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    Rio de Janeiro

    Vítima de bala perdida assumirá cadeira na Câmara do Rio de Janeiro

    ITALO NOGUEIRA
    DO RIO

    29/12/2016 02h00

    Zo Guimaraes/Folhapress
    RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 21-12- 2016, Eleita vereadora no municipio do Rio de Janeiro pelo PT, Luciana Gonçalves de Novaes ficou tetraplégica ao ser baleada no campus da Universidade Estácio de Sá, no Rio Comprido (Zona Norte do Rio), em 2003. Luciana estudava enfermagem e foi atingida por um tiro disparado por traficantes do Morro do Turano no dia 5 de maio daquele ano. (Foto: Zo Guimaraes/Folhapress, PODER) ***EXCLUSIVO FOLHA****.
    Luciana Novaes, vereadora eleita do Rio de Janeiro

    A eleição de Luciana Novaes (PT), 33, como vereadora no Rio já provocou mudanças na Câmara Municipal. O histórico Palácio Pedro Ernesto, sede do Legislativo, teve de ganhar rampas para a passagem da nova parlamentar e sua cadeira de rodas.

    Em 1º de janeiro ela fará sua estreia na vida pública, mas seu rosto já é bem conhecido. Novaes foi vítima de uma bala perdida que a deixou tetraplégica em 2003.

    A campanha da petista foi modesta. Usou muito a internet para contar sua história, bem como sua rede de contatos nas entidades de pessoas com deficiência. Conseguiu superar a rejeição sofrida pelo PT este ano, que caiu de quatro para dois vereadores, e obteve 16 mil votos.

    "Assim como eu tive coragem de sair de casa e me candidatar, creio que todas as pessoas deveriam fazer isso para mudar o cenário político. A corrupção está nas pessoas, não nos partidos", diz.

    Filha caçula de um motorista de ônibus e uma merendeira aposentados de Nilópolis, na Baixada Fluminense, ela foi a única dos quatro irmãos a entrar na faculdade.

    No dia 5 de março de 2003, aguardava o intervalo de duas provas do primeiro período do curso de Enfermagem na cantina do campus da Estácio de Sá no Rio Comprido (zona norte) quando traficantes do morro do Turano trocaram tiros com a polícia.

    Um dos projéteis entrou pela sua mandíbula e destruiu a terceira vértebra da coluna cervical.

    Naquele dia, os criminosos da favela haviam ordenado o fechamento de todo o comércio da região. A Estácio manteve as portas abertas.

    "Como estávamos em prova, não fui embora. Tinha uma bolsa de 50% e não podia perder a prova. Meus pais pagavam a faculdade para mim com sacrifício. Sempre fiz jus ao dinheiro deles."

    Novaes permaneceu um ano e nove meses na UTI. Foi submetida a sete cirurgias. Ficou tetraplégica, mas conseguiu recuperar a fala, uma de suas vitórias na recuperação.

    O envolvimento político, conta, começou ainda dentro do hospital. Ela se aproximou de parentes de vítimas de violência que pediam mudanças no Código Penal. Ajudou a coletar assinaturas na UTI.

    "Aquilo me despertou o desejo de ajudar, interagir com as pessoas para melhorar o mundo", declara.

    A vereadora cursou Serviço Social numa universidade semipresencial e, em seguida, passou a atuar como defensora dos direitos das pessoas com deficiência. Tentou, sem sucesso, ser vereadora em 2012 e deputada estadual em 2014. Desde 2013, trabalha na subsecretaria de Direitos Humanos do município.

    "Somos violentados todos os dias. Queremos transitar, mas o nosso direito de ir é tirado de nós a todo momento. Temos muitas leis que não são cumpridas. Quero fiscalizar o cumprimento dessas leis", afirmou.

    BRAÇOS E PERNAS

    O mandato de Novaes será cumprido junto com o apoio de duas técnicas de enfermagem que se revezam em turnos de 24 horas. Sua fiel escudeira é a irmã, Jorgiane Novaes, 48, apontada como "meus braços e minhas pernas" por ela.

    A vereadora tem sessões de fisioterapia todos os dias pela manhã e à noite, além de fonoaudiólogo uma vez por semana. Toda a estrutura médica da vereadora eleita, bem como sua residência no bairro do Anil (zona oeste), é bancada pela Estácio de Sá, por determinação judicial.

    Com um respirador mecânico e a fala mantida graças a um procedimento na traqueia, suas limitações são mais severas que as da deputada federal Mara Gabrilli (PSDB), também tetraplégica.

    Presente ao plenário, Novaes foi citada nominalmente pelo prefeito eleito Marcelo Crivella (PRB) em seu discurso na diplomação dos eleitos na Câmara Municipal.

    "Sua presença nos inspira e nos mostra todas as resistências de fibra da mulher da nossa terra", disse ele.

    A vereadora agradeceu a homenagem, mas criticou a decisão de Crivella de extinguir a Secretaria da Pessoa com Deficiência.

    "É um retrocesso enorme para o nosso segmento."

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