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    Trajetória de Cabral foi marcada por enriquecimento na política

    PLÍNIO FRAGA
    DE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

    05/02/2017 02h00

    Ricardo Moraes - 10.jan.2007/Folhapress
    Então governador do Rio, Sérgio Cabral Filho beija a mulher Adriana Ancelmo, no Palácio Guanabara, em 2007
    Então governador do Rio, Sérgio Cabral Filho beija a mulher Adriana Ancelmo, no Palácio Guanabara, em 2007

    O governador Sérgio Cabral Filho recebia a mulher, Adriana Ancelmo, em seu gabinete com ternura: "Dá um beijo, riqueza minha".

    Fazia uma semana que assumira o cargo no Rio de Janeiro, em janeiro de 2007. No Palácio Guanabara, tinha como companhia a primeira-dama —advogada anunciada como parceira faustosa—, um computador repleto de planilhas e uma lata de refrigerante de baixa caloria.

    Seus bens pessoais oficialmente declarados somavam R$ 1,2 milhão, se corrigidos pela inflação. Já era um homem milionário, e a família desfrutava da fortuna acumulada. Cabral camuflara, nos 20 anos de carreira política até então, US$ 6 milhões (quase R$ 19 milhões hoje), armazenados no Israel Discount Bank of New York.

    O dinheiro estava em contas secretas batizadas com os nomes de "Silver Fleet" (frota de prata) e "Alpine Grey" (cinza alpino). As referências ao metal precioso e aos alpes que caracterizam a Suíça não eram gratuitas. Custaram muito caro àqueles que fizeram negócios com o senador (2003-2006) e deputado estadual (legislaturas de 1991, 1995 e 1999), segundo testemunhas relatam em inquéritos respondidos por Cabral.

    Em 27 de janeiro, 31 anos depois de lançar-se à vida pública, completou seu aniversário de 54 anos no complexo de presídios de Bangu, onde está preso há 80 dias. É acusado de cobrar propinas por obras, contratos públicos e concessão de benefícios.

    Parte do dinheiro, de acordo com investigações criminais, vinha de contratos direcionados para o escritório de advocacia de Adriana Ancelmo por empresas que ganhavam contratos públicos no governo Cabral.

    Depois daquele beijo, o casal multiplicou a fortuna mais de dez vezes. Adriana, 46, está em cela de presídio vizinho ao de Cabral, em Bangu. Separados por apenas 150 metros de distância, encontram-se, por algumas horas, todas as quartas-feiras.

    Segundo delatores, o ex-governador recebeu, entre 2008 e 2013, no mínimo R$ 177 milhões. Acumulou no exterior patrimônio pessoal de pelo menos US$ 80 milhões –cerca de R$ 250 milhões.

    A fortuna atribuída a Cabral reúne preciosidades como 29 peças de diamantes avaliadas em mais de US$ 2 milhões. Uma delas, em forma de gota, ocupa espaço menor do que uma colher de chá, mas vale mais de R$ 500 mil. Joias eram os presentes favoritos de Adriana e facilitam ocultação de patrimônio e negociação clandestina.

    São indícios de Cabral avançou numa carreira político-criminosa brilhante, se as acusações forem comprovadas após submetidas as contraditas da defesa e a julgamento judicial.

    CARREIRA

    Sérgio Cabral Filho cresceu no Engenho Novo, bairro da zona norte. Lançou-se à política em 1984. Tinha 21 anos e desde então só exerceu atividades públicas. Fazia parte da juventude peemedebista, então liderada por Aécio Neves, neto de Tancredo. Aécio era primo de Susana Neves, namorada de Cabral à época, com quem se casaria em 1986.

    No mesmo ano, decidiu ser candidato a deputado estadual. Seus principais panfletos eram assinados pelo escritor Fernando Sabino, amigo do pai, o então vereador Sérgio Cabral, jornalista e escritor bonachão, cultuado em rodas musicais do Rio desde os anos 1970. Cabral pai, 79, diagnosticado com mal de Alzheimer três anos atrás, vive hoje recluso. "Tal pai tal filho", assegurava Sabino nos panfletos de Cabralzinho, como era conhecido.

    Formado em jornalismo, Cabral foi roteirista de espetáculos musicais e coordenador de campanhas eleitorais do pai quando vereador. Além de ser político, não exerceu outra profissão com regularidade.

