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    MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO

    Riscos da intolerância

    16/01/2017 02h00

    A forte tensão política de hoje só tem precedente no segundo governo de Getúlio Vargas, caracterizado pelo intenso confronto entre esquerda e direita que propiciou condições para o golpe militar contra a então muito jovem democracia brasileira, que sequer contava 20 anos.

    Seria saudável, neste momento de turbulência, resgatar o espírito fraterno que animou a ruptura com o regime autoritário e a criação de uma ordem democrática materializada na Constituição de 1988 - que consagrou os princípios do pluralismo e da igualdade como norteadores do desenvolvimento.

    A história contemporânea mostra que a construção de uma democracia é um processo lento e gradual não imunizado contra retrocessos.

    Graves e preocupantes, portanto, são os episódios recorrentes de agressão física e verbal protagonizados por simpatizantes de ideologias adversárias nos últimos meses.

    Está claro no artigo 5º da Constituição que ninguém será privado de direitos, como as liberdades de expressão e de manifestação, em razão de convicção política.

    O fortalecimento da democracia é reversível. Por isso, precisa ser alimentado constantemente pelos agentes de Estado e pelos movimentos engajados na disputa política.

    A aceitação de práticas antidemocráticas por segmentos da sociedade e o respaldo a grupos antissistêmicos são evidências fortes do enfraquecimento de democracias e da ascensão de populistas, de esquerda ou direita.

    Nenhum país está livre dessa ameaça, nem os de tradição democrática secular, como EUA, Inglaterra e França.

    A Constituição de Weimar, que instituiu a república alemã em 1919, inaugurou a noção de que democracia não existe sem o efetivo exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos.

    Mas aquilo que começou com potencial de aprimorar de forma revolucionária a experiência democrática teve um triste fim.

    As instabilidades econômicas do período entre guerras minaram a confiança da sociedade alemã na democracia e abriram espaço a grupos cuja principal mensagem era a ilegitimidade das instituições.

    Um desses grupos era o movimento nazista. Seu líder, Adolf Hitler, impôs como finalidade do Estado "cuidar e pôr paradeiro a uma progressiva mistura de raças".

    Na área do direito, os nazistas usaram o próprio texto da Constituição de Weimar para burlá-la. Com base no artigo 48, que permitia ao presidente declarar estado de exceção em caso de ameaça à segurança e à ordem, Hitler suspendeu as liberdades individuais.

    A teoria de Carl Schmitt, um dos juristas do nazismo, estabelece a dicotomia entre "amigo e inimigo", indicando que a estabilização da ordem passaria pela eliminação da pluralidade.

    Ao contrário do que disseminam alguns segmentos da esquerda e da direita, não há "amigo e inimigo" na ordem instituída pela Constituição de 1988.

    Existe hoje uma crise ética junto aos Poderes e uma descrença política na sociedade civil. Surgem então os oportunistas que encampam discursos eleitoreiros e de intolerância, ocultando os reais problemas.

    Esses personagens certamente dificultam a construção de uma República consonante com a pluralidade e comprometida com o bem de todos, como preceituado nos artigos 1º e 5º da Carta Magna.

    Apesar de ser um processo doloroso, relembrar os erros do passado para não repeti-los é um esforço muito necessário em momentos de crise.

    MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO, 44, advogado, é doutor em direito pela Universidade de Salamanca e membro vitalício do Conselho Federal da OAB. Foi presidente nacional da OAB de 2013 a 2016

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