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    Livro aborda avanço evangélico na política

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE SÃO PAULO

    24/03/2017 02h00

    Alex Ferreira - 24.jun.2015/Câmara dos Deputados
    Brasilia,DF,Brasil 24/06/2015 Audiência pública sobre o depoimento de pessoas que deixaram de ser gay e discutir seu posicionamento e os problemas enfrentados, a partir de então, na sociedade. Dep. pr. Marco Feliciano (PRB-SP) Foto: Alex Ferreira / Camara dos Deputados ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O deputado Pastor Marco Feliciano participa de sessão em comissão da Câmara

    "O sr. acredita em Deus?" Ao ouvir a interrogação, em debate de 1985 com candidatos a prefeito de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso reclamou com o jornalista Boris Casoy: "Essa pergunta o sr. disse que não me faria". Mas ele fez, e FHC titubeou, deu a entender que era ateu -o que ajudou a derrotá-lo então.

    Não é de hoje que ser ou não ser cristão é uma questão crucial em eleições para o Executivo. O pleito de 2014 escancarou um novo componente nessa equação: a ascensão dos evangélicos na sociedade e na política brasileira. Entra em cena Pastor Everaldo (PSC-RJ), o primeiro a usar abertamente a fé como cerne de sua candidatura à Presidência.

    O recém-lançado "Religião e Política: Medos Sociais, Extremismo Religioso e as Eleições 2014" parte dessa experiência para investigar projetos políticos evangélicos que se agigantam desde os anos 2000 -e que renderam frutos mais concretos em 2016.

    Em 2008, o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, lançou o livro "Plano de Poder". Lá diz: "Insistimos que a potencialidade numérica dos evangélicos como eleitores pode decidir qualquer pleito eletivo, tanto no Legislativo quanto no Executivo". Oito anos depois, seu sobrinho Marcelo Crivella (PRB) foi eleito prefeito do Rio, a segunda maior cidade do Brasil.

    A bancada evangélica na Câmara (hoje 17% dos 513 deputados) avança a cada ciclo eleitoral, mas ainda está aquém da participação do segmento na população (29%, segundo o Datafolha, outro número em expansão).

    Não é difícil ver margem para crescimento. Nem entender por que esse fenômeno ganhou força nos últimos anos, afirma à Folha Christina Vital, coautora de "Religião e Política" ao lado de Paulo Victor Leite Lopes e Janayna Lui.

    Agendas progressistas tomaram os anos 2000, com tribunais superiores no mundo inteiro revertendo vetos a casamento gay e legalização das drogas, por exemplo. "Isso causou um estranhamento, uma falta de percepção de para onde a sociedade está caminhando", diz a pesquisadora.

    É o que Vital define como a "retórica da perda, a ideia de um passado que precisa ser recuperado" -discurso similar ao que Donald Trump usou para ganhar a Casa Branca, com o slogan "faça a América ser grandiosa de novo", como se imigrantes ameaçassem o "American way of life".

    Na visão da especialista, foi a ideia de um Brasil grandioso de novo que impulsionou "movimentos de retração" como a ditadura militar -vide a Marcha da Família com Deus pela Liberdade de 1964, reação à ameaça comunista (o ato teve uma reedição em 2014).

    Para Vital, setores religiosos "exploram essa narrativa de guerra contra elementos sociais identificados como inimigos da ordem, da Bíblia". E não o fazem apenas por convicções morais. Ao apontarem "um mal comum a ser extirpado", ganham capital político para tocar "movimentações que de religiosas não têm nada, como a agenda econômica e a circulação de armas".

    Há deputados que atuam nas três frentes da chamada "Bancada BBB" (Boi, Bala e Bíblia). O delegado João Campos (PSDB-GO), por exemplo, já presidiu a bancada evangélica e também participa das bancadas ruralista e de segurança. O hoje cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é outro que circulava nos três campos.

    Vital acha um erro ver evangélicos como "um bloco monolítico" e aponta cisões internas entre as igrejas. Exemplo: se várias delas convergem na condenação ao aborto, Edir Macedo já reproduziu textos a favor da prática em seu blog.

    Um deles, de 2010, cita as "70 mil mulheres vítimas de abortos clandestinos" por ano e reinterpreta passagem bíblica sobre a traição de Judas a Cristo ("melhor lhe fora não haver nascido!"): "Melhor que Judas tivesse sido abortado".

    PASTOR EVERALDO
    O país já teve presidenciáveis evangélicos, como Marina Silva e Anthony Garotinho e dois presidentes dessa fé eleitos indiretamente -o presbiteriano Café Filho, que sucedeu Getúlio Vargas, e o militar luterano Ernesto Geisel.

    Em 2014, Everaldo chegou a beirar os 10% nas pesquisas. Acabou com 0,75% dos votos válidos. Para Vital, seu despreparo em debates e uma ação na Justiça acusando-o de bater na ex-esposa (ele nega) enterraram suas chances.

    Não só. A morte de Eduardo Campos (PSB-PE) fez com que sua vice, Marina Silva, assumisse a cabeça de chapa. Líderes evangélicos que apoiavam Everaldo trocaram de lado, avistando "a verdadeira chance" de colocar "uma deles" no Planalto. "Vários acharam que a morte de Campos foi divinamente orientada para ela chegar ao poder." Marina terminou em terceiro lugar.

    A cena para 2018 ainda é confusa, diz Vital. "A grande aposta" no meio era o pré-candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSC-RJ), católico batizado por Everaldo nas águas do rio Jordão, na Palestina, em 2016. Os dois romperam, e Bolsonaro procura novo partido.

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