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    Lava Jato

    PF é dispensável na negociação de delação, afirma procuradora

    WÁLTER NUNES
    DE SÃO PAULO

    19/01/2017 02h01

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 17-01-2017, 12h00: Entrevista com a procuradora da Republica das 10 medidas contra corrupcao, Thamea Danelon, em seu escritorio no MPF, em Sao Paulo. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, PODER) ***EXCLUSIVO***
    A procuradora da Republica em São Paulo Thamea Danelon

    A procuradora da República Thaméa Danelon, integrante do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal em São Paulo, diz que seus colegas da Operação Lava Jato não desprezam o trabalho feito pela Polícia Federal, mas não existem razões para incluí-los nas negociações de delação premiada. Só procuradores podem oferecer benefícios aos interessados em colaborar, diz ela.

    Após os policiais ficarem de fora da costura do acordo com os delatores da Odebrecht cresceu o ruído entre Ministério Público Federal e Polícia Federal. Thaméa admite o clima ruim entre as instituições, mas evita classificar isso como crise.

    Uma das procuradoras mais próximas de Deltan Dallagnol, ela defende o colega da acusação de que tenha tentado virar o herói da Lava Jato. Leia trechos da entrevista.

    *

    Folha - Há uma crise hoje entre Ministério Público Federal e PF?
    Thaméa Danelon - Olha, eu não vejo como crise. É certo que sempre existiu um certo conflito, não entre as instituições, mas entre alguns membros das instituições. O que é natural, pode acontecer em várias áreas. Então eu acho muito importante que as instituições trabalhem em conjunto. Por que a Lava Jato tem esse êxito? Pelo trabalho em conjunto do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Receita Federal. Cada órgão tem a sua expertise.

    Nenhum órgão é autônomo para conduzir qualquer tipo de trabalho, embora nós do Ministério Público Federal podemos investigar –e investigamos e é de extrema importância isso– não dá pra trabalhar sozinho. Nós precisamos, seja da Polícia Federal, seja da Controladoria-Geral da União, seja da Receita Federal. Então, o ideal é que as instituições parem de ficar uma atacando a outra e trabalhem em conjunto.

    Se existe crise, eu não vejo dessa forma, mas existem algumas pessoas, alguns membros de uma instituição ou outra, que criticam a outra instituição.

    O delegado da PF Maurício Moscardi Grillo disse em entrevista que o MPF proibiu a PF de participar da delação da Odebrecht para evitar vazamentos. Não evitou. Ele diz que os policiais que conseguiram as provas que incriminaram a Odebrecht foram desprezados pelos procuradores. O que a senhora pensa disso?
    Eu não vejo qualquer tipo de desprezo. A Polícia Federal fez um trabalho extraordinário na Lava Jato e em outras situações. Mas vou te fazer uma pergunta: por que a polícia quer tanto participar de um acordo de colaboração? E por que a Receita Federal não quis participar? Por que a CGU (Controladoria-Geral da União) não quer participar? A gente tem que ver qual é a necessidade. Qual o objetivo do acordo de delação premiada? É obter provas, quanto mais provas, melhor. A PF tem interesse de obter provas? Sim, claro, o trabalho da PF é esse: investigar e coletar provas, realizar a diligências e as medidas cautelares.

    Agora veja, no acordo de colaboração premiada, se por um lado o objetivo dos órgãos de investigação é obter provas, por outro lado, o do colaborador é obter benefícios. E quem pode oferecer benefícios? O titular da ação penal. Um dos benefícios a serem oferecidos é esperar meses até oferecer a ação penal. Quem oferece uma ação criminal, uma denúncia, é o ministério público federal. A polícia não poderia prometer isso. Outro benefício, como por exemplo, que a pessoa cumpra um determinado período de tempo na prisão. Quem vai decidir isso é o juiz ouvindo o ministério público.

    A Polícia Federal do Brasil é excelente, mas ela vai até a parte investigativa. Quando a polícia conclui a investigação policial, conclui o relatório policial e passa para o Ministério Público Federal e começa uma ação penal ela não tem participação. Ela poderia, por exemplo, um agente ou delegado ser ouvido como testemunha. Mas a polícia não interfere mais na ação penal. E os benefícios oferecidos para o colaborador é uma ação penal. Então eu não vejo a necessidade de uma participação de todas as colaborações pela polícia. Então de fato eu acho que fica a critério do procurador se ele vai trazer a polícia ou não para junto para celebrar uma colaboração premiada.

    Então a senhora acha que a presença da Polícia Federal na colaboração premiada é dispensável?
    É completamente dispensável. E quando eu falo isso eu não estou menosprezando o trabalho da polícia. Tem casos em que o trabalho da polícia é indispensável e em alguns casos não é. Assim como o próprio inquérito policial é dispensável. Se o membro do ministério público recebe documentos e provas [sem isso passar pela polícia] ele ajuíza a ação criminal e pronto. Numa colaboração premiada eu não vejo a necessidade [da participação da polícia].

    Qual o problema da participação da Polícia Federal?
    Quanto menos gente participando num ato sigiloso, melhor. Menos possibilidade de vazamento vai ter.

    O delegado também diz na entrevista que há membros do Ministério Público Federal que tentam virar heróis e cita os procuradores da Lava Jato. O que a senhora pensa disso?
    Não penso dessa forma. Os colegas da Lava Jato, como a grande maioria dos colegas do MPF, trabalham cumprindo a constituição. Não houve personificação em hipótese alguma.

