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    Lava Jato

    'Exterminar Odebrecht do Peru seria péssimo', diz chefe latino-americano

    BELA MEGALE
    DE BRASÍLIA

    26/01/2017 02h00

    O executivo brasileiro Maurício Cruz, 42, presidente da Odebrecht Latinvest, braço do grupo focado em investimentos em concessões de infraestrutura na América Latina, defendeu, em entrevista à Folha, que a empresa não saia do território peruano, onde atua há 37 anos.

    Na terça (24), o presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, afirmou que o grupo baiano deveria vender os projetos locais e abandonar o país. "Eles estão contaminados pela corrupção", afirmou. "Eles têm que ir embora. Acabou", disse.

    Assim como em outros países, incluindo o Brasil, a Odebrecht negocia um acordo de delação premiada com as autoridades peruanas. No Peru, segundo o Departamento de Justiça americano, foram pagos US$ 29 milhões em propina desde 2005. Cruz classificou como uma "sentença de morte" a possibilidade de a empresa ter de deixar o Peru.

    *

    Folha - A Odebrecht sairá Peru, conforme quer o presidente Kuczynski?
    Cruz - Não faz sentido que uma empresa que adere à colaboração por livre e espontânea vontade tenha uma sentença de morte depois. Seria um desincentivo à colaboração. Entendemos que num primeiro momento as pessoas ainda enxergam a Odebrecht do lado da corrupção e demoram a perceber que, quando tenta um acordo, o objetivo é mudar de lado, deixar aqueles com os quais praticava ilícitos para passar para o lado de quem luta contra a corrupção. A Odebrecht no Peru está no início desse processo.

    Como a empresa é vista no país?
    Como uma empresa que participou de ilícitos e que deveria deixar de ter o direito de trabalhar porque muitos entendem que dessa forma acabaria com a corrupção. Só que queremos explicar o contrário: a melhor forma de tentar combater a corrupção é que essas empresas possam se motivar a colaborar. Se todas as empresas e todos os setores colaborassem, acabaria a corrupção porque todos os participantes seriam denunciados. Exterminar uma empresa 20 dias depois que começou esse processo é um sinal péssimo.

    Então o interesse da Odebrecht é continuar no Peru?
    Nossa intenção jamais será confrontar o presidente. Estamos tentado, pacificamente, explicar que temos uma experiência, passamos muitos meses nessa negociação no Brasil, e hoje compreendemos que somos um agente que contribui na luta contra a corrupção. Queremos pacificamente explicar que somos aliados, e não mais um inimigo. E esperamos que isso seja compreendido. A Odebrecht quer permanecer no Peru atuando de forma diferente, transparente.

    O que achou da frase do presidente dizendo que o grupo está contaminado pela corrupção?
    Nos coloca o desafio de mostrar que não é assim. Em 37 anos fizemos quase 70 projetos no Peru, muitos sem corrupção. Foram licitações que ganhamos por capacidade técnica. Infelizmente a empresa cometeu o erro de, para participar de alguns processos onde era exigida corrupção, ceder. Poderia muito bem não ter participado. Temos que demonstrar que a empresa não é só isso, que no Peru, no final de 2015, éramos 20 mil integrantes, e uma quantidade muito pequena, cinco, seis, cometeu esses atos.

    Em que estágio está o acordo da Odebrecht com os procuradores do Peru?
    Foi firmado um pré-acordo para dar início ao processo de colaboração. Estamos na fase de a empresa entregar toda a documentação e as provas dos ilícitos. Pessoas da empresa foram motivadas a se tornarem colaboradores para explicar como as coisas funcionaram. Esperamos que pelo menos seja fase seja concluída nas próximas semanas. Acredito que em algumas semanas concluímos essa parte de entrega de material ao MP.

