além dos restritos espaços de amamentação previstos pela legislação trabalhista. Esses locais atenderiam aos filhos e filhas dos trabalhadores de diferentes níveis salariais, permitindo a pais e mães um convívio mais assíduo com as crianças e uma repartição mais justa dos cuidados infantis.

    Defende que moradores de rua sejam obrigados a frequentar abrigos da prefeitura?

    Fabio Braga/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 15-06-2016: Moradores de rua aguardam a abertura dos ports do albergue para poderem se alojar. Moradores de rua que tem dificuldade em entrar nos albergues publicos, segundo a Defensoria Publica, usam a instituicao para conseguir ordem judicial para que nao enfrente as filas todos os dias. (Foto: Fabio Braga/Folhapress, COTIDIANO).

    Chequer - Defendo que não haja moradores de rua na cidade. A prefeitura deve cuidar de seus cidadãos. Há secretarias criadas especialmente para lidar com o problema dos moradores de rua. Por que não conseguem resolver? Porque são ineficientes. A prefeitura precisa manter abrigos limpos e organizados, para receber os moradores que os procurem.

    Mas é também tarefa das secretarias de Saúde e Bem Estar Social levar essas pessoas para os abrigos e não deixá-las nas ruas. Registro que há uma porcentagem alta de doenças mentais entre moradores de rua. Tirá-los das ruas e oferecer acompanhamento médico é uma questão de saúde pública.

    Orofino - Pobreza não é crime. Um cidadão ou cidadã que não consegue pagar por moradia deve ser ajudado, não desrespeitado. E a prefeitura deve estar à altura do desafio de amparar essas pessoas sem recorrer a falsas soluções.

    Abrigos têm que ter qualidade, e cidadãos devem ter opções de moradia acessíveis e confortáveis. Pessoas em situação de vulnerabilidade adicional em decorrência de fatores como abandono familiar ou doença mental precisam de amparo especializado. Se ambas as coisas acontecerem, a população em situação de rua diminuirá. Ninguém mora na rua por que quer -ou quase ninguém. Se não fosse assim, não verificaríamos diferenças significativas no número de pessoas vivendo na rua em cidades ricas e pobres, com ou sem opções de moradia.

    Tirar da pessoa que está vivendo na rua autonomia para escolher frequentar um abrigo exime o Estado da obrigação de oferecer uma opção viável e digna. Afinal, se o sujeito não tiver escolha, qualquer coisa serve. Todo prefeito é pressionado a implementar políticas públicas que resultem numa diminuição da quantidade de pessoas em situação de rua, e fazê-lo através da restrição do direito de ir e vir dessa população é uma saída preguiçosa e ineficiente.

    Você é a favor da demolição do Minhocão?

    Felipe Gabriel/Divulgação
    MOVTO 90 - Ed Santa Cruz (Cre¦üdito Felipe Gabriel)10 --- Corredor Verde no Minhocão

    Chequer - Não. O Minhocão poderia se transformar num parque linear, por exemplo. Temos ótimas escolas de arquitetura e urbanismo, que poderiam sugerir novos usos para o viaduto. Em algumas cidades do mundo as escolas de arquitetura foram convidadas a participar de concursos e apresentar soluções para problemas complexos das cidades.

    A prefeitura poderia fazer o mesmo neste caso: abrir um concurso nas faculdades de arquitetura para realização de um projeto de reurbanização da região e após a definição do melhor projeto -por um júri de notáveis- atrair a iniciativa privada para patrocinar parte ou a totalidade da obra.

    Um bom exemplo de reurbanização que deu muito certo é o High Line, em Nova York. Localizada numa região degradada da cidade (o chamado Meat Packing District), a antiga linha de trem abandonada se transformou -com vontade, trabalho da população e ajuda da prefeitura da cidade-, em menos de 15 anos, numa das regiões mais valorizadas da cidade.

    Orofino - Sou a favor de uma consulta mais ampla com a população sobre a questão do Minhocão, com processos distintos que levem em conta primeiramente a visão dos moradores do bairro, e em segundo lugar a perspectiva do cidadão paulistano sobre o tema.

    Caso decida-se pela desativação do espaço, alternativas à demolição -como a criação de parques suspensos- podem e devem ser estudadas e debatidas.
    Um efeito observado em cidades que passaram por situações semelhantes também deve ser levado em conta: a rápida alta nos preços das propriedades e aluguéis na área afetada depois da desativação da via.

    Esse efeito deve ser mitigado, de modo a evitar uma expulsão em massa dos moradores da região, caso o Minhocão seja demolido. Instrumentos como o controle de preços de aluguel, implementados em cidades como Nova York e Paris, podem ser soluções interessantes.

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