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    Análise

    Constituição criou regime de liberdade com responsabilidade

    OSCAR VILHENA VIEIRA
    COLUNISTA DA FOLHA

    14/02/2017 02h00

    Matéria jornalística informando sobre processo criminal que envolve hacker condenado por tentar extorquir a mulher do então vice, atual presidente, pode ser objeto de censura judicial?

    A Constituição de 1988 concebeu um robusto sistema de proteção à liberdade de expressão e ao direito à informação. Por intermédio do artigo 5º, IX, assim como do seu artigo 220, a Constituição vetou, de maneira peremptória, a censura. Mais do que isso, por força do parágrafo 1º, do mesmo artigo 220, proibiu que qualquer lei contenha dispositivo que constitua "embaraço à liberdade de informação jornalística".

    Isso não significa, porém, que a liberdade de expressão se configure como direito absoluto. Ela tem limites. Aqueles que se utilizarem abusivamente dela, violando a privacidade, intimidade, honra e imagem de outra pessoa podem ser condenados a indenizar suas vítimas pelos danos morais e materiais que causarem. Podem, inclusive, ser penalmente condenados, se a conduta configurar crime de calúnia, injúria ou difamação.

    Ao proibir a censura, nosso sistema constitucional criou um sistema de ampla proteção à liberdade de expressão, ficando aquele que dela abusar, no entanto, sujeito a sanções posteriores de natureza cível ou mesmo criminal, que lhe forem impostas após devido processo legal. Trata-se de um regime de liberdade com responsabilidade.

    No presente caso, o que se tem, aparentemente, é um processo criminal que diz respeito a crime que afeta diretamente a Presidência. Logo, assunto de absoluto e legítimo interesse de toda a sociedade. Proibir a veiculação de matérias relativas a esse processo constitui não apenas afronta ao direito à liberdade de imprensa, mas violação ao direito à plena liberdade de informação.

    Caso os meios de comunicação ultrapassem as barreiras do interesse público, invadindo a privacidade do casal presidencial, poderão ser punidos, mas a posteriori. Aos meios de comunicação, e não ao juiz, cumpre fazer essa distinção e correr o risco de serem responsabilizados se tomarem a decisão errada. Esse é o preço de não se aceitar a censura, como meio de controle da liberdade de expressão.

    O que justifica o tratamento preferencial dado à liberdade de expressão e ao direito à informação pela Constituição é a sua centralidade para a existência de regime democrático.

    OSCAR VILHENA VIEIRA é professor da FGV Direito SP

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