• Poder

    Thursday, 21-Nov-2024 20:59:58 -03

    Protesto de taxistas elege prostituta como vereadora no Amazonas

    FABIANO MAISONNAVE
    ENVIADO ESPECIAL A MANACAPURU (AM)

    30/12/2016 02h00

    Diego Padgurschi /Folhapress
    MANACAPURU, AM, BRASIL - 17-11-2016: A ex-prostituta Francisca Ferreira da Silva, 32, eleita vereadora com 1.122 votos, a quarta mais votada de Manacapuru (100km de Manaus). Coroca, como e conhecida recebeu votos principalmente de mototaxistas e taxistas. (Diego Padgurschi /Folhapress - (COTIDIANO) ***EXCLUSIVO***
    Francisca da Silva, a prostituta Coroca, em bar da feira de Manacapuru (AM), onde se elegeu vereadora

    Uma das principais notícias do ano em todo o mundo, a insurreição dos eleitores contra a política tradicional sacudiu também a pequena cidade de Manacapuru (99 km de Manaus), onde a prostituta Francisca da Silva, a Coroca, fez história ao se eleger vereadora.

    A candidatura de protesto partiu de taxistas e mototaxistas do movimentado cais do porto. Há anos, Coroca faz ponto ali entre bares e camelôs que também se aproveitam do vaivém de estivadores e viajantes.

    A cidade de 95 mil habitantes vive um clima de sublevação contra o atual prefeito, Jaziel Tororó (PMDB), e a Câmara, onde ele tem maioria. Em outubro, ele ficou em terceiro lugar (24% dos votos), e apenas 2 dos 15 vereadores se reelegeram.

    Em 16 de novembro, dezenas de funcionários municipais da saúde com salários atrasados jogaram tinta nas paredes de prédios públicos, incluindo a Câmara e a Prefeitura, e lançaram sacos de lixo na casa do prefeito. Atualmente, o principal hospital da cidade só atende casos de emergência.

    A cidade amarga o 5.075° lugar (de 5.281 prefeituras) no Ranking de Eficiência Dos Municípios da Folha (REM-F). Pelas ruas, a sujeira acumulada pela paralisação da coleta de lixo e o esgoto a céu aberto são a parte mais visível da má administração.

    "Aqui era a Princesinha do Solimões, vê se agora dá pra dizer isso?", diz o taxista Valdemir Santana, citando a alcunha da cidade.

    Santana, que trabalha no cais, é um dos idealizadores da candidatura, surgida em tom de brincadeira em conversa sobre a política local.

    Convencida a se candidatar, Coroca contou com o apoio também de feirantes e comerciantes.

    O único material de campanha foi um santinho onde ela aparece maquiada e vestida com uma sóbria roupa preta ao lado dos dizeres: "Por insatisfação e revolta vote...!!! Coroca".

    O resultado surpreendeu até os mais otimistas. Ela ficou em quarto lugar, com 1.122 votos (2,2% dos votos válidos), a apenas 334 votos do primeiro colocado. Um êxito para uma campanha com custo declarado de R$ 155.

    A vitória tem sido uma reviravolta na vida de Coroca —o apelido vem do antigo hábito de se vestir de preto, a cor do pássaro que lhe empresta o nome.

    Com problema de alcoolismo, ela se prostitui desde os 11 anos. No cais, um programa pode custar R$ 10.

    Mora com os pais e os três filhos, de idades entre 6 e 10 anos, em um casebre de paredes de madeira e teto de zinco.

    Desde a eleição, Coroca ganhou status de celebridade local —é recebida com sorrisos e costuma ser chamada de "minha vereadora".

    A partir da semana que vem, terá salário de R$ 7.800, verba de gabinete de R$ 3.500 e ainda poderá nomear até quatro funcionários.

    No dia em que Folha a localizou, ela estava no bar Risca Faca, nos fundos da feira da cidade, às 10h. De semblante cansado, aparentava ter mais que os seus 32 anos.

    Coroca não se lembrava do partido ao qual está filiada (PDT), apenas que faz oposição ao atual prefeito.

    Na entrevista, que atraiu uma pequena multidão de curiosos que gritavam seu nome, disse, entre outras propostas, que planeja um sopão para prostitutas e se comparou à personagem bíblica Maria Madalena:

    "Os humilhados serão exaltados. Maria Madalena foi uma prostituta, e Deus deu oportunidade pra ela. Por que não posso ganhar também? Sou mulher também."

    Elogiada pela dedicação aos filhos, chorou ao se lembrar de uma recente emergência médica da caçula, que teve de ser transferida a Manaus e operada no estômago.

    Para o taxista Santana, os eleitores não exigirão uma grande atuação de Coroca.

    "É só pra ajudar na melhoria da vida dela, é uma pessoa necessitada. Não precisa fazer nada, mas a gente espera que ela nos surpreenda."

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024