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    Morte na Lava Jato

    Análise

    Escolha de relator da Lava Jato deve ser transparente e imparcial

    FELIPE ORIÁ
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    20/01/2017 10h12

    O avião caiu. Alguns dirão que foi acidente. Outros dirão que foi derrubado. Caberá à investigação esclarecer os fatos. Ainda assim, os céticos continuarão céticos. Não importarão as versões, importarão as consequências. Se a nação acreditará em uma ou outra versão dependerá da forma como for indicado o próximo relator da Lava Jato.

    Se fosse um caso ordinário, a Lava Jato seria herdada pelo novo ministro indicado por Michel Temer, segundo o regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Do ponto de vista institucional, essa alternativa é absurda. Para além do claro conflito de interesses a que está submetido o presidente –que terá que escolher entre a governabilidade e as investigações–, o caráter simbólico dessa decisão aumentaria ainda mais a instabilidade institucional do país.

    Em seu artigo 68, o regimento interno do STF prevê exceções à regra de transmissão de relatorias para o ministro substituto, permitindo que o processo seja redistribuído sem que haja a necessidade de esperar a indicação de um novo ministro, a partir de requerimentos do Ministério Público ou das partes envolvidas no processo. A jurisprudência do STF vai ainda mais além, autorizando "a redistribuição, independentemente de pedido das partes" sem requerimentos, conforme decisão de Gilmar Mendes em 2009, após a morte do então ministro do STF Menezes Direito.

    Se o Brasil tem alguma pretensão de recuperar a credibilidade de suas instituições, será necessário utilizar essa jurisprudência para designar um relator substituto para a Lava Jato da maneira mais imparcial possível, dispensando a hipótese de espera da nomeação de um novo ministro pelo presidente.

    Esse processo de escolha imparcial, teoricamente, já existe: um sistema que usa um algoritmo aleatório para definir relatorias no STF. O problema é que esse algoritmo é tão obscuro quanto o padrão recente de decisões do tribunal, sintoma e causa da atual crise institucional. O padrão tem sido discutir casos e não regras, personagens e não instituições.

    A escolha do relator não é um problema exclusivo do caso da Lava Jato, mas ocorre em todos os processos do STF. Daniel Chada e Ivar Hartman, do projeto "Supremo em Números" (banco de dados da FGV Direito Rio sobre o tribunal), criticam de maneira brilhante a falta de transparência na alocação das relatorias no STF quando dizem que "no Supremo, escolher o relator é quase definir o resultado."

    As disputas de interpretação jurídica já começaram, assim como as campanhas pela indicação do novo ministro. A internet já borbulha com o nome de Sergio Moro, a esplanada já murmura o nome de Alexandre de Moraes. Mas é preciso que evitemos, mais uma vez, um debate nacional centrado em personagens e não em regras.

    Ministros do STF

    A PERSPECTIVA INSTITUCIONAL

    Abandonemos por um segundo o partidarismo e as teorias da conspiração. Do ponto de vista institucional, há duas teorias sobre a atual crise institucional brasileira. Os "otimistas" dizem que nossas instituições são sólidas, mas, devido a uma tempestade perfeita, as instituições chegaram a um nível de estresse que não poderia ser antecipado nem pelo mais clarividente dos constituintes.

    Os "céticos" dizem que a atual crise é a prova de que as instituições nunca de fato atingiram a maturidade na qual o país quis acreditar. Bastou passar o boom econômico para que as instituições se mostrassem incapazes de cumprir seu papel de mecanismos de resolução de conflitos. Foi então que vimos lealdades pessoais, preferências partidárias e ideologia tomarem as rédeas de decisões de cunho institucional.

    A forma como será indicado o relator do STF dirá qual dessas versões entrará para a história. O Brasil precisa (re)construir a crença de que as regras importam e de que o jogo será justo. Para isso, é preciso que a decisão da relatoria da Lava Jato ocorra da maneira mais imparcial e transparente possível.

    O algoritmo de alocação de processos do STF pode deixar de ser um instrumento administrativo para representar o início dessa reconstrução. Basta torná-lo público e aberto ao escrutínio geral, provando, para além de qualquer dúvida, que a relatoria da Lava Jato não será uma indicação política. Tecnicamente é possível, rápido e seguro. Politicamente, pode ser uma tragédia ou um recomeço.

    Precisamos fazer das nossas crises oportunidade de construir no Brasil uma institucionalidade madura, imparcial e que pertença a todo e qualquer cidadão. Se não fizermos isso na maior investigação que o país já viu, será difícil fazê-lo depois. Chegou a hora da verdade.

    Felipe Oriá é professor e pesquisador na Fundação Getúlio Vargas na área de políticas públicas e tem como foco acadêmico a inovação no setor público. Cientista político pela Universidade Federal de Pernambuco, é mestre em políticas públicas pela Harvard Kennedy School of Government.

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