    O acordo assinado garante que a Odebrecht permaneça no Peru?
    Não existe garantia, ninguém vai nos assegurar e temos a expectativa de conquistar isso mostrando que mudamos a postura, o caminho. A palavra negociação não se aplica bem ao nosso caso, porque para negociar as duas partes estão pedindo algo. Nós estamos dando nossa colaboração sem pedir nada em troca. Para o Ministério Público, a empresa no final normalmente não é condenada. Nossa expectativa é que a atuação seja da mesma forma como no Brasil. O Ministério Público não vai querer tomar uma atitude para acabar com a empresa. Nossa luta é mostrar para os outros poderes e para a sociedade que merecemos o direito de existir, continuar trabalhando e agora fazendo negócios 100% de forma lícita.

    A suspensão da licitação do Gasoduto Sur Peruano liderada pela Odebrecht e as declarações do presidente são indícios de que o acordo não está indo bem?
    Existe uma separação entre os poderes. Estamos num processo de colaboração com o Ministério Público, mas o Poder Executivo não tem informações detalhadas sobre essas tratativas. Por isso alguns comentários são feitos. As palavras do presidente fazem parte desse estresse inicial, o assunto está muito politizado, e ainda existe uma percepção errada em relação ao que deve ser feito com a empresa colaboradora. Nossa meta é demonstrar que o ideal para quem quer manter a luta contra a corrupção é passar a mensagem contrária da que tem sido passada agora, de que uma empresa quando começa a colaborar tem que ser exterminada e expulsa do país.

    Então qual lógica deveria ser aplicada?
    Pense num exemplo: um funcionário cometeu corrupção, procurou a procuradoria e disse que está arrependido, quer pagar a pena e colaborar dando informações. Após 20 dias, ele recebe como resposta que será submetido a uma pena de morte ou choque elétrico. Além de isso não ser justo, qualquer outra pessoa que poderia colaborar iria se afastar. Essa lógica deve se aplicar para as empresas.

    O que a Odebrecht espera das pessoas?
    Que um dia quem tem feito passeata e protestos para que a empresa seja penalizada radicalmente perceba que deveria fazer uma vigília na porta da empresa para dizer: 'permitam que ela termine de falar porque está colaborando com o processo de combate à corrupção'. Pedimos desculpas públicas diversas vezes reiteradamente à sociedade, estamos dispostos a pagar as multas, reparar os danos, trabalhar em outro sistema, e mostrar que estamos agora do mesmo lado, nós mudamos de lado.

    Quantos são os executivos da Odebrecht que se tornaram delatores no Peru?
    O acordo de colaboração é feito separadamente entre a empresa e as pessoas. A Odebrecht firmou um pré-acordo em que se comprometeu a ceder essa documentação existente. As pessoas que querem ser colaboradores individualmente tem que procurar o Ministério Público e firmar acordos. Não sabemos quantos irão aderir. Acreditamos que serão poucos, pois a corrupção aconteceu em poucas obras e num período curto comparado ao tempo que estamos no país.

    Qual o impacto da decisão de suspender a licitação do gasoduto no caixa da empresa?
    Gostaria de não comentar sobre o assunto, pois temos sócios no projeto.

    Tem ideia do valor final da multa que será paga no acordo no Peru?
    O número será calculado. Uma parte será referente ao ressarcimento do ilícito e a outra é a reparação civil. Isso será definido depois que analisarem todas as provas e relatos.

    Quais os entraves no acordo?
    A dificuldade hoje é comunicar com a sociedade nossa postura e o que pretendemos daqui em diante. Em teoria essa não deveria ser a parte mais difícil. A pergunta é simples e a resposta deveria ser também: se fosse um cidadão peruano, ia querer que a empresa continuasse colaborando ou o ideal é fechar as portas, tacar fogo no edifício e expulsá-la do país? A resposta é simples, estamos do lado daqueles que hoje lutam contra a corrupção.

    A empresa corre o risco de quebrar?
    Não sei. Estou muito focado na atuação do Peru, não acompanho o andamento da empresa nos outros países.

    Janine Costa/Reuters
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