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    Ministério Público é elitista e não prioriza atribuições básicas, diz estudo

    FERNANDA MENA
    DE SÃO PAULO

    06/12/2016 17h02

    Elitista, engajado no combate à corrupção, mas pouco comprometido com suas atribuições fundamentais e exclusivas, tais como controle externo das polícias, defesa de direitos coletivos e supervisão da pena de prisão.

    É assim que a recém-lançada pesquisa "Ministério Público: Guardião da Democracia Brasileira?" retrata o órgão que ganhou os holofotes nos últimos anos desde que intensificou a acusação de políticos e empresários implicados em esquemas de desvio de verbas públicas.

    O estudo, feito pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Cândido Mendes, em parceria com o Conselho Nacional do Ministério Público e a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, apontou que 70% dos promotores e procuradores do país são homens e 76%, brancos. Na população brasileira, de acordo com o Censo 2010, esses índices são, respectivamente, 48% e 50%.

    Além disso, 60% dos pais e 47% das mães dos entrevistados tinham curso superior –na população brasileira, apenas 9% daqueles com 50 anos ou mais têm formação em nível universitário.

    "Não vou dizer que seja uma regra básica, mas hoje nós temos [...] um promotor muito bem preparado intelectualmente, mas que não tem esse preparo de entender a sociedade com as suas mazelas", explicou um promotor entrevistado sobre as potenciais consequências da elitização das Promotorias e Procuradorias.

    PERFIL DOS PROFISSIONAIS - De 27 a 70 anos de idade, em %

    Raça - Em %

    O estudo —realizado a partir de questionários aplicados a 899 profissionais de todo o Brasil e de entrevistas com membros dos órgãos do Rio e de Minas Gerais— apontou que o país tem, em média, 5,4 promotores ou procuradores para cada 100 mil habitantes, mas que esta distribuição é desigual.

    No Amapá, por exemplo, há 10,2 membros do Ministério Público por 100 mil habitantes, enquanto no Rio há 5,4, e, em São Paulo, 4,6. O menor índice é o da Bahia, com apenas 3,5 por 100 mil habitantes.

    Em janeiro de 2015, o órgão tinha 12.326 promotores e procuradores no país.

    DISTRIBUIÇÃO PELO PAÍS -

    PRIORIDADES

    Questionados sobre suas áreas prioritárias de ação, 62% dos promotores e procuradores indicaram o combate à corrupção como sua principal atuação.

    O resultado, segundo a pesquisa, "pode refletir o momento político vivido pelo país", apesar de estudos realizados há quase 20 anos também apontarem esse tema como prioritário do órgão.

    A área de patrimônio público, probidade ou corrupção é citada como foco de atuação em 26 das 27 unidades federativas. Já a atuação em lavagem de dinheiro e cartel, área intimamente relacionada ao combate à corrupção, é elencada apenas em uma unidade da federação.

    Em segundo lugar foi citada como prioritária a investigação criminal (49%), atribuição que foi alvo da PEC 37/2011, que limitava os poderes investigativos do Ministério Público e foi derrubada na Câmara por 430 votos contra 9 durante o período de protestos de junho de 2013.

    Crianças e adolescentes (47%), meio ambiente (45%) e serviços de relevância pública, como saúde e educação (40%) aparecem em seguida nas prioridades apontadas.

    Já a supervisão da ação penal foi citada apenas por 15% dos promotores e procuradores, e o controle externo das polícias, só por 12%.

    ÁREAS PRIORITÁRIAS -

    VIGILÂNCIA DA POLÍCIA

    É no controle externo da atividade policial, de atribuição exclusiva do órgão, que reside a pior avaliação de seus membros em termos de qualidade de atuação: 42,4% dizem ser ruim ou péssima e 34,9% avaliam como regular.

    A polícia brasileira é uma das mais violentas do mundo. Em 2015, as forças policiais brasileiras mataram nove pessoas por dia. De acordo com o estudo, a Constituição de 1988, ao atribuir tal tarefa exclusivamente ao Ministério Público, "resultou num rotundo fracasso".

    "Mais do que omissão do MP, há certa 'cumplicidade' entre o órgão e as polícias, sobre tramitação de processos penais iniciados com prisão em flagrante, na qual promotores repetem na denúncia a versão policial dos fatos, sem averiguar sua veracidade, nem a legalidade do flagrante, nem tampouco a possível ocorrência de tortura ou maus tratos", afirma Julita Lemgruber, coordenadora da pesquisa.

    O estudo aponta, num quadro mais geral, que o trabalho de promotores e procuradores tem se concentrado em atividades acusatórias mais que garantistas de direitos.

    OBSTÁCULOS

    Na percepção dos entrevistados, os maiores obstáculos à atuação do órgão são, em sua maioria, externos: dificuldades na realização de perícias (94,5%), morosidade da Justiça (94%), falta de assessoria técnica jurídica ou administrativa (92%), instruções deficientes dos inquéritos criminais (91,3%) e investidas contra o poder investigativo (88%).

    A Constituição de 1988 garantiu ao Ministério Público independência em relação aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e autonomia funcional de seus membros, com poucos mecanismos de controle externo e interno, tanto sobre a instituição quanto sobre seus promotores e procuradores.

    De acordo com o estudo, essa independência é uma faca de dois gumes já que 90,6% dos entrevistados a avalia como imprescindível para garantir a isenção de seu trabalho, mas quase metade deles admite que ela também funciona como escudo para omissões em sua função.

    "Essa independência torna muito difícil o controle e a cobrança sobre as atividades-fim e as decisões dos membros do MP, mesmo quando equivocadas, seletivas, morosas ou ineficazes", afirma Lemgruber.

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