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    Lava Jato

    'Não são os dez mandamentos', diz Moro sobre medidas contra corrupção

    ESTELITA HASS CARAZZAI
    DE CURITIBA

    24/10/2016 12h48

    Pedro de Oliveira/ALEP
    Moro durante evento na Assembleia do Paraná
    Moro durante evento na Assembleia do Paraná

    Em audiência pública para debater as dez medidas contra a corrupção, o juiz federal Sergio Moro rebateu as críticas de que as propostas sejam "autoritárias" e defendeu a sua aprovação, "senão em sua integralidade, em sua maioria".

    "Ninguém tem a pretensão de apresentar isso como se fossem dez mandamentos ou coisa que o valha", declarou Moro nesta segunda (24), em audiência na Assembleia Legislativa do Paraná.

    "Pelo contrário. Foi feito um projeto e ele foi colocado no espaço próprio para debate, o parlamento. É totalmente elogiável."

    O juiz responsável pelos processos da Operação Lava Jato admitiu que há "uma medida ou outra mais polêmica" e citou, como exemplo, a validação de provas ilícitas colhidas com boa-fé.

    "Ninguém nunca imaginou discutir validação de confissão sobre tortura, isso é um delírio. Mas se o problema é esse, então, tira essa parte."

    Para Moro, o Congresso irá demonstrar "de que lado se encontra" ao votar o pacote das dez medidas.

    "Sem querer ser maniqueísta, o Congresso vai demonstrar de que lado ele se encontra. Se aprovadas, será uma sinalização importante. As pessoas precisam ter fé nas suas instituições democráticas."

    O magistrado defendeu que reformas no sistema de Justiça criminal brasileiro se fazem necessárias em um "quadro de corrupção sistêmica", como o que há no Brasil.

    PROCURADORES

    A audiência foi promovida pela comissão especial da Câmara dos Deputados que debate o projeto das dez medidas enviado ao Congresso.

    Nas galerias, manifestantes pró-Lava Jato gritavam "Viva Sérgio Moro", "Fora Renan" e "Lula na cadeia", e aplaudiram de pé o juiz da Lava Jato.

    Antes de Moro, também falaram os procuradores da República Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon, integrantes da força-tarefa da Lava Jato, que defenderam a aprovação do pacote na íntegra.

    Pozzobon, que fez uma exposição sobre a impunidade em crimes de colarinho branco, afirmou ser preciso "revogar de uma vez por todas a Lei de Gerson no nosso país".

    "Não é bonito ser malandro. Nós precisamos desconectar dessa ideia de bom malandro. Isso não existe", afirmou o procurador.

    Tanto ele quanto Dallagnol pediram que se façam "críticas construtivas" às dez medidas, ou seja, acompanhadas de "contrapropostas".

    "Existem discordâncias legítimas. Mas o problema [da impunidade] vai continuar lá", afirmou Dallagnol. "Caso se discorde, que se proponha uma alternativa. Mas que o problema seja resolvido."

    O procurador rebateu críticas de que as dez medidas pretendem "empoderar o Ministério Público", e disse que seu objetivo é "buscar a efetividade da Justiça".

    "Eu nunca ouvi alguém dizer que o crime de homicídio foi feito para empoderar o Ministério Público. Não, é para proteger a sociedade", afirmou Dallagnol.

    *

    AS DEZ MEDIDAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
    Pacote enviado ao Congresso é composto por 20 anteprojetos de lei que se apoiam em dez eixos

    1) Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação

    Ações práticas: Criar testes de integridade, com simulações de suborno sem o agente público saber. Ministério Público passa a garantir o sigilo da fonte

    O que diz o MPF: Testes são incentivados pela ONU e úteis em alguns países. Ninguém será condenado com base apenas na palavra de um informante confidencial

    Argumentos contra: A ONU só apoia testes em países com leis para regulá-los; sigilo não permite ao investigado confrontar versão, diz Renato Vieira, do IBCCrim

    2) Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos

    Ações práticas: Tornar crime o enriquecimento ilícito, com pena de 3 a 8 anos de prisão, mas passível de substituição no caso de delitos menos graves