    Claro que o Deltan [Dallagnol] se destacou mais por ser o coordenador e ter mais habilidade para expor na mídia. Mas é natural, não tem como todos falarem. Tem um que tem mais habilidade para fazer colaboração, tem um que tem mais habilidade para falar com a imprensa, o outro tem mais habilidade para analisar uma prova. É um trabalho de equipe. Não tem heróis. São operadores do direito, técnicos, que cumprimos o nosso dever de investigar o fato criminoso e processar quem praticou o crime.

    Mas a relação com a PF está boa ou não?
    Algumas pessoas falam que tem rivalidade entre agentes e delegados da Polícia Federal. E que alguns delegados teriam com o MPF. Assim, a eventual existência de rixa não é institucional. É entre pessoas, né? Uma pessoa pode não concordar com o trabalho da outra e criticar o trabalho da outra. Eu acho errado isso. As instituições têm que se unir. Nenhum procurador ou promotor quando quer investigar quer presidir o inquérito policial. Ninguém quer usurpar a função do outro, só quer cumprir o seu papel.

    Agora, de fato não é agradável ter uma coisa institucional da associação dos delegados querer impedir que o Ministério Público investigue ou se posicionar contra as dez medidas contra a corrupção, por exemplo. Eu não concordo. Eu penso que a gente tem que se unir. Nós não temos que brigar entre nós, mas contra o crime, contra o corrupto, contra o traficante.

    Essa crise pode prejudicar investigações como a Lava Jato?
    Sim, claro que prejudica. Se você não concorda que alguém faça aquilo, e por isso não ajudar, parece uma coisa infantil e prejudica. Porque o nosso trabalho tem que estar em primeiro lugar, não o que cada um tem de vantagem ou se um ganha mais que o outro. A partir do momento que você aceita entrar numa instituição você aceita os prós e os contras. Então claro que você pode querer lutar para melhorar, mas não atacando outra instituição. Então isso eu não acho adequado.

    O delegado também diz na entrevista que o Ministério Público celebrou acordos de colaboração premiada de caráter meramente políticos. Acrescenta que afirmações feitas nas delações de Delcídio do Amaral, Nestor Cerveró e Sergio Machado foram encaminhadas para a PF para a instauração de inquérito, mas não foram adiante porque não havia elementos de crimes. Diz que muitas dessas delações não passam de disse me disse. E diz que há o risco de a Lava Jato terminar sem ninguém preso. O que a senhora acha disso?
    Se ele acha de fato que foi uso político, ele tem que tomar as providências cabíveis. Se ele realmente acha isso, ele tem que comunicar as instâncias correcionais. Mas em hipótese nenhuma qualquer ato é praticado por cunho político. É uma instituição independente, autônoma, temos uma chefia escolhida pela própria classe. Então, se ele acha que tem alguma coisa errada, ele não deve procurar a imprensa, ele tem que procurar os órgãos correcionais.

    Como está o trâmite das dez medidas?
    O projeto foi completamente deturpado. O projeto era medidas contra a corrupção. Num pacote desses é claro que é possível inserir uma mudança ou outra, mas nada que fuja ao combate à corrupção. Das dez medidas, apenas duas foram aprovadas. Todo o resto foi rejeitado. E o que foi aprovado? Criminalizar apenas os membros do Ministério Público e do Judiciário por crime de responsabilidade. O que isso tem a ver com o combate à corrupção? Os deputados dizem que a lei tem que ser para todos. E evidentemente a lei tem que ser para todos.

    Quando pleiteamos o aumento das penas de corrupção caso um juiz ou um procurador cometa um crime de corrupção esse aumento vai ser para ele também. O projeto das dez medidas é para qualquer ato de corrupção, seja ele praticado por procurador, seja ele praticado pelo juiz, seja ele praticado por um político, seja ele praticado por um servidor público.

    O Ministério Público é contra a proposta que pune com mais severidade o abuso de autoridade?
    A lei do abuso de autoridade é uma lei muito antiga e de fato as penas são muito baixas. Então é salutar uma discussão sobre isso para que se aumente as penas. Mas por que neste momento? Neste momento em que o Ministério Público e a magistratura federal têm feito um trabalho muito interessante na Operação Lava Jato conseguindo êxitos que nunca foram alcançados anteriormente, como a prisão de poderosos e grandes políticos? Uma boa parte dos deputados federais são investigados na Lava Jato. Então eu não tenho dúvida que levantar essa questão neste momento é uma retaliação. Foi levantada [a proposta] pelo senador Renan Calheiros, que é investigado na Lava Jato, que foi processado, inclusive teve a primeira denúncia oferecida contra ele, então não há dúvidas de que essas medidas são todas retaliatórias. Quando você fala em abuso de autoridade, dificilmente você vai ver contra um criminoso de colarinho branco, eu não conheço (caso) nenhum criminoso réu investigado de crimes de colarinho branco, de crimes financeiros que foi vítima de abuso de autoridade. Agora, na classe menos favorecida você vê diariamente. Quando uma operação atinge a classe política aqueles que fazem as leis vão usar as leis para se proteger e para atacar as pessoas que estão investigando. Então por que que a pessoa que cometeu um crime financeiro não pode ser algemado e o que cometeu um furto pode? Qual a diferença?

    Há outras medidas que a senhora considera que são uma retaliação ao MPF?
    Além de ressuscitar o projeto de lei do abuso de autoridade, além de querer incluir o crime de abuso de autoridade, a questão financeira é importante.

    No fim do ano passado, todas as carreiras federais tiveram aumento. Menos a magistratura federal e Ministério Público Federal. Por que a Receita Federal tem aumento, a magistratura do Trabalho tem aumento, a Defensoria Pública tem aumento, por que nossa carreira não tem aumento? Quando você quer retirar benefícios de uma ou outra carreira e manter benefícios, por exemplo, tem alguma coisa errada. Se é para retirar benefícios, que se retire de todos.

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