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    ANÁLISE

    Fama de populista de Jânio Quadros esconde medidas acertadas

    JORGE FERREIRA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    25/01/2017 12h05 - Atualizado às 17h16
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    Na história política brasileira, a imagem a ficou de Jânio Quadros, que faria cem anos nesta quarta (25), é a do demagogo e manipulador do eleitorado. No jargão acadêmico, um "populista". O fotojornalismo do "Jornal do Brasil", "Última Hora", "Manchete" e "Fatos e Fotos", mídia hostil ao político, nos deixou imagens de um homem de olhos esbugalhados, cabelos despenteados e ternos desalinhados.

    No filme "Jango" (1984, de Silvio Tendler), sua gestão na presidência é descrita de maneira simples: "Jânio iniciou um programa de reformas morais", proibindo corridas de cavalo durante a semana, rinhas de galo e o uso de biquínis na televisão. A imagem que temos dele, portanto, é a de um desequilibrado. Mas por que os eleitores o escolheram presidente da República?

    Jânio Quadros foi vereador, deputado estadual, prefeito da capital paulista e governador de São Paulo. Um político experiente. Nas eleições de 1960, denunciou as mazelas do crescimento econômico do governo Juscelino Kubitschek, como a alta da inflação, a depreciação dos salários e a corrupção.

    Ele recebeu a maior votação para a presidência da República até então: 48% dos votos. Derrotou a coligação PTB-PSD e as esquerdas. Jamais seria perdoado por isso.

    Diante do descontrole dos gastos públicos, da aceleração inflacionária e da incapacidade do país de pagar parcelas da dívida externa, Jânio adotou uma política econômica conservadora e ortodoxa: estabeleceu acordos com FMI, desvalorizou o cruzeiro em 100% e suspendeu os subsídios ao trigo e à gasolina.

    As medidas atingiram as classes médias, os trabalhadores e o setor exportador, mas resultaram em acordos com bancos internacionais. Também iniciou a reforma do imposto de renda e dos códigos civil e penal. Nada que possa ser considerado "populista".

    A Lei Antitruste, a disciplinarização da remessa de lucros das empresas estrangeiras ao exterior e o combate ao contrabando contrariaram interesses poderosos.

    A Política Externa Independente foi iniciativa avançada: normalizou relações diplomáticas com os países comunistas do leste europeu, China e Coreia do Norte, restabeleceu diálogo com a União Soviética e criou embaixadas em países africanos. Seu governo, portanto, tinha perfil conservador e pretendia lançar o Brasil como expoente no contexto internacional. Nada de contraditório.

    Sobre a vassoura, nem todos sabem, mas ela varreu. Jânio instituiu Comissões de Sindicância, formadas por um oficial das Forças Armadas, um bacharel em Direito e um contador. As comissões tinham carta branca para investigar órgãos públicos. Inicialmente, 36 instituições sofreram devassas, sendo revelados superfaturamentos, licitações fraudulentas e desvios de dinheiro público. Em cada denúncia de corrupção havia a presença de um deputado ou um senador —de vários partidos políticos.

    A vassoura varreu tanto que os parlamentares o acusavam de desmoralizar o Poder Legislativo. Os udenistas demonstravam insatisfação com a política externa; trabalhistas e pessedistas faziam oposição à política econômica ortodoxa. Mas todos se uniram contra as comissões de inquérito.

    Nesse contexto, Jânio enviou o vice-presidente João Goulart à China comunista, presidindo comitiva para estabelecer relações econômicas. No dia 25 de agosto, apresentou carta ao Congresso Nacional comunicando sua renúncia. Tinha apenas sete meses de governo.

    Não há provas documentais de que o ex-presidente planejou um golpe de Estado. Mas temos indícios. A renúncia poderia provocar reação popular e militar. Com apoio do povo e das Forças Armadas, ele governaria com o Congresso Nacional apequenado ou mesmo fechado. As comissões de inquérito e o envio de Goulart à China fizeram parte de seus planos golpistas.

    Jânio sabia que setores civis e militares não aceitariam a posse de Goulart. Carlos Lacerda contribuiu para a crise quando, no dia anterior, denunciou planos golpistas de Jânio.

    Os parlamentares, contrariados com as comissões de inquéritos, nem mesmo debateram o ato de renúncia. Todos queriam se livrar de Jânio.

    O pecado de Jânio não foi usar vassouras ou proibir brigas de galo. Tudo isso é pueril. Sua renúncia desmoralizou o sistema eleitoral, desacreditou as instituições da Constituição de 1946, instigou o impasse e o confronto, jogou o país em gravíssima crise política e militar e abriu a possibilidade de eclosão de guerra civil no país. Essas foram suas maiores responsabilidades.

    JORGE FERREIRA é professor titular de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense

    *

    CRONOLOGIA

    25.jan.1917
    Nasce em Campo Grande (então parte do Estado do Mato Grosso), Jânio da Silva Quadros, filho de Gabriel Quadros e Leonor da Silva Quadros

    1935
    Ingressa na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

    1947
    Concorre a vereador pelo PDC (Partido Democrata Cristão) mas não obtém votos suficientes. Com a cassação dos mandatos de parlamentares do PCB (Partido Comunista Brasileiro), Quadros é convocado como suplente a preencher uma das vagas na Câmara Municipal de São Paulo

    1950
    É eleito deputado estadual

    1953
    É eleito prefeito de São Paulo da coligação PDC e PSB (Partido Socialista Brasileiro), derrotando Francisco Antonio Cardoso que concorria ao cargo com a coligação PSP-PSD-UDN-PTB-PRP-PR-PL

    1954
    Derrota Ademar de Barros nas eleições para o governo de São Paulo

    31.jan.1955
    Posse como governador de São Paulo

    29.mar.1960
    Então candidato oposicionista às eleições presidenciais, Jânio viajou para Cuba onde foi recebido pelo então primeiro-ministro Fidel Castro, no aeroporto de Havana

    3.out.1960
    É eleito presidente da República. João Goulart é eleito vice-presidente

    31.jan.1961
    Jânio e João Goulart são empossados presidente e vice, respectivamente

    18.mai.1961
    Promulga o decreto 50.620 que proibia brigas de galo em todo o território nacional, além de outros espetáculos que tinham como atração principal a luta entre animais

    19.ago.1961
    Condecora o ministro cubano Ernesto Che Guevara com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, em Brasília

    25.ago.1961
    Renuncia à Presidência

    10.abr.1964
    Tem os direitos políticos suspensos pelo AI-1

    1980
    Ingressa no PTB (Partido Trabalhista Brasileiro)

    1982
    Concorre ao governo de São Paulo, mas fica atrás de Reinaldo de Barros (PDS) e do vencedor da eleição, Franco Montoro (PMDB)

    1985
    Concorre à prefeitura de São Paulo e derrota o candidato do PMDB, Fernando Henrique Cardoso

    1º.jan.1986
    Toma posse como prefeito de São Paulo prometendo ser "o prefeito de todas as Vilas Marias sofridas, onde quer que se encontrem; de todos os desiludidos, dos desesperançados, dos que já perderam a fé". No mesmo dia desinfeta a cadeira de seu gabinete, onde dias antes da eleição Fernando Henrique Cardoso ocupou para ser fotografado pela imprensa

    22.nov.1989
    Morre a esposa, Eloá do Valle Quadros

    16.fev.1992
    Internado no Hospital Albert Einstein para tratar grave crise respiratória, falece vítima de infecção generalizada

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