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    Depoimento

    Imagens de aldeia evidenciam papel da demarcação, diz cineasta

    ANGELA BOLDRINI
    DE SÃO PAULO

    01/01/2017 02h00

    Em 1972, o cineasta e fotógrafo Jorge Bodanzky, 74, voava sobre a Amazônia como parte da equipe de filmagem de uma televisão alemã quando se deparou com índios cinta-largas ainda não contatados pelo homem branco.

    Não teve dúvidas e fez imagens -elas não chegaram a ir ao ar. Situação parecida com a do fotógrafo Ricardo Stuckert que, em dezembro, fotografou índios ainda isolados em um sobrevoo de helicóptero.

    As imagens causaram polêmica e provocaram reação da Funai, que condenou sua divulgação. "É o dever da Funai proteger os índios, mas a condenação é um pouco demais", afirma Bodanzky.

    Leia abaixo o depoimento do cineasta.

    *

    Eu vivi uma coisa parecida [com a situação do fotógrafo Ricardo Stuckert] no início dos anos 1970. Trabalhava como câmera de um correspondente de televisão alemã e fomos cobrir um projeto da ditadura militar chamado "Aripuanã" [iniciativa de ocupação da Amazônia que acabou sendo abandonada].

    Quando a gente foi para lá, num pequeno avião, o piloto me disse: "você quer ver uma coisa interessante?", deu uma volta e nós sobrevoamos uma taba de índios [habitação indígena menor que a oca]. Foi parecido com essas fotos que foram tiradas agora. Tinha uma pequena taba e os índios subiram numa pedra e tentaram flechar o avião e nós ficamos voando em círculos sobre eles.

    Eu achei muito curioso e ele disse "olha, esses índios provavelmente ainda são isolados". E eu soube recentemente, mostrando essas imagens, que é um grupo de cintas-largas, que naquela época não tinham sido contatados.

    E eu fiquei olhando para eles e imaginando, poxa, estão tão perto da civilização, está chegando esse projeto, o que vai acontecer com eles?

    Fiquei preocupado, sabendo que talvez essas fossem as últimas imagens deles ainda livres da influência do branco, das doenças e de tudo que vem depois.

    Então a minha sensação com relação a essas imagens do fotógrafo [Ricardo] Stuckert, é a mesma. Se você é um profissional e vê um fato desses, você registra, óbvio.

    Agora, o que acontece depois é outra história. Eu acho que a existência dessas fotos é importante para provar que existem índios e que se deve demarcar essas terras para protegê-los. Isso é um testemunho da existência deles, que pode ter um grande valor na sua preservação.

    Outra coisa é a divulgação. Se é correto ou não divulgar, se ele ganhou dinheiro vendendo as fotos ou não, isso é um problema menor e desinteressante. O mais importante é a gente se preocupar com esses índios e o que vai acontecer com eles.

    Pessoalmente, acho que é inexorável. Mais cedo ou mais tarde, o pior da nossa civilização vai encontrá-los: os madeireiros, garimpeiros, caçadores. São esses que vão chegar lá primeiro, e imagina o que eles não vão levar de doenças, de desgraças para essa gente. É uma história triste, mas com final previsível. São 500 anos de genocídio indígena, porque seria diferente dessa vez?

    É o dever da Funai proteger os índios. A condenação acho um pouco exagerada, porque em que essas imagens prejudicam os índios lá onde estão? Isso não faz a menor diferença.

    O mais importante é o que vai acontecer com eles, é preservar esse território para que eles possam pelo menos durante algum tempo ainda continuar lá. Evidentemente eles optaram pelo isolamento, porque se quisessem o contato, já teriam feito.

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