    Fracassou na primeira eleição de 1986, mas se destacou entre os figurões do PMDB. Foi alçado a diretor da empresa estadual de turismo, de onde aplainou a eleição para deputado estadual em 1990. Buscou amparo federal em programas de turismo em benefício do Rio, com o presidente da Embratur, João Doria Junior.

    O "candidato da renovação política" filiou-se ao PSDB. Tinha jovens e idosos como plataforma e base eleitoral. Seu patrimônio declarado em 1994 atingia R$ 500 mil, em valores corrigidos.

    Em 1995, elegeu-se presidente da Assembleia Legislativa do Rio, com o apoio do então governador Marcello Alencar. A eleição foi alvo de inquérito, nunca finalizado, por suspeita de compra de votos de parlamentares.

    Em 1998, reelegeu-se deputado estadual pelo PMDB. Com o apoio do governador Anthony Garotinho, reconduziu-se à chefia da Assembleia.

    Nessa época, Cabral já declarava patrimônio de R$ 2,8 milhões, em valores de hoje.

    No final dos anos 1990, conheceu os irmãos Marcelo e Renato Chebar, operadores do mercado financeiro. Fazia com eles tímidas operações de câmbio. Em um apartamento à beira da lagoa Rodrigo de Freitas, perguntou aos irmãos Chebar se poderiam receber US$ 2 milhões que possuía no exterior –em conta corrente intitulada Eficiência– e administrá-los, secretamente, daí por diante.

    Os irmãos Chebar, em colaboração premiada, disseram que assim procederam, tornando-se os operadores do caixa oculto de Cabral.

    Cabral e Adriana Ancelmo se conheceram no elevador da Assembleia em 2001. Cabral era o presidente da Casa e Adriana, a assistente do procurador-geral da Assembleia, Regis Fichtner, homem de confiança do comandante do legislativo fluminense.

    Ambos se separaram dos parceiros anteriores e começaram a namorar em 2002, quando Cabral sairia candidato ao Senado.

    À Justiça Eleitoral Cabral informou uma diminuição do patrimônio, R$ 1 milhão, em valores de hoje. Em relação ao pleito anterior, seus bens oficialmente minguaram a menos da metade.

    A festa de casamento de Cabral com Adriana Ancelmo, em abril de 2004, não deixou indícios de crise financeira. A celebração reuniu 900 convidados no Copacabana Palace, com orquestra sinfônica e grupo de jazz animando a noite. Presentes, Michel e Marcela Temer, Moreira Franco, Romero Jucá e Tasso Jereissati.

    Dizendo-se entediado com Brasília, Cabral decidiu-se candidatar a governador em 2006. Inventou uma expressão ("neutralidade radical") para não se envolver na disputa entre o petista Lula e o tucano Geraldo Alckmin.

    Em 2010, Lula e a candidata Dilma Rousseff foram padrinhos da reafirmação de compromisso marital entre Cabral e Adriana. A cerimônia reuniu 50 pessoas no Palácio Laranjeiras.

    Cabral se reelegeria governador no mesmo ano. Seu patrimônio oficial estacionou: R$ 1,3 milhão declarados à Justiça, em valor corrigido.

    Em junho de 2011, uma tragédia aérea expôs relacionamentos: um pessoal, outro político-econômico –que Cabral se esforçava para manter com discrição.

    Reprodução
    Ex-governador Sérgio Cabral, ao dar entrada no presídio de Bangu
    Ex-governador Sérgio Cabral, ao dar entrada no presídio de Bangu

    Ele e o empreiteiro Fernando Cavendish, da construtora Delta, seguiram para Porto Seguro em jatinho do empresário Eike Batista. Depois embarcaram em um helicóptero para um resort.

    Sua acompanhante era Fernanda Kfouri, cunhada de Cavendish, com quem começava a se relacionar. Ao lado da irmã, Jordana, Fernanda embarcara em helicóptero diferente do que transportava Cabral e Cavendish. O mau tempo provocou a queda da aeronave onde estavam as irmãs e seis pessoas morreram.

    Após a tragédia, Cabral e Adriana se reaproximaram.

    Com popularidade em baixa desde os protestos de 2013, Cabral renunciou ao governo do Rio no início de 2014. Sonhava com um exílio idílico como embaixador em Paris.

