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    'Há pretensão autoritária', diz crítico de propostas do Ministério Público

    WÁLTER NUNES
    DE SÃO PAULO

    22/11/2016 02h00 - Atualizado às 09h53

    O advogado Renato Stanziola Vieira, diretor de projetos legislativos do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), classifica a proposta das medidas propostas pelo Ministério Público contra a corrupção como desonesta.

    O advogado diz que os autores usam como pretexto o combate à corrupção para "reformar a espinha dorsal do sistema penal e processual penal". Para ele, as medidas, se aprovadas, vão resultar em perda de direitos do cidadão e vão lotar as cadeias.

    Uma comissão da Câmara que analisa o tema deve votar nesta terça (22) o parecer feito pelo relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) com propostas baseadas no projeto da Procuradoria.

    *

    Folha - O sr. diz que o alvo das dez medidas não é necessariamente o combate à corrupção. Por que diz isso?

    Renato Stanziola Vieira - Essas medidas deveriam ter como pano de fundo o combate à corrupção, mas elas têm a pretensão autoritária de reformar a espinha dorsal do sistema penal e processual penal brasileiros. Essa proposta que foi subscrita por mais de 2 milhões de brasileiros espanta, porque quando ela fala de provas ilícitas, sobre habeas corpus e sobre prescrição, inclusive em matérias agora encampadas pelo substitutivo, não tem absolutamente nada a ver com corrupção.

    Qual o efeito disso?

    Dificultar o uso do habeas corpus, seja porque traz o promotor para auxiliar o juiz, seja porque prevê um recurso específico contra uma decisão que concede o habeas corpus, e também esse que dificulta a expulsão das provas ilícitas do processo penal são verdadeiros estímulos ao poder punitivo do Estado.

    Vê qualidades no projeto?

    Há pontos positivos. A questão de fundo, dados de informação, o próprio acordo de leniência na improbidade administrativa, aceleramento na ação de improbidade administrativa, tudo isso pode ser útil no combate à corrupção.

    Mas a grande maioria não tem a ver com corrupção. Amesquinha o direto de todos. E o discurso tem atrás dele um discurso autoritário. São questões que não têm a ver com corrupção e vão lotar os presídios e atrapalhar todo o processo penal e o direito penal.

    Inclusive do ponto de vista sistemático é espantoso que a Câmara esteja votando isso. Há um projeto do código do processo penal em curso, e portanto o lugar [da discussão] dessas medidas deveria ser lá, há um projeto do código penal em curso e também o lugar deveria ser lá.

    Quem serão os atingidos pelas medidas?

    Essas medidas não vão ofender necessariamente quem é acusado de corrupção, vão ofender o sistema como um todo. E a massa de pessoas que dependem do Judiciário são defendidas pelas defensorias.

    Foi a defensoria do Rio que percebeu isso no primeiro momento, como são enganosas as medidas. Porque o público da defensoria é o preso por tráfico, por roubo, por extorsão.

    Não é um debate entre quem é contra e quem é a favor da Lava Jato. Quem está vendo o que está na raiz do problema entende que essas medidas ofendem todos os cidadãos que estão atingidos pelo processo penal.

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    AS MEDIDAS EM DISCUSSÃO

    Câmara discute pacote baseado em propostas do Ministério Público

    O QUE É O PACOTE

    • Intitulado "dez medidas contra a corrupção", traz propostas de mudanças na legislação para dar celeridade aos processos judiciais, além de endurecer punições
    • As medidas foram concebidas pela força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba e, posteriormente, encampadas pela Procuradoria-Geral da República

    PROPOSTAS

    1. Prevenção à corrupção, transparência e fontes de informação dos investigadores
    Aplicação de "teste de integridade" no serviço público, após treinamento, sem consequências
    penais para o servidor
    Divulgação estatística dos processos, cíveis e penais, referentes à corrupção
    Amparo legal ao informante, que passa a ser chamado de informante confidencial

    2. Crime de enriquecimento ilícito de funcionários públicos
    Tipifica o crime, com pena de 3 a 8 anos, mais multa

    3. Crimes contra a administração pública
    Eleva penas para crimes contra a administração pública e os coloca no rol de crimes hediondos caso o valor desviado seja maior do que cem salários mínimo (R$ 88 mil hoje)

    4. Recursos
    Extinguem-se recursos considerados meramente protelatórios

    5. Ação de improbidade administrativa
    Agiliza o processo e confere legitimidade ao Ministério Público para celebrar acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas

    6. Prescrição
    Endurece as regras para que os réus se livrem devido à morosidade judicial

    7. Provas
    Dificulta a anulação de provas, mas as obtidas de maneira ilegal, mesmo de boa-fé, continuam inválidas

    8. Caixa dois
    Criminaliza especificamente o crime de caixa dois eleitoral e responsabiliza também os partidos políticos pela prática

    9. Bancos e a Justiça
    Estabelece multa a bancos por descumprimento de ordem judicial

    10. Perda de bens
    Estabelece perda de bens ou valores que tenham origem em atividade ilícita grave

    11. Delação
    Cria a figura do "reportante do bem". A pessoa que passar informação sobre crime ao qual não esteja envolvida terá direito a proteção de identidade e receberá parte dos valores ressarcidos e das multas aplicadas aos infratores

    12. Acordos
    Defesa e acusação poderão em crimes menos graves
    fazer um "acordo de culpa", com definição da pena, cabendo ao juiz a homologação. Objetivo é simplificar os processos e desafogar a Justiça.

    13. Combate à corrupção e lavagem de dinheiro
    Cria comissões permanentes e sistema de base de dados com o objetivo de combater a corrupção e a lavagem de dinheiro

    14. Cumprimento da pena
    Deixa claro na legislação a recente jurisprudência do STF para que o cumprimento da pena tenha início após a conclusão na segunda instância.

    15. Cooperação internacional na área da Justiça
    Estabelece regras para cooperação jurídica internacional

    16. Forças-tarefas
    Regulamenta a formação de forças-tarefas binacionais ou multilaterais para apurar crimes graves que ultrapassem as fronteiras nacionais

    17. Ação popular
    Reforma as regras da ação popular, ampliando o alcance da medida

    18. Punição a juízes, procuradores e promotores
    Possibilita a juízes e membros do Ministério Público responder por crimes de responsabilidade

    CRONOLOGIA

    29.mar
    Ministério Público Federal entrega ao Congresso o pacote

    7.jul
    Mais de três meses depois, Câmara institui comissão especial para analisar as medidas

    9.nov
    Onyx Lorenzoni (DEM-RS) apresenta seu relatório

    16.nov
    Data marcada para o início da discussão e votação pelo grupo; pauta é adiada

    17.nov
    Novo adiamento da votação, por falta de quorum

    22.nov
    Comissão deve votar parecer

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