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    Lava Jato

    Odebrecht cria linha de disque-denúncia contra a corrupção

    MARIO CESAR CARVALHO
    DE SÃO PAULO

    17/12/2016 02h00

    Moacyr Lopes Junior/Folhapress
    Dinheiro - Setembro, 30 - Sergio Foguel, presidente do Instituto de Hospitalidade que procura promover o turismo sustentavel, posa na varanda do hotel Fasano, em 30.09.2005, em Sao Paulo. (Foto: Moacyr Lopes Junior / Folha Imagem - Sao Paulo, SP)
    Sergio Foguel, do conselho de administração da Odebrecht

    Para tentar superar a imagem de "organização criminosa" criada pela força-tarefa da Lava Jato e endossada pelo juiz federal Sergio Moro, a Odebrecht decidiu implantar uma política de condução nos negócios que inclui uma espécie de disque-denúncia anticorrupção.

    O sistema, chamado de Linha de Ética, funcionará nos 26 países em que grupo tem negócios e segue o modelo consagrado pelas polícias: o da denúncia anônima, que evita o temor de retaliação a quem denunciou o desvio.

    A medida está prevista num documento da Odebrecht, a maior empreiteira do país, sobre a política de conformidade (ou "compliance", como o termo é conhecido no meio corporativo), ao qual a Folha teve acesso.

    O novo documento é a consolidação de um projeto que começou com um decálogo anticorrupção, publicado em julho deste ano, e culminou com acordos de delação e leniência. Os acordos foram acompanhados de um pedido de desculpas pelos crimes que a empresa cometeu.

    A adoção de uma política de conformidade está prevista no acordo de leniência que a Odebrecht assinou com a Procuradoria Geral da República, que prevê o pagamento de uma multa de R$ 6,7 bilhões. Leniência é uma espécie de delação da empresa.

    O grupo, no entanto, se antecipou à exigência e desde março, quando começou a discutir o acordo, vem estudando medidas para evitar a prática de suborno.

    JUSTIÇA

    "O caminho final de algumas investigações, em alguns casos, é o encaminhamento à Justiça", disse à Folha o engenheiro Sérgio Foguel, 71, que integra o conselho de administração da Odebrecht e preside o comitê encarregado de implantar as novas diretrizes éticas do grupo.

    Foguel respondia ao questionamento da Folha se faria como a Siemens, que promete encaminhar à polícia os casos de suborno que sejam descobertos internamente (leia entrevista abaixo).

    Pode parecer óbvio, porque são na maioria práticas criminalizadas pela legislação brasileira, mas o documento de 65 páginas detalha tudo o que executivos e funcionários não podem fazer sobre suborno, prática de cartel, relações com políticos e práticas comerciais desleais.

    Se o documento for seguido à risca, é uma guinada histórica para um grupo que tinha "um departamento especializado no pagamento de propina", subordinado ao seu antigo presidente, Marcelo Odebrecht, segundo os procuradores da Lava Jato e a Polícia Federal. Ele está preso desde junho do ano passado.

    O combate à corrupção passa a ser uma obrigação de todos os funcionários do grupo. "Os integrantes da organização devem assumir a responsabilidade e o compromisso de combater e não tolerar a corrupção, em quaisquer das suas formas e contexto, inclusive a corrupção privada, extorsão e suborno, e de dizer não, com firmeza e determinação, a oportunidades de negócio que conflitem com este compromisso".

    É proibida a contratação de empresas ligadas a políticos, o que poderia ser um forma disfarçada de suborno. Contribuições políticas só podem ser feitas em países em que a legislação permite esse tipo de doação e têm de ser autorizadas pelo conselho de administração, a partir de um programa detalhado.

    O texto veta que a Odebrecht contrate empresas e consultores ou faça negócios com quem não tenha reputação ilibada para evitar a lavagem de dinheiro. Contratos com fornecedores têm de ter cláusulas anticorrupção.