    O que diz o MPF: A criminalização garante que o agente não fique impune até quando não for possível descobrir ou comprovar os atos específicos de corrupção

    Argumentos contra:

    3) Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores

    Ações práticas: Subir a pena para corrupção de 2 a 12 anos para 4 a 12 anos. Escaloná-la segundo o valor desviado, indo de 12 a 25 anos se passar de R$ 8 milhões

    O que diz o MPF: As penas aplicadas são normalmente inferiores a quatro anos e perdoadas depois do cumprimento de um quarto. Assim, crime compensa

    Argumentos contra: "O juiz já pode fixar pena acima de quatro anos. Eles [do MPF] precisam tentar mudar a mentalidade dos juízes, e não mudar a lei", diz Vieira

    4) Aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal

    Ações práticas: Executar a condenação quando for reconhecido abuso do direito de recorrer; executar pena após condenação em segunda instância

    O que diz o MPF: Ações com réus de colarinho branco demoram mais de 15 anos em tribunais após a condenação, pois as defesas protelam até a prescrição

    Argumentos contra: Há condenações revistas em tribunais superiores, diz Hugo Leonardo, do IDDD; o direito ao recurso não pode ser considerado como abuso

    5) Celeridade nas ações de improbidade administrativa

    Ações práticas: Criar varas, câmaras e turmas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa e ações decorrentes da lei anticorrupção

    O que diz o MPF: Ações de improbidade são mais complexas e, nas varas comuns, são deixadas de lado pelos juízes, que agilizam antes os casos mais simples

    Argumentos contra:

    6) Reforma no sistema de prescrição penal

    Ações práticas: Mudar Código Penal para, entre outras coisas, evitar que o prazo para prescrição corra enquanto se espera julgar recursos ao STJ e ao STF

    O que diz o MPF: Estudo recente mostra que, entre 2010 e 2011, a Justiça deixou prescrever 2.918 ações de corrupção, lavagem e improbidade (11% delas)

    Argumentos contra: Assunto já é objeto de projeto de lei e não tem a ver com o combate à corrupção. "É matéria de direito penal", afirma Vieira, do IBCCrim

    7) Ajustes nas nulidades penais

    Ações práticas: Incluir causas de exclusão de ilicitude na obtenção de provas. Exemplo: tornar válida prova se obtida por agente público que agiu de boa-fé

    O que diz o MPF: O objetivo das mudanças é que só se anulem ou excluam provas de um processo quando houver uma violação real dos direitos do réu

    Argumentos contra: Abre-se espaço para que agentes persigam seus fins sem precaução, um perigo num país com grande histórico de violência policial, diz Leonardo, do IDDD

    8) Responsabilização dos partidos e criminalização do caixa dois

    Ações práticas: Responsabilizar partidos por práticas de corrupção, criminalizar o caixa dois e tornar crime eleitoral a lavagem de dinheiro proveniente de infração penal

    O que diz o MPF: O objetivo é estender às agremiações partidárias as exigências feitas a quaisquer pessoas jurídicas

    Argumentos contra:

    9) Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado

    Ações práticas: Prender para localizar o recurso ilegal, para assegurar sua devolução ou para evitar que ele seja usado na fuga ou na defesa do investigado

    O que diz o MPF: Trata-se de uma proteção da ordem pública contra novos crimes. Por se tratar de prisão preventiva, a medida deve ter caráter excepcional

    Argumentos contra: Para Vieira, viola a garantia do investigado de não ter que fazer prova contra si mesmo. Ao pagar, ele estaria "assumindo comportamento de culpa"

    10) Recuperação do lucro derivado do crime

    Ações práticas: Criar o "confisco alargado": tomar a diferença entre o patrimônio comprovadamente lícito e o patrimônio total de um condenado em definitivo

    O que diz o MPF: Coloca o sistema jurídico brasileiro em harmonia com o de outros países. A medida atinge apenas o patrimônio de origem injustificada

    Argumentos contra:

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