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    Funai condena divulgação de fotos de tribo indígena isolada do Acre

    DE SÃO PAULO

    23/12/2016 13h32 - Atualizado às 18h45

    A Funai (Fundação Nacional do Índio) divulgou nota nesta sexta-feira (23) condenando a divulgação de fotos de uma tribo indígena isolada do Acre.

    Os registros foram feitos pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, que viajava de helicóptero com o sertanista José Carlos Meirelles e encontrou a tribo acidentalmente, próximo à fronteira com o Peru. Eles tentavam chegar à aldeia Caxinauá. As imagens foram inicialmente publicadas no site da revista americana "National Geographic" e depois foram divulgadas por outros veículo de imprensa, inclusive a Folha.

    A Funai criticou as decisões de expor os índios publicamente e de sobrevoar a tribo de helicóptero.

    "A reportagem demonstra desrespeito aos povos indígenas isolados ao expor publicamente indígenas que se mantêm em isolamento por decisões próprias. O teor invasivo do sobrevoo e, consequentemente, das fotografias pode ser percebido no semblante de terror dos indígenas e na postura de ataque ao empunhar arcos e flechas contra a aeronave", disse o texto da fundação.

    A nota da instituição também rebateu o entendimento de Meirelles, segundo o qual a divulgação das imagens pode beneficiar os índios.

    "A instituição refuta argumentos que defendem que esse tipo de trabalho pode, de alguma maneira, contribuir para a defesa dos povos em questão, uma vez que atende somente aos interesses de venda de notícias sensacionalistas, não segue estratégias de proteção territorial e se omite diante dos direitos dos povos indígenas", argumentou.

    Após a reação da Funai, Stuckert observou que, como a própria fundação já divulgou imagens de tribos isoladas, "não vi maldade".

    "Sou repórter fotográfico, estou fazendo um trabalho sobre índios no Brasil. A intenção nossa é registrar", defendeu. Stuckert ainda disse que usava lentes de longo alcance, permitindo a aproximação da imagem feita à distância.

    Meirelles criticou que a Funai "gaste tanta energia, criando polêmica", em vez de se ocupar das necessidades das terras e comunidades indígenas.

    "Índios morrem de bala, não é de sobrevoo, não", disse o sertanista. "Mas tudo bem, é a opinião da Funai. Se ela acha que é a dona dos isolados, constitucionalmente, devia cuidar melhor deles."

    "As pessoas ficam falando pelos índios. Daqui a 20 anos, quando eles fizerem contato, perguntem a eles o que acharam [do contato]. O resto é achismo", afirmou Meirelles.

    Na ocasião da divulgação das fotos, o próprio Meirelles disse que o sobrevoo de helicóptero era uma agressão. "Por isso, a gente toma o cuidado de não voar baixo para não assustar tanto. Por outro lado, o mundo precisa saber que eles existem e que precisamos de políticas para conservá-los", disse o sertanista, que trabalhou para a Funai durante 40 anos.

    De acordo com a fundação, o trabalho de Stuckert e de Meirelles "foi realizado à revelia dos trâmites necessários".

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    Leia a íntegra da nota:

    A Funai vem a público manifestar-se diante da reportagem veiculada pela National Geographic, "Stunning New Photos of Isolated Tribe Yield Surprises", repercutida por diversos meios de comunicação, na qual o fotógrafo Ricardo Stuckert apresenta fotos de povo indígena isolado no estado do Acre.

    Primeiramente, a reportagem demonstra desrespeito aos povos indígenas isolados ao expor publicamente indígenas que se mantém em isolamento por decisões próprias. O teor invasivo do sobrevoo e, consequentemente, das fotografias pode ser percebido no semblante de terror dos indígenas e na postura de ataque ao empunhar arcos e flechas contra a aeronave, conforme registrado na própria reportagem. Os efeitos de uma violência simbólica desse nível são social e culturalmente imensuráveis.

    A instituição refuta argumentos que defendem que esse tipo de trabalho pode, de alguma maneira, contribuir para a defesa dos povos em questão, uma vez que atende somente aos interesses de venda de notícias sensacionalistas, não segue estratégias de proteção territorial e se omite diante dos direitos dos povos indígenas. Prova disso é o fato de que o trabalho foi realizado à revelia dos trâmites necessários ao controle de acesso a Terras Indígenas, inexistindo autorização de ingresso ou observância do direito de imagem, o que configura violação de direitos fundamentais preconizados na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

    A legislação indigenista tem mecanismos de proteção aos povos indígenas isolados e de recente contato, de maneira que a Funai tomará providências para a devida responsabilização dos autores e envolvidos, assim como para o resguardo dos povos indígenas em questão.

    Fundação Nacional do Índio (Funai)
    Brasília, 23 de dezembro de 2016

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