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    'Sistema atual de prescrição gera impunidade', diz defensor de medidas

    FLÁVIO FERREIRA
    DE SÃO PAULO

    22/11/2016 02h00

    Integrante da força-tarefa da Lava Jato em Brasília, o procurador Ronaldo Pinheiro de Queiroz diz que é preciso aprovar com urgência a proposta das "Dez medidas contra a corrupção", que muda o sistema de prescrição de crimes, para ele hoje "uma fábrica de impunidade".

    A comissão da Câmara que analisa o tema deve votar nesta terça (22) o parecer feito pelo relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) com propostas baseadas no projeto do Ministério Público Federal.

    *

    Folha - O projeto original das "Dez medidas contra a corrupção" sofreu alterações no Congresso, com a retirada e inclusão de assuntos. Agora possui 18 temas. Como avalia as alterações?

    Ronaldo Pinheiro de Queiroz - Seria antidemocrático por parte do Ministério Público entender que o Parlamento teria que apenas carimbar as medidas da forma que foram entregues. A nossa preocupação é que pelo menos não se perca a essência das "Dez medidas". No caso da medida 18, foi criado um novo tipo de crime de responsabilidade só para membros da magistratura e do Ministério Público, o que pode intimidar as instituições de combate à corrupção. O crime de responsabilidade tem natureza político-administrativa e é para autoridades de alto escalão que tenham poder de gestão, como presidente da República.

    Folha - Nos acréscimos ao projeto há algo positivo?

    Sim, a lei do reportante de boa fé foi muito sabiamente incluída pelo relator. Ela estimula qualquer cidadão a reportar um caso de corrupção de que tenha conhecimento. Estabelece prêmios para aqueles que contribuírem efetivamente e medidas de proteção contra retaliação. Se o dinheiro for recuperado, ele tem uma parcela disso, uma recompensa.

    Dentre as medidas, quais necessitam de aprovação mais urgente?

    A elevação das penas do crime de corrupção de acordo com a quantidade do valor que foi desviado. Também o acordo de leniência [acordo de delação entre empresas e autoridades] expressamente na lei de improbidade administrativa.

    A parte que regula a prescrição também é medida extremamente importante, pois a prescrição no Brasil tem peculiaridades, e a prática tem mostrado que ela é uma verdadeira fábrica de impunidade.

    Parte dos advogados diz que as mudanças propostas para o regime de prescrição ferem direitos dos acusados. Como o sr. vê essa crítica?

    Não vejo nenhuma inconstitucionalidade nessa medida. [A prescrição] é uma estratégia de defesa em alguns caso, quando o mérito não é bom para o cliente.

    Temos um sistema recursal que vai quase ao infinito. Um sistema recursal desregulado como o nosso, aliado ao sistema de prescrição, gera impunidade.

    Os advogados também dizem que as medidas fortalecem o Ministério Público e causam desequilíbrio na relação com a defesa. Como avalia essa questão?

    Não concordo, até porque a maioria das medidas do pacote não é uma invenção e está prevista em tratados internacionais.

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    AS MEDIDAS EM DISCUSSÃO

    Câmara discute pacote baseado em propostas do Ministério Público

    O QUE É O PACOTE

    • Intitulado "dez medidas contra a corrupção", traz propostas de mudanças na legislação para dar celeridade aos processos judiciais, além de endurecer punições
    • As medidas foram concebidas pela força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba e, posteriormente, encampadas pela Procuradoria-Geral da República

    PROPOSTAS

    1. Prevenção à corrupção, transparência e fontes de informação dos investigadores
    Aplicação de "teste de integridade" no serviço público, após treinamento, sem consequências
    penais para o servidor
    Divulgação estatística dos processos, cíveis e penais, referentes à corrupção
    Amparo legal ao informante, que passa a ser chamado de informante confidencial

    2. Crime de enriquecimento ilícito de funcionários públicos
    Tipifica o crime, com pena de 3 a 8 anos, mais multa

    3. Crimes contra a administração pública
    Eleva penas para crimes contra a administração pública e os coloca no rol de crimes hediondos caso o valor desviado seja maior do que cem salários mínimo (R$ 88 mil hoje)

    4. Recursos
    Extinguem-se recursos considerados meramente protelatórios

    5. Ação de improbidade administrativa
    Agiliza o processo e confere legitimidade ao Ministério Público para celebrar acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas

    6. Prescrição
    Endurece as regras para que os réus se livrem devido à morosidade judicial

    7. Provas
    Dificulta a anulação de provas, mas as obtidas de maneira ilegal, mesmo de boa-fé, continuam inválidas

    8. Caixa dois
    Criminaliza especificamente o crime de caixa dois eleitoral e responsabiliza também os partidos políticos pela prática

    9. Bancos e a Justiça
    Estabelece multa a bancos por descumprimento de ordem judicial

    10. Perda de bens
    Estabelece perda de bens ou valores que tenham origem em atividade ilícita grave

    11. Delação
    Cria a figura do "reportante do bem". A pessoa que passar informação sobre crime ao qual não esteja envolvida terá direito a proteção de identidade e receberá parte dos valores ressarcidos e das multas aplicadas aos infratores

    12. Acordos
    Defesa e acusação poderão em crimes menos graves
    fazer um "acordo de culpa", com definição da pena, cabendo ao juiz a homologação. Objetivo é simplificar os processos e desafogar a Justiça.

    13. Combate à corrupção e lavagem de dinheiro
    Cria comissões permanentes e sistema de base de dados com o objetivo de combater a corrupção e a lavagem de dinheiro

    14. Cumprimento da pena
    Deixa claro na legislação a recente jurisprudência do STF para que o cumprimento da pena tenha início após a conclusão na segunda instância.

    15. Cooperação internacional na área da Justiça
    Estabelece regras para cooperação jurídica internacional

    16. Forças-tarefas
    Regulamenta a formação de forças-tarefas binacionais ou multilaterais para apurar crimes graves que ultrapassem as fronteiras nacionais

    17. Ação popular
    Reforma as regras da ação popular, ampliando o alcance da medida

    18. Punição a juízes, procuradores e promotores
    Possibilita a juízes e membros do Ministério Público responder por crimes de responsabilidade

    CRONOLOGIA

    29.mar
    Ministério Público Federal entrega ao Congresso o pacote

    7.jul
    Mais de três meses depois, Câmara institui comissão especial para analisar as medidas

    9.nov
    Onyx Lorenzoni (DEM-RS) apresenta seu relatório

    16.nov
    Data marcada para o início da discussão e votação pelo grupo; pauta é adiada

    17.nov
    Novo adiamento da votação, por falta de quorum

    22.nov
    Comissão deve votar parecer

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