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    Declarações polêmicas marcaram homenagens anteriores às mulheres

    GABRIELA SÁ PESSOA
    DE SÃO PAULO

    10/03/2017 02h00 - Atualizado às 10h38

    Sergio Lima - 6.mar.1998/Folhapress
    O então presidente Fernando Henrique Cardoso e a mulher, Ruth, durante evento do Dia da Mulher, em 1998
    O então presidente Fernando Henrique Cardoso e a mulher, Ruth, em evento do Dia da Mulher, em 1998

    Ao discursar em homenagem ao Dia Internacional da Mulher em 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), então com 67 anos, indagou: "Quem sabe um dia" não estaria acompanhado também por ministras, e não só pelos "ministros e vice-ministras"?

    Aquele era o seu segundo pronunciamento na data, e ele aproveitou a ocasião para lançar um programa que dava prioridade a elas no financiamento imobiliário. Resultado: cometeu uma série de gafes, conforme classificou a Folha à época.

    Quase duas décadas depois, uma fala de um presidente da República sobre a data voltou a provocar polêmica. Na quarta (8), Michel Temer, 76, afirmou ter "absoluta convicção do quanto a mulher faz pela casa". O peemedebista também afirmou que a mulher contribui com a economia nacional porque consegue "indicar os desajustes de preços em supermercados" e "identificar flutuações econômicas no orçamento doméstico".

    Para a linguista Zilda Gaspar, coordenadora do Grupo de Estudos do Discurso da USP, apesar de o presidente falar dos espaços que as mulheres têm conquistado na sociedade, o discurso soou retrógrado por repetir a imagem "do lar" que atribuiu a elas.

    Para ela, um chefe de Estado é o representante máximo de seu país e precisa acompanhar a sociedade. Ela explica que pronunciamentos preveem dois resultados: persuadir e envolver. Nesses pontos, diz a estudiosa, Temer falhou.

    "Ele não apresenta um discurso com respaldo em dados concretos, mas com estereótipos."

    No caso de FHC, além da futurologia sobre a participação feminina na Esplanada, o tucano trocou as bolas ao dizer que muitas mulheres eram "cabeça de cavalo", em vez de "cabeça de casal".

    O então presidente declarou que havia poucas mulheres exercendo cargos públicos, diante de sua qualificação. Anunciou, então, que orientaria governadores e ministros a combater a discriminação no funcionalismo e criaria cursos para habilitar servidoras a ocupar cargos de chefia.

    Com uma ressalva, irônica: que elas não assumissem, de todo, o poder, mas o dividissem com os homens: "Essa diretriz é para que se busque um equilíbrio nessa matéria e para que, havendo qualificações iguais, as mulheres assumam, não o poder [risos], mas participem, coparticipem do poder, possam, efetivamente, ter uma posição que não seja simplesmente a de número".

    A íntegra do pronunciamento está disponível na biblioteca digital da Presidência, que arquiva discursos de todos os governantes.

    Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro governante depois da redemocratização a se pronunciar sobre o Dia da Mulher, em 1997 e em 1998.

    Reprodução
    Reprodução da edição da Folha de 7 de março de 1998, com reportagem sobre FHC
    Reprodução da Folha de 7 de março de 1998

    Ao longo de seus governos, FHC nomeou duas ministras: Cláudia Costin (Administração) e Dorothea Werneck (Indústria e Comércio).

    TROCA DE NOMES

    Depois da gafe, o tucano não discursou mais na data. O hábito foi retomado por Luiz Inácio Lula da Silva a partir de seu primeiro mandato, em 2003.

    O petista se dirigiu às ministras Emília Fernandes e Dilma Rousseff, entre outras autoridades. Lula resumiu a ligação do movimento feminista com o sindicalismo e prometeu que o governo que ali começava se preocuparia a combater a desigualdade de gêneros.

    Lula tinha 57 anos e, naquele dia, disse que quem achava que a mulher ainda se via como dona de casa "conformada e satisfeita" com a dependência financeira do marido "enganava-se bastante".

