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    Casos de foro privilegiado se arrastam por até 18 anos

    RUBENS VALENTE
    CAMILA MATTOSO
    GABRIEL MASCARENHAS
    RANIER BRAGON
    DE BRASÍLIA

    06/11/2016 02h00

    Renato Costa/FramePhoto/Folhapress
    Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) se reúnem para decidir se instauram uma nova ação penal contra o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha
    O plenário do Supremo Tribunal Federal, que julga os casos de foro privilegiado

    O presidente da República era Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e a TV Globo transmitia a novela "Torre de Babel" quando, em agosto de 1998, a Polícia Federal abriu inquérito em Porto Velho para apurar uma série de "saques indevidos de FGTS pelo Estado de Rondônia".

    Quem assinava os contratos sob suspeita com a Caixa era o então governador do Estado, Valdir Raupp, hoje senador pelo PMDB.

    Em 1º de setembro de 2000, o oficial de Justiça informou em ofício que "o acusado Valdir Raupp reside em Brasília". Desde então, o Judiciário não consegue dar uma palavra final sobre o caso, até para um eventual benefício do parlamentar, já que por três vezes o Ministério Público pediu o arquivamento, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não decidiu e Raupp segue como réu.

    Ele enfrenta outras duas ações penais de um total de 84 contra 53 deputados e senadores hoje em andamento no Supremo, corte onde os integrantes do Congresso têm foro privilegiado.

    Levantamento da Folha com informações fornecidas pelo STF a pedido do jornal revela que esses 84 casos que se tornaram ações penais estão, em média, há sete anos e oito meses sem um desfecho.

    Desses, 22 (26%) estão em andamento há mais de dez anos. Outros 37 (44%) superam seis anos. Quatro, entre eles três de Raupp, ultrapassam 15 anos sem decisão final.

    Para estabelecer o tempo de duração dos casos dos réus no Supremo, a reportagem também considerou a data do início das investigações sobre o político, inclusive antes de chegar à corte.

    Quando um político investigado obtém cadeira no Congresso ou se torna ministro, um inquérito que começou em primeira instância precisa ser remetido a Brasília por força do foro privilegiado, o que pode atrasar ainda mais o andamento.

    Na Lava Jato, 22 casos já receberam sentença do juiz Sergio Moro com tempo médio de um ano e seis meses.

    A conta tem como ponto de partida a deflagração da operação, em março de 2014. Assim, os que estão sob condução de Moro foram cerca de cinco vezes mais rápidos que os de foro privilegiado no STF –mas, nas instâncias inferiores, o réu ainda pode recorrer após a sentença.

    PRESCRIÇÕES

    A longa tramitação abre risco de prescrição das penas. A Procuradoria-Geral da República então pede a extinção da ação porque o parlamentar não poderia ser mais condenado em razão do tempo da pena prevista em eventual condenação.

    Com a prescrição, vão para o lixo anos de recursos públicos gastos para a apuração de supostos crimes.

    O deputado federal Josué Bengtson (PTB-PA), por exemplo, foi denunciado em junho de 2007 por supostas corrupção e associação criminosa em inquérito derivado da Operação Sanguessuga.

    Segundo a Procuradoria, Bengtson recebeu de uma quadrilha de empresários R$ 55 mil em sua conta e outros R$ 39 mil na de uma igreja em que atuava como pastor. Em troca, fez 14 emendas ao Orçamento da União para compra das ambulâncias.

    Quando ficou sem mandato, foi investigado e denunciado em 2007 na primeira instância. Porém virou deputado em 2010 e seu caso foi para o STF. Até que a ação desse entrada na corte, em 2012, cinco anos haviam se passado.

    Nos últimos quatro anos, o Supremo também não conseguiu julgar a denúncia. Em setembro, os ministros da corte reconheceram a prescrição e determinaram a extinção.

    A vitória de Bengtson poderá ser comemorada por outros colegas: Nilton Capixaba (PTB-RO), Benjamin Maranhão (SD-PB) e Paulo Feijó (PR-RJ), investigados na Sanguessuga. Seus casos estão prontos para julgamento, porém prestes a prescrever.

    A pedido da Folha, o STF enviou lista de outros 13 processos que recentemente receberam sentença, mas que ainda estão tecnicamente em andamento. Entre eles, está o do mensalão, em fase de cumprimento de pena.

    O tempo médio que os 13 levaram, considerando o início da investigação em outras instâncias, foi de oito anos e dez meses.

    OUTRO LADO

    O STF (Supremo Tribunal Federal) trabalha com critérios diferentes dos utilizados pela Folha para chegar ao tempo médio de tramitação de casos no tribunal e diz que uma ação penal leva, em média, dois anos e quatro meses para ser concluída na corte.

    O tribunal considerou como data do início da contagem o registro da abertura da ação, sem levar em conta toda a fase de inquérito no próprio tribunal, que em muitos casos se estende por anos e das outras investigações na primeira instância. Essas fases anteriores à ação penal também contam para prescrição das eventuais penas.

    Segundo os dados divulgados à Folha, o STF analisou a tramitação de 180 ações penais de 2007 a outubro de 2016. Um grupo de 25 levou mais de cinco anos de tramitação. A mais longa demorou 3.297 dias, ou nove anos.

    Em nota à reportagem, a Procuradoria-Geral da República defendeu a rediscussão do foro privilegiado e considera até mesmo sua extinção.

    O advogado de defesa do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), José de Almeida Júnior, ressaltou que, em um dos processos contra o senador, existe desde 2005 parecer da PGR pela absolvição de seu cliente.

    Sobre as outras duas ações, ele afirma que uma já está prescrita e que, na outra, há no processo evidências que mostram a regularidade das ações do senador.

    "O STF é muito sobrecarregado de trabalho. São só 11 ministros. Nesse caso a demora está contra nós. Com o pedido de absolvição [em uma das ações] o senador podia estar sem o nome dele nesta tela há uns dez anos. A ação certamente será julgada improcedente", afirma o advogado.

    Procurado na sexta (4) pela reportagem, o deputado Josué Bengtson não foi localizado para comentar o processo no STF que foi extinto por prescrição.

    Em depoimento prestado à Justiça Federal, ele afirmou que era "falsa a acusação" feita pelo Ministério Público e que "nunca se associou a ninguém com fins de prejudicar o Erário". Disse que "nunca recebeu qualquer tipo de comissão ou qualquer outra contraprestação pelas ambulâncias".

    Editoria de Arte/Folhapress
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