    Abriu espaço para que seu vice, Luiz Fernando Pezão, disputasse a eleição no cargo de governador e conseguisse ser reeleito.

    Cabral desde então escolheu o ostracismo político. Fazia com discrição o percurso Leblon, onde mora, e Mangaratiba, onde mantém sua casa de praia. Até as investigações voltarem-se contra si, exibia sinais incontestáveis de riqueza. Deslocava-se de helicóptero com frequência e gostava de navegar na lancha ancorada perto da casa de Mangaratiba.

    A lancha Manhattan Rio foi avaliada em R$ 5 milhões. Era guardada na marina do Condomínio Portobello. Apesar de registrada em nome de uma empresa, pertenceria de fato a Cabral, acusou o Ministério Público.

    O ex-governador seria ainda proprietário de helicóptero Eurocopter 120b, prefixo PPMOE, avaliado em mais de R$ 3 milhões.

    Cabral aproximava-se de políticos, jornalistas e eleitores com simpatia. "Meu craque", costumava saudar os próximos. Os milhares de páginas de investigação contra ele colocaram no vocabulário fluminense termos novos, como "taxa de oxigênio" para simbolizar propina.

    A rede de Cabral

    DO LEBLON PARA BANGU

    A prisão preventiva de Cabral foi decretada em novembro do ano passado pelo juiz Marcelo da Costa Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal. Bretas preside inquéritos que são desdobramentos da operação Lava jato, a partir da qual se descobriu a existência do que chama de "um gigantesco esquema criminoso de corrupção e fraudes, envolvendo funcionários públicos de alto escalão, grandes empreiteiras, pessoas físicas e jurídicas especializadas na lavagem de dinheiro e agentes políticos".

    O fio da meada contra Cabral surgiu a partir de investigações envolvendo a construtora Delta, do amigo Fernando Cavendish. Delações premiadas de executivos das construtoras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia descortinaram ilegalidades na contratação e na execução de obras públicas no Rio, com pagamento de propinas a autoridades de alto escalão.

    De acordo com decisão do Marcelo Bretas, são múltiplos atos ilícitos cometidos por um conglomerado sofisticado de pessoas, com tarefas bem divididas entre os diversos membros. "Como é comum se ver em casos análogos, esse 'líder da organização' raramente trata explicitamente de acertos espúrios, muito menos executa tarefas nitidamente criminosas (recebimento de valores em espécie ou
    depósitos em conta corrente pessoal, por exemplo), ao contrário, delega essas tarefas 'sujas' a operadores de sua confiança."

    Reprodução
    Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, fotografada no presídio
    Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, fotografada no presídio

    Segundo a investigação, foram pagas propinas para obras no estádio do Maracanã, em projetos de urbanização das comunidades da Rocinha, do Alemão e de Manguinhos e construção do arco rodoviário fluminense, entre outras.

    Sete pessoas –quatro com papel administrativo e dois do setor financeiro– integram o núcleo que administrava recursos de Cabral oriundos de propina, de acordo com o Ministério Público.

    Os operadores evitavam se comunicar por telefone ou e-mail. Usavam um serviço de mensagem instantânea –Pidgin– para relatos urgentes. Quando se encontravam, escolhiam locais abertos e conversavam sempre caminhando para evitar vigilância.

    Para não deixar rastros tomavam cuidados criativos. Criaram uma conta de correio eletrônico (cazaalta@gmail.com) por meio da qual se comunicavam sem enviar mensagens.

    Descarregavam arquivos na pasta de rascunhos, dispensando, dessa forma, a necessidade de envio das mensagens eletrônicas. Os operadores envolvidos possuíam a senha da conta e, por meio dela, tinham conhecimento de depósitos e pagamentos que precisavam ser feitos.

    Quando necessário acessar arquivos, eles eram baixados para uma memória externa (pen-drive), que os criptografava e os escondia, por meio de um programa chamado Steganos.

    OUTRO LADO

    A defesa de Cabral tenta anular os acordos de leniência e de colaboração premiada que deram base para os inquéritos contra o governador. O advogado Luciano Saldanha Coelho reclama de falta de provas e do não cumprimento de requisitos legais na formalização dos acordos.

    A defesa diz que o relatório do Ministério Público traz uma enormidade de acusações sem fundamentação legal. Quer ainda tirar o comando das investigações da 7ª Vara Federal do Rio, transferindo-a para o Superior Tribunal de Justiça.

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