    O documento "desencoraja" a oferta e o recebimento de presentes e ofertas de entretenimento. Quando os brindes são necessários, diz o texto, "podem ser oferecidos ou recebidos, desde que permitidos pela legislação aplicável e por esta política, e desde que não sejam usados com o objetivo de influenciar indevidamente decisões".

    ENTREVISTA

    Sérgio Foguel, que cuidará da implantação das novas diretrizes éticas da Odebrecht, diz na entrevista a seguir que encaminhará à Justiça desvios que forem comprovados nas apurações internas.

    Folha - A Odebrecht foi chamada pelo juiz Sergio Moro de organização criminosa, com um departamento especializado em pagar propina. Dá para mudar essa situação com um sistema de conformidade?
    Sérgio Foguel - Temos esse propósito genuíno. Os exemplos são marcantes no mundo todo de transformações desse tipo. Um exemplo clássico é o da Siemens.

    Eu já entrevistei o diretor de "compliance" da Siemens na Alemanha e ele disse que, se encontrasse irregularidades graves, chamaria a polícia. A Odebrecht vai fazer isso?

    Se chegasse à conclusão de que é uma irregularidade grave, sem dúvida tem de seguir o caminho da apuração legal. Até chegar a essa apuração, a política de conformidade estabelece procedimentos claros de investigação independente e cuidadosa. Chegam denúncias de todo tipo nesses canais de comunicação. Elas serão integralmente apuradas. O caminho final de algumas investigações, em alguns casos, é o encaminhamento à Justiça.

    Qual é o tamanho da equipe que fará as apurações?

    Temos nove negócios e a holding. São dez equipes, uma em cada negócio. São dez "chief compliance officer". Estamos falando de 70 pessoas que vão trabalhar no sistema de conformidade, que envolve prevenção, correção e um esforço educacional monumental.

    Uma das maiores dificuldades das políticas de conformidade é garantir que o denunciador não sofra retaliações na empresa. Que garantias o denunciador terá?

    O caminho que se adota é um longo caminho de conscientização e clareza. Até que as pessoas incorporem a atuação ética, íntegra e transparente por convicção genuína. Dificilmente uma pessoa que perceber um desvio de conduta e converse com seu líder não vai ter uma apuração encaminhada, a começar pelo próprio líder. O primeiro é o canal Linha de Ética, onde as pessoas fazem denúncias anônimas. Nenhuma denúncia deixará de ser apurada.

    Muitas empresas no mundo oferecem recompensa a quem denunciar, medida considera eficiente por especialistas. Por que o grupo não faz isso?

    Para mim, o grande marcador de sucesso do trabalho que começou em março [deste ano] é que a política que está sendo anunciada não é novidade para nenhum dos líderes de "compliance". Porque eles participaram da discussão de toda essa política. Mais do que a política, agir com ética e transparência entrou no veio, na forma de fazer negócio, na forma de se relacionar internamente e externamente. Isso será feito com metas e medidores. Estamos recrutando 20 e tantos conselheiros independentes. Contratamos a empresa líder no mundo em programas educacionais voltados para programas filosóficos e de "compliance". O tema tem que estar entranhado no dia a dia, como aconteceu com as questões de sustentabilidade e relações com a comunidade. A avaliação de performance da pessoa será impactada pela avaliação dessas metas e indicadores. Essa é a forma de reconhecimento pecuniário de atuar em conformidade.

    O presidente do conselho, Emílio Odebrecht, participou do acordo de delação e confessou uma série de crimes. Não é desconfortável ele ocupar o cargo máximo do grupo?

    Aí é uma questão duplamente delicada. Os relatos [de crimes] não são do nosso conhecimento. Ele confirmou ao conselho que resolveu relatar sem dizer o que, até porque faz parte do acordo manter o sigilo. É constrangedor para ele e para todos os conselheiros. É dramático, mas o teor [das delações] a gente não conhece. O que posso te assegurar é o seguinte: quando a organização tomar conhecimento das falhas que permitiram esses erros, a orientação é de empenho total em corrigir essas falhas, prevenindo para que eles não voltem a ocorrer.

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