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    Para maior parte de especialistas, reeleição de Maia à Câmara é ilegal

    RANIER BRAGON
    DE BRASÍLIA

    28/11/2016 02h00

    Agência Câmara
    Rodrigo Maia (DEM-RJ) durante sessão no plenário da Câmara dos Deputados
    Rodrigo Maia (DEM-RJ) durante sessão no plenário da Câmara dos Deputados

    A intenção do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de tentar a reeleição ao cargo em fevereiro não encontra amparo na Constituição ou no regimento interno da Câmara, afirmam especialistas em direito ouvidos pela Folha.

    Maia foi escolhido em julho para um mandato-tampão depois da renúncia do agora ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RS). A eleição para a presidência da Casa ocorre em fevereiro e o mandato dura dois anos. Atualmente, o presidente da Câmara é o primeiro na linha sucessória do Planalto.

    Em síntese, os professores ouvidos dizem que a lei veda claramente a recondução no meio da legislatura (período em que os deputados ficam no cargo entre as eleições).

    Afirmam ainda que não faz diferença, do ponto de vista legal, se o mandato foi integral (dois anos) ou tampão —que é o caso de Maia.

    A Folha procurou vários professores de direito do estado da USP (Universidade de São Paulo), UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), as mais bem conceituadas na área, de acordo com o RUF (Ranking Universitário Folha) 2016.

    Dos 9 que responderam, 7 afirmaram não ver respaldo jurídico para a intenção de Maia e 2 avaliaram ser possível a tentativa de reeleição.

    ENTENDIMENTO

    A principal regra está na Constituição, que no artigo 57 estabelece que o presidente da Câmara será eleito para mandato de dois anos, "vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente".

    Maia e aliados querem fazer valer a tese de que a vedação é apenas para eleitos ao mandato de dois anos.

    "O fato de o mandato ser tampão é irrelevante. E também é irrelevante o tempo que o mandato-tampão terá durado. Não há nenhuma norma, nem constitucional nem regimental, que sustente a tentativa de reeleição", afirma Virgilio Afonso da Silva, do Departamento de Direito do Estado da USP.

    Também professor do mesmo departamento, Fernando Dias Menezes de Almeida tem opinião semelhante. "A regra não se preocupa com o 'tempo' de exercício do cargo, mas apenas com o fato de haver-se exercido o cargo."

    Outros com esse entendimento são Floriano de Azevedo Marques Neto e Elival da Silva Ramos, também da USP, Rubens Beçak, da USP de Ribeirão Preto, Fernando Jayme, diretor da Faculdade de Direito da UFMG, e Ana Lucia Sabadell, da UFRJ.

    "O direito é plástico, ele permite interpretações. Mas fica evidente que essa tentativa agora é um oportunismo político", afirma Beçak.

    "Sempre é possível termos uma surpresa", diz Sabadell.

    Os dois professores que manifestaram opinião favorável à pretensão de Maia se reeleger são Roger Stieffelmann Leal e Gustavo Justino de Oliveira, ambos do Departamento de Direito de Estado da USP.

    A Constituição diz que a Mesa da Câmara é eleita para um mandato de dois anos "vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente".

    Ao interpretar a regra, o regimento da Câmara libera a reeleição apenas entre uma legislatura e outra, o que não é o caso agora —a atual termina em fevereiro de 2019.

    "A vedação é expressa, segundo avalio, àqueles parlamentares eleitos para a Mesa nas sessões preparatórias do primeiro ano da legislatura [para cumprir o mandato integral]. Orientação diversa implicaria cisão do preceito constitucional, que deve ser considerado como uno e indivisível", diz Stieffelmann.

    "A eleição para os dois anos é que gera o impedimento. O que houve [com Maia] foi um mandato-tampão, uma questão excepcional, que não o impede de se candidatar", afirma Oliveira.

    A Folha revelou neste mês que parecer da chefia jurídica da própria Mesa da Câmara considera a possibilidade de reeleição ilegal. O documento de 1º de julho de 2016, uma semana antes da renúncia de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirma que "os textos constitucionais e regimentais são expressos ao vedar a eleição para o mesmo cargo na eleição subsequente".

    Maia tem afirmado que a questão "não está na pauta". Ele tem a simpatia do Planalto, mas sofre oposição do "centrão", grupo que reúne cerca de 200 deputados.

    -

    O QUE DIZEM OS CONSTITUCIONALISTAS

    Contrários à possibilidade de reeleição

    • Virgilio Afonso da Silva, professor titular do Departamento de Direito do Estado da USP:

    "O fato de o mandato ser tampão é irrelevante. E também é irrelevante o tempo que o mandato tampão terá durado. Não há nenhuma norma, nem constitucional nem regimental, que sustente a tentativa de reeleição."

    • Fernando Dias Menezes de Almeida, professor titular do Departamento de Direito do Estado da USP:

    "Parece-me claro que a regra impede a reeleição, mesmo que o primeiro mandato tenha sido por um período menor. A regra não se preocupa com o 'tempo' de exercício do cargo, mas apenas com o fato de haver-se exercido o cargo."

    • Floriano de Azevedo Marques Neto, professor titular do Departamento de Direito do Estado da USP:

    "Não vejo margem no texto constitucional para excepcionar do texto o fato de o ocupante do cargo ter sido eleito para um mandato integral ou um mandato tampão."

    • Elival da Silva Ramos, professor titular do Departamento de Direito do Estado da USP:

    "A reeleição para postos diretivos é vista com reservas pelo Constituinte e exige disposição expressa a ser observada nos seus estritos termos. Em caso de dúvida, deve ser prestigiada a solução que promova a rotatividade."

    • Fernando Jayme, diretor da Faculdade de Direito da UFMG:

    "Uma vez eleito, o presidente da Câmara dos Deputados não pode se reeleger, ainda que não tenha exercido o mandato bienal."

    • Ana Lucia Sabadell, professora titular do Departamento de Teoria do Direito da UFRJ:

    "A Constituição proíbe que alguém seja presidente por mais de dois anos. Não interessa se o Maia será dois anos e seis meses, ou três ou quatro."

    • Rubens Beçak, professor de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP:

    "O direito é plástico, ele permite interpretações, mas depois que se cria determinada interpretação precisaria ter um fato completamente diferente para gerar uma nova interpretação, o que não é o caso. Se lá atrás foi interpretado que era preciso 'zerar' a legislatura para ter reeleição, fica evidente que essa tentativa agora é um oportunismo político."

    Favoráveis à possibilidade de reeleição

    • Roger Stieffelmann Leal, professor do Departamento de Direito de Estado da USP:

    "A vedação é expressa, segundo avalio, àqueles parlamentares eleitos para a Mesa nas sessões preparatórias do primeiro ano da legislatura. Orientação diversa implicaria, ao que parece, em cisão do preceito constitucional, que deve ser considerado como uno e indivisível."

    • Gustavo Justino de Oliveira, professor do Departamento de Direito de Estado da USP:

    "Ele não cumpriu os dois anos. O que o constituinte quis dizer é que você cumpre os dois anos e não pode se candidatar na eleição seguinte. A eleição para os dois anos é que gera o impedimento."

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