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    Corrupção em escala

    Utopia pós-fim-do-mundo poderia incluir voto facultativo nas eleições

    MARCELO COELHO
    COLUNISTA DA FOLHA

    24/04/2017 02h00

    Sérgio Lima/Folhapress
    ORG XMIT: 514601_0.tif BRASÍLIA, DF, BRASIL, 16-05-2005: Vista aérea da Esplanada dos Ministérios e do Congresso Nacional. (Foto: Sérgio Lima/Folhapress) ***EXCLUSIVO***
    Vista aérea da Esplanada dos Ministérios e do Congresso Nacional

    Pedem-me para imaginar qual seria o melhor desfecho possível para a crise da Lava-Jato. A crer numa condenação ampla, mas não indiscriminada, dos envolvidos no escândalo, o ideal seria reformular totalmente o sistema eleitoral do país.

    Acredito que existe de fato uma diferença entre os políticos que buscam exclusivamente tirar vantagens pessoais da corrupção e aqueles que entram no jogo, acima de tudo, porque campanhas eleitorais são caríssimas. Seria necessário garantir uma real igualdade de condições entre candidatos, modificando por exemplo o horário eleitoral gratuito.

    Hoje em dia, os programas políticos de TV estão entregues às mãos dos marqueteiros, que cobram caro por um serviço a meu ver absolutamente nocivo para a democracia. Os debates entre candidatos a cargos majoritários, por sua vez, são um caos.

    Uma possibilidade seria dedicar todo o tempo do horário eleitoral a debates entre pares de candidatos, um pouco como se faz em qualquer campeonato de futebol. Haveria os "grandes clássicos" e os jogos de menor importância, mas sempre haveria a chance de uma disputa mais equilibrada.

    Para meu espanto, já se restringiram bastante, e com sucesso, os gastos que antes eram feitos com outdoors, panfletos e boca de urna. O caminho para baratear ainda mais está preparado.

    Na outra ponta, deu-se um passo importante com a proibição das contribuições de pessoas jurídicas a candidaturas. Legais ou ilegais, no caixa 1 ou no caixa 2, essas contribuições sempre foram, a meu ver, um caso clássico de corrupção: dar dinheiro em troca da expectativa de favorecimentos do poder público. Pelo que sei, a obrigatoriedade de licitações eletrônicas para obras públicas permitiria maior fiscalização no sentido de evitar concorrências fraudadas.

    