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    Em novo volume de memórias, FHC relata crise cambial e perda de apoio

    GUSTAVO PATU
    EDITOR DE "OPINIÃO"

    25/03/2017 02h00

    Eduardo Knapp/Folhapress
    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu escritório na Fundação FHC, em São Paulo
    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu escritório na Fundação FHC, em São Paulo

    Em setembro de 1999, menos de um ano depois de ser reeleito no primeiro turno de votação, o então presidente Fernando Henrique Cardoso chegava ao fundo do poço.

    Nada menos que 56% dos brasileiros consideravam seu governo ruim ou péssimo, segundo o Datafolha –na época, o maior percentual de reprovação a um ocupante do Palácio do Planalto desde os 68% de Fernando Collor às vésperas do impeachment.

    A taxa só seria superada 16 anos depois por Dilma Rousseff (71%).

    O testemunho da sequência de crises, conflitos e sobressaltos que demoliu a popularidade de FHC é o maior atrativo de "Diários da Presidência - 1999-2000" (Companhia das Letras), terceiro volume das memórias do tucano.

    "Há decepção com a quebra do encanto do real", ele registra, acerca do recorde infeliz no Datafolha. A moeda lançada cinco anos antes, com sua participação decisiva, havia sofrido desvalorização brusca e acentuada.

    Os acontecimentos do período ajudam a entender por que o PSDB perdeu as quatro disputas presidenciais deste século –em que os candidatos do PT utilizaram FHC como espantalho eleitoral.

    Ao mesmo tempo, percebe-se como o tucano conseguiu manter apoios suficientes, no Congresso e no mercado, na opinião pública e na comunidade internacional, para segurar-se no cargo.

    Guardadas as proporções, a derrocada de FHC começou como a de Dilma –com o abandono explícito e imediato dos compromissos fundamentais da campanha pelo segundo mandato.

    No caso da petista, a promessa de que não haveria necessidade de ajustes amargos nos gastos públicos, nas tarifas e nos juros; no do tucano, que estariam preservados os alicerces do Plano Real.

    Ou, no que interessava mais de perto à população, que seria mantida a quase paridade entre a moeda nacional e o dólar, que barateava tanto importações de produtos básicos quanto viagens da classe média ao exterior –e permitia a inflação baixa.

    Tal política exigia crescente endividamento externo e juros elevadíssimos. Esses custos, àquela altura já insustentáveis, foram omitidos na campanha. Agora, conhecem-se planos para mexer no câmbio já nas páginas iniciais do livro. "Algo vai ser feito, será feito. E quero que seja feito nos próximos dez dias. Ninguém pode saber disso, naturalmente, é sigiloso."

    Foram apenas nove dias. Em 13 de janeiro, o Banco Central tentou uma desvalorização controlada do real.

    Sem crer na capacidade do governo de controlar o dólar, investidores desencadearam uma onda de compras da divisa. Para não perder suas reservas, o BC interrompeu a venda da moeda americana no dia 15, deixando as cotações flutuarem. O dólar subiu de R$ 1,20, no início de janeiro, para mais de R$ 2 ao final de fevereiro. Consumou-se o estelionato eleitoral.

    RÉDEAS DA POLÍTICA

    À primeira vista, pode-se imaginar que FHC tenha escapado de destino como os de Dilma e Collor porque o impacto de seu ajuste foi menos dramático –a inflação teve alta moderada; o PIB ficou estagnado em 1999 e voltou a crescer no ano seguinte.

    Parece mais acurado concluir, no entanto, que o trauma econômico da época foi menor porque o tucano não perdeu as rédeas da política nem do mercado.

    Obteve do Congresso não só a prorrogação da CPMF como o aumento da alíquota; em 2000, aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Um acordo com o FMI reforçou as reservas cambiais.

    São instrutivos relatos de incessantes conversas diárias, com interlocutores que vão de Jader Barbalho (PMDB-PA) ao então presidente dos EUA, Bill Clinton; de acadêmicos a empresários; de jornalistas a burocratas de organismos internacionais.

    Não foi apenas gastando saliva, claro, que FHC manteve alguma coesão em sua base partidária. Narra-se, embora um tanto discretamente, o jogo fisiológico e a peleja por postos no governo.

    "É cargos que eles querem, é verbas para as emendas", comenta o tucano, sobre demandas de aliados.

    Diários da Presidência (Vol. 3)
    Fernando Henrique Cardoso
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    Aos trancos e barrancos, FHC pôs de pé o que seria seu legado mais duradouro. O dólar congelado, que amparava o real e lhe garantiu dois mandatos, mal sobreviveu ao primeiro deles. Foi substituído por câmbio flutuante, metas de inflação e controle do gasto público, ainda hoje as bases da política econômica.

    "DIÁRIOS DA PRESIDÊNCIA - volume 3 (1999-2000)"
    Autor Fernando Henrique Cardoso
    Editora Companhia das Letras
    Quanto R$ 79,90 (748 págs.)

    Edição impressa

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