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    Servidores do governo de Minas articularam conluio, diz Promotoria

    JOSÉ MARQUES
    FLÁVIO FERREIRA
    DE SÃO PAULO

    11/03/2017 02h00 - Atualizado às 11h42

    Gilberto Nascimento - 28.mai.2009/Agência Câmara
    Nárcio Rodrigues, ex-secretário de infraestrutura do governo Antônio Anastasia
    Nárcio Rodrigues, ex-secretário do governo Antonio Anastasia (PSDB-MG), preso em operação

    Funcionários do governo de Minas Gerais combinaram depoimentos e alterações de documentos durante investigações que apuravam suspeitas de desvios de recursos públicos e direcionamento de licitação, apontam escutas telefônicas feitas pelo Ministério Público mineiro com autorização da Justiça.

    Além de servidores, foram gravados telefonemas de empresários e engenheiros investigados na Operação Aequalis, que levou o ex-presidente do PSDB de Minas Narcio Rodrigues à prisão em maio do ano passado. Os autos do inquérito foram obtidos pela Folha.

    Para a Promotoria, os envolvidos "tentaram frustrar" auditoria da CGE (Controladoria-Geral de Minas) sobre as obras do complexo "Cidade das Águas", iniciadas pela fundação estatal Hidroex em Frutal (Triângulo Mineiro) na gestão do tucano Antonio Anastasia (2010-2014).

    Os funcionários e empresários falam em "orientar os outros", "coordenar" os intimados a dizerem "isso, isso e isso" e ainda "dar uma nivelada na prosa" –expressão que o Ministério Público entende como "eufemismo claramente utilizado para referir à elaboração de um relato uniforme do caso".

    Os grampos do Ministério Público tiveram como alvos o próprio Narcio, que era secretário de Ciência e Tecnologia de Minas quando a Cidade das Águas começou a ser construída, o subsecretário da pasta, Vicente Gamarano, e funcionários do Deop (Departamento de Obras Públicas) e da CWP (Construtora Waldemar Polizzi), responsável pelas obras.

    A construtora teve como donos parentes de Anastasia até quatro meses antes de ele assumir o governo, em 2010.

    Em uma das conversas interceptadas, Maurílio Reis Breta, sócio da CWP, disse a um interlocutor identificado apenas como Juliano, que se preocupava que outro sócio da construtora, José Maria Azevedo, e o engenheiro responsável pela obra, Waldemar Polizzi, também haviam sido intimados. Segundo ele, os dois eram "frouxos demais". Polizzi é primo de Anastasia.

    Após depor, Breta marcou reunião para "orientar os outros parceiros" que falariam depois dele.

    No Deop, a gerente de licitação Leila Cristina Nunes Netto recebeu telefonemas de colegas que diziam ter "medo" e "desespero" com a situação. Ao ouvir de um interlocutor do Deop, identificado como Fernando, que houve combinação de depoimentos na investigação das obras na penitenciária Nelson Hungria, ela afirma que na atual investigação do Hidroex "já fizeram" tal acerto.

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    NIVELADA NA PROSA Intimados, funcionários e empresários de MG combinam defesas e alterações em provas em investigações
    NIVELADA NA PROSA Intimados, funcionários e empresários de MG combinam defesas e alterações em provas em investigações

    DIÁRIOS DA OBRA

    Os suspeitos procurados pela reportagem negam as acusações.

    A CGE identificou desvios de R$ 8,7 milhões nas obras do complexo sob responsabilidade da CWP.

    Enquanto era investigado, o fiscal do Deop Alexandre Horta trocou telefonemas com o engenheiro Luciano Lourenço dos Reis, da CWP. Os dois combinaram de fazer mudanças nos diários da obra, que registram os serviços prestados pela empresa para fiscalização.

    Em ligações, Horta pediu que eles não fossem preenchidos pelas mesmas pessoas ou com a mesma caneta, para evitar que fiscais "enchessem o saco".

    A investigação do Ministério Público diz que houve "conluio e articulação de investigados para alinhar depoimentos perante a CGE" e "adulteração e destruição de documentos".

    A relação de Luciano com Horta é descrita pela Promotoria como "espúria" e "que claramente extrapola a condução rotineira de atividades pelo fiscal de obra e gerente de contrato da empresa".

    Durante a construção, Waldemar Polizzi constou como responsável técnico pela obra. Porém, o primo de Anastasia disse à Folha que na prática nunca desempenhou tal papel, o que, para a acusação, sugere fraude na utilização do nome dele na licitação.

    O inquérito sobre o caso resultou em duas ações penais que tornaram Narcio Rodrigues e mais 14 pessoas réus sob acusação de crimes como fraude a licitação, organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e de atrapalhar a investigação.

    OUTRO LADO

    As defesas de acusados na Operação Aequalis negam que as conversas grampeadas pelos investigadores indiquem ações para combinar depoimentos ou alterar documentos relativos às obras sob apuração.

    Procurada, a defesa do ex-secretário Narcio Rodrigues afirmou que o Ministério Público mineiro "não cita nenhum ato praticado por Narcio ou por ordem dele que seja ilícito" e disse que provará isso em juízo.

    O ex-presidente do PSDB de Minas Gerais, que foi também deputado federal, obteve habeas corpus para sair da prisão em agosto do ano passado.

    O advogado Bernardo Simões Coelho, que defende o ex-subsecretário de Ciência e Tecnologia Vicente Gamarano, disse que seu cliente "não teve nenhuma participação [no caso], não era do Deop" e foi transformado em réu "por causa do cargo".

    Segundo ele, as declarações gravadas não tratavam do caso da Hidroex e que "como de costume, o Ministério Público interpretou de maneira mais conveniente".

    O defensor de Alexandre Horta, Leonardo Salles, afirmou que apresentará à Justiça defesa que derrubará os argumentos da Promotoria e que "aquilo que está sendo dito nas gravações foi descontextualizado".

    A defesa de Maurílio Reis Breta e Luciano Lourenço Reis, da CWP, disse que as conversas telefônicas dos dois "indicam apenas o legítimo direito de se defenderem perante a CGE".

    Também em nota, o PSDB de Minas Gerais afirma que "durante as gestões do PSDB, a orientação sempre foi para que todos os processos fossem feitos de forma transparente e seguindo os preceitos legais, com permanente acompanhamento dos órgãos de controle do Estado".

    Desde o início da investigação do caso, o ex-governador e atual senador Antonio Anastasia tem dito que "defende que quaisquer denúncias devam ser rigorosamente apuradas pelos órgãos competentes e julgadas na forma da lei".

    Leila Netto afirmou que não irá se posicionar sobre as acusações. Procurada, a construtora CWP não se manifestou.

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