    "Engana-se, também, quem pensa somente na mulher como trabalhadora remunerada. Ela já está no mercado de trabalho ou busca entrar nele. Mas a maioria das brasileiras acumula o trabalho fora, remunerado, com o trabalho doméstico, não pago", disse.

    Em 2008, Lula trocou o nome da ministra Nilcéia Freire (Políticas para as Mulheres) pelo da ex-ministra Matilde Ribeiro (Políticas de Promoção da Igualdade Racial).

    Proporção de famílias chefiadas por mulheres - Em %

    Tipos de famílias -

    EVOLUÇÃO

    A abordagem dos presidentes no Dia da Mulher mudou nas últimas décadas, conforme as conquistas femininas na economia e na política.

    Se FHC e Lula tiveram de começar assumindo as desigualdades de gênero e afirmando a necessidade de abrir espaço para as mulheres no poder, em 2011 uma mulher pôde, ela mesma, falar sobre a data.

    Em seu primeiro ano de governo, Dilma Rousseff emitiu uma nota, em vez de discursar. Comprometeu-se a incentivar políticas de combate à pobreza focadas na mulher e na criança ("quanto mais pobre a família, maior a chance de que ela seja chefiada por uma mulher") e que incentivaria o combate à violência contra a mulher.

    Dilma destacou os avanços conquistados com a Lei Maria da Penha, aprovada em 2006.

    DO LAR

    Em 2012, Dilma foi ao rádio e à TV no 8 de Março. Fez um pronunciamento de dez minutos em cadeia nacional para exaltar os programas federais de apoio às mulheres, comprometeu-se a melhorar o acesso à saúde às gestantes e disse que sua eleição foi "um momento único de afirmação da mulher na sociedade brasileira".

    "Minha eleição reforçou, em alguns setores da sociedade, uma tendência de enaltecimento da força da mulher. Não podemos aceitar o falso triunfalismo, mas também não devemos nos render ao amargor derrotista", disse.

    Ela manteve os pronunciamentos na TV durante todos os anos no governo, à exceção de 2016.

    Em 2013, aproveitou para falar de economia em termos domésticos: argumentou que administrava o país "com a mesma responsabilidade que você [mulher] e seu marido governam sua casa. Governo também com a mesma sensibilidade e cuidado que vocês devotam à sua família".

    Manteve o tom em seu último pronunciamento na data, em 2015.

    Naquele início de segundo mandato, aproveitou a exposição para falar da crise, das investigações em curso (sem citar a Lava Jato) e dos ajustes na economia. Também anunciou que sancionaria no dia seguinte a lei que transformava feminicídio em crime hediondo.

    Buscou ainda traduzir a economia dirigindo-se à "dona de casa e ao pai de família", que precisa "controlar mais os gastos para evitar que o nosso orçamento saia do controle".

    Média de anos de estudo (15 anos ou mais de idade) -

    FORA DO PLANALTO

    Outros políticos cometeram gafes que se tornaram memoráveis. Na eleição de 2002, Ciro Gomes, então candidato à Presidência, falou, sobre sua então mulher, a atriz Patrícia Pillar: "A minha companheira tem um dos papéis mais importantes, que é dormir comigo".

    Em 1981, quando governador de São Paulo, Paulo Maluf relacionou reivindicação salarial de professores a casamento. "Professora não é mal paga, é mal casada", disse.

    Corta para 2016. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que homens vão menos ao médico do que mulheres porque eles "trabalham mais, são os provedores da maioria das famílias e não acham tempo para se dedicar à saúde preventiva".

    José Serra, ex-ministro de Relações Exteriores, achou que o México parecia um "perigo" porque descobriu que lá metade do Senado era composta por mulheres.

    Taxa de desocupação - 16 anos ou mais de idade, em %

    Horas semanais dedicadas ao trabalho doméstico - 16 anos ou mais de idade, em 2015

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