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    Câmara discute projetos que mudam políticas de direitos das mulheres

    GABRIELA SÁ PESSOA
    DE SÃO PAULO

    08/03/2017 12h39

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    SAO PAULO, SP, 08-03-2016, A Marcha das Mulheres na av. Paulista, em protesto contra Eduardo Cunha, a Reforma da Previdencia e o impeachment de Dilma, alem das pautas feministas (liberaçao do aborto, igualdade de genero, contra a violencia etc.). (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, COTIDIANO)
    Marcha das Mulheres na avenida Paulista, no Dia da Mulher em março de 2016

    Quem acompanha a pauta ligada aos direitos das mulheres no Congresso terá um tema recorrente a observar em 2017: o aborto.

    Desde o fim de 2016, ações do Supremo Tribunal Federal (STF) têm gerado respostas de parlamentares. Em 29 de novembro, o Supremo entendeu que uma mulher que pratica aborto até a 12ª semana da gestação não comete crime. Na ocasião, os ministros julgaram um habeas corpus de cinco pessoas presas preventivamente por trabalhar em uma clínica clandestina de aborto no Rio.

    A reação veio no dia seguinte. O deputado João Campos (PRB-GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, pediu urgência para a votação do Estatuto do Nascituro, que dá ao feto as mesmas garantias civis e penais de outros cidadãos.

    Defensores dos direitos reprodutivos das mulheres apontam retrocesso no projeto de lei. O argumento é que, ao proteger juridicamente o embrião, o texto ignora as condições de vida das mães, além sua autonomia constitucional.

    A "proteção integral" ao feto, prevista pelo estatuto, poderia se sobrepor ao direito de interromper uma gestação mesmo nos casos em que ela é permitida pela legislação e pela Justiça brasileira. Também dificultaria a realização de políticas públicas de contracepção.

    Atualmente, no Brasil, é permitido que uma mulher interrompa a gravidez até a sua 20ª semana em três situações: caso ela tenha sido consequência de um estupro, se houver anencefalia do feto ou se houver sério risco de vida para a gestante.

    Na segunda (6), o PSOL registrou no Supremo uma ação que pede a legalização do aborto até a 12ª semana da gestação, na esteira da decisão da corte em dezembro.

    "Neste ano, esse debate ficou mais reduzido. Mas acho que, com a decisão do PSOL desta semana, a discussão vai voltar nos próximos meses", disse à Folha, por telefone, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) na manhã desta quarta (8).

    EMBATES

    Maia comenta que, após os votos dos ministros, autorizou a criação de uma comissão especial para tratar do aborto na Câmara. O grupo de trabalho foi criado no mesmo 30 de novembro, com a missão de se debruçar sobre a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 58, de 2011.

    "A comissão tem um longo caminho. Não é um tema que possa ser votado de qualquer jeito. Há questões que o próprio Supremo decidiu que precisam ser preservadas, como as excepcionalidades em relação à possibilidade de aborto que já estão previstas em lei. Elas estão corretas e acho que devem permanecer", afirma o democrata, que diz ser "menos conservador" do que outros parlamentares da bancada.

    Alan Marques -03.fev.2017/Folhapress
    BRASÍLIA, DF, BRASIL, 03.02.2017. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, dá exclusiva para a Folha. (FOTO Alan Marques/Folhapress) PODER *** ESPECIAL ***
    O presidente da Câmara, Rodrigo Maia

    A PEC 58 quer estender a licença maternidade a mães de bebês prematuros, considerando os dias em que o recém-nascido passou hospitalizado.

    A princípio, nada tem a ver com o aborto. Porém, em 7 de dezembro, quando a comissão se reuniu pela primeira vez, João Campos sugeriu incluir no texto restrições à interrupção da gestação.

    O deputado disse ser "pertinente" que uma outra PEC —de sua autoria com o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso na Operação Lava Jato— fosse apreciada pelo grupo.

    Ele se referia à proposta número 164, de 2012, que estabelece a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção. Sua consequências, para grupos feministas, são parecidas com a do Estatuto do Nascituro.

    O prazo para apresentar emendas à PEC 58 acabou em fevereiro, sem nenhuma proposta.

    PRIORIDADE

    Para Jolúzia Batista e Masra de Abreu, do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), o debate legislativo sobre os direitos reprodutivos das mulheres perdeu força em detrimento da pauta econômica —como a reforma da Previdência. A organização sem fins lucrativos monitora o debate sobre os direitos da mulher no Congresso.

    "Há prioridade [à pauta econômica]? Há. Ela não tem sexo, a crise atinge homens e mulheres e a solução atinge homens e mulheres", afirma Maia.

    O presidente da Câmara diz esperar que os parlamentares na comissão da PEC 58 se movimentem para acelerar os trabalhos. "Mas não pretendo fazer a votação desses temas de forma urgente. Eles precisam ser amadurecidos na sociedade, ampliados, para que a gente não cometa erros ou excessos nem para liberar nem para radicalizar."

    As ativistas temem que a questão do aborto se torne uma moeda de troca, exigida por parlamentares conservadores pelo apoio à aprovação de reformas.

    Citam como exemplo a tramitação do PL 7371, de 2014. Apresentado pelo Senado após a CPI da violência contra a mulher, o projeto prevê o aumento de recursos para a rede de assistência a vítimas de violência.

    Na internet, campanhas de abaixo-assinado o apelidaram de "lei Cavalo de Troia" ou "PL do abortoduto". O projeto está pronto para votação, mas foi retirado da pauta em 20 de fevereiro, após requerimento do deputado Afonso Motta (PDT-RS).

    Segundo Abreu, deputados ligados à bancada religiosa têm apresentado emendas para proibir o repasse de verbas do fundo aos serviços de saúde capacitados a interromper uma gestação caso de estupro.

    Por lei, desde 2013 hospitais do SUS são obrigados a oferecer atendimento imediato e informações a mulheres vítimas de violência sexual.

    O presidente da Câmara reconhece que a questão é controversa entre os congressistas. "Ele está sendo muito polêmico porque alguns parlamentares consideram que abre espaço para ampliar a estrutura de aborto no Brasil", diz.

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