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    Livro discute vias para o parlamentarismo no Brasil

    RODRIGO VIZEU
    EDITOR-ASSISTENTE DE "PODER"

    18/12/2016 02h00

    No início de 2016, com o governo Dilma Rousseff afundado na crise, senadores do PMDB e do PSDB aventaram a ideia de implantar algo semelhante ao parlamentarismo no Brasil.

    O impeachment veio e, como muitas vezes já ocorreu nos últimos anos, a mudança do sistema de governo foi esquecida.

    O país continua presidencialista –sistema no qual o presidente concentra a chefia do Estado e do governo– enquanto no parlamentarismo, sistema de Portugal, Itália ou Reino Unido, o governo é chefiado por um primeiro-ministro escolhido pelo Poder Legislativo.

    Para discutir e defender o modelo, o advogado Ives Gandra da Silva Martins coordenou a obra "Parlamentarismo "" realidade ou utopia?", que reúne 26 artigos sobre o assunto.

    Patrocinada pelo Conselho Superior de Direito da FecomercioSP, a obra é uma iniciativa ainda da OAB-SP e outras entidades jurídicas. A íntegra está disponível on-line.

    No texto que abre a coletânea, Martins rememora a história de golpes, renúncias, impedimentos e autoritarismos do país e vê uma República que ostenta "nítida demonstração de fracasso do sistema adotado".

    Ele critica a excessiva concentração de poder nas mãos de uma só pessoa no presidencialismo, vendo nele ecos de monarquia absoluta.

    Já o parlamentarismo, argumenta, tem como principal nota a responsabilidade do primeiro-ministro junto ao Parlamento, que pode censurar políticas e derrubá-lo.

    "No parlamentarismo, eleito um irresponsável é derrubado pelo Parlamento por um voto de desconfiança. No presidencialismo, sua derrubada, sem ruptura institucional, só se dá por meio do processo traumático do impeachment", escreve Martins.

    Ele ressalva que, como contrapeso em caso de sucessivas trocas de governos, o presidente pode convocar novas eleições para perguntar se o "Parlamento que não confia nos gabinetes que elege continua, por sua vez, a merecer confiança do povo".

    Para que o sistema funcione bem, o autor defende que haja, porém, elementos como voto distrital, fidelidade partidária e redução de partidos.

    Na mesma linha vai o advogado Antonio Penteado Mendonça, que elenca o voto distrital e a criação de uma cláusula de barreira como melhorias que poderiam anteceder a troca de sistema.

    Para a instalação do parlamentarismo, diz ele, "é indispensável convocar nova Constituinte", empreitada com grandes dificuldades, admite o autor.

    Em seu artigo, Sergio Ferraz, livre-docente pela Faculdade de Direito da Uerj, sinaliza que o modelo brasileiro precisaria prever presidente eleito por voto direto, mesmo que alguns países optem pela forma indireta.

    "À cultura brasileira tem soado estranha e inaceitável a experiência da eleição indireta do presidente."

    EXPERIÊNCIA SOB JANGO

    Ele critica ainda a única experiência parlamentarista republicana do país, de 1961 a 1963, quando o sistema foi instituído (e logo derrubado por plebiscito) no governo João Goulart.

    "Mas não se tratou de adoção por convicção doutrinária, mas como simples remédio para neutralizar os poderes de um presidente que não contava com o beneplácito do estamento militar."

    Ferraz rebate ponto a ponto a emenda que viabilizou o sistema à época, que, afirma, tem elementos que não fazem sentido, como a gestão das relações exteriores atribuídas ao primeiro-ministro, e não ao chefe de Estado.

    O parlamentarismo sob Jango também é atacado por Luiz Gonzaga Bertelli, que argumenta que a população viu a mudança como uma "farsa para remendar um confronto político momentâneo".

    A impressão, diz, foi repassada às gerações seguintes –o parlamentarismo foi barrado pelo voto em 1993.

    "A improvisação roubou-lhe qualquer futuro traço de credibilidade que poderia vir a ter junto à opinião pública", afirma Bertelli, que defende a incorporação do eleitorado ao debate.

    Outro que aponta problemas é o professor e consultor em direito público André Costa-Corrêa, que, embora defensor do parlamentarismo, vê obstáculos no país, como o histórico de descontinuidade de políticas públicas a cada troca de governo.

    O autor lembra como fator de risco adicional da tradição presidencialista brasileira, o que, diante das instabilidades das trocas de gabinete, "promoverá a reflexão constante sobre a necessidade de se manter um novo regime de governo".

    Ele prevê ainda pressão adicional pela presença do presidente, que poderia desejar ocupar espaço político do primeiro-ministro.

    "O recente histórico presidencialista no Brasil é marcado por presidentes egocêntricos e centralizadores, o que adiciona um grau de risco maior à existência de um modelo parlamentar de governo."

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