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    OPINIÃO

    Imediatismo não pode dirigir reforma política

    DANILO LIMOEIRO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    14/01/2017 19h16

    Ueslei Marcelino/Reuters
    A complexidade do sistema eleitoral dificulta a compreensão do eleitor sobre o efeito Tiririca
    A complexidade do sistema eleitoral dificulta a compreensão do eleitor sobre o efeito Tiririca

    Imagine um país em que, poucas décadas após a sua democratização, a ausência de cláusula de barreira resultou em uma enorme quantidade de partidos políticos no Parlamento, dificultando a formação de coalizões majoritárias com um programa de governo coerente.

    Autorizado pela Constituição, o presidente abusa da publicação de decretos executivos com força de lei, descreditando ainda mais o Legislativo. Ademais, o governo se mostra incapaz de reagir a uma crise econômica sem precedentes, deixando a população descrente. Dentro desse contexto crítico, o presidente implementa uma medida radical.

    O parágrafo acima descreve a Alemanha em 1933. O erro fatal foi a nomeação de Adolf Hitler como chanceler, dando o beijo da morte no experimento democrático conhecido como República de Weimar. Os paralelos do colapso da democracia alemã com a atual situação brasileira deixa lições.

    Existem duas disfuncionalidades principais no caso brasileiro. A primeira são os incentivos sistêmicos à corrupção. A segunda, menos comentada, é a baixa representatividade dos eleitores por parte dos políticos eleitos.

    O debate recente foca apenas o primeiro problema. E tentamos atacar a corrupção sistêmica aumentando a punibilidade dos políticos corruptos. Tais propostas são insuficientes para aplacar o problema da corrupção.

    É certo que enriquecimento pessoal motiva práticas corruptas, mas parte considerável da corrupção vem do alto custo das campanhas políticas. Certamente haverá um efeito positivo em aumentar a punição para tais práticas, mas a solução passa por diminuir a necessidade de praticá-las.

    Mais importante, medidas que propõem aumentar a punibilidade aprimoram apenas indiretamente o segundo problema do sistema politico atual, a pouca correlação entre o que o eleitor prefere e o que o político de fato faz no poder.

    Uma feliz coincidência é que a raiz dos altos custos de campanha é a mesma da baixa representatividade. Os distritos eleitorais gigantescos e a regra de voto proporcional com lista aberta fazem com que o candidato tenha que angariar recursos para competir com todos os outros candidatos daquele Estado e com os candidatos do seu próprio partido.

    Ao mesmo tempo, o candidato eleito é um entre os vários representante de todos os eleitores de um Estado, e não o único representante de um grupo menor circunscrito a uma sub-região do Estado, como é o caso de eleições distritais majoritárias. O eleitor, da sua parte, faz pouca ideia do que aconteceu com o seu voto e quem ele ajudou a eleger, dadas as complexidades do regime proporcional de lista aberta.

    Quem vota no Tiririca não sabe que elegeu também Protógenes Queiroz. O resultado são eleições caríssimas e pouca conexão entre eleitor e eleito.

    Caso nós não queiramos ser mais um entre os vários sistemas políticos que entraram em colapso ao longo da histórias, com consequências humanas tenebrosas, a alteração de incentivos sistêmicos deve ser mais ampla que o simples aumento da punibilidade dos políticos corruptos.

    É inevitável que essa transformação passe por uma reforma política alterando as regras eleitorais. A necessidade dessa reforma não pode ser perdida no imediatismo do contexto crítico atual.

    DANILO LIMOEIRO é mestre pela Universidade de Oxford e doutorando em ciência política pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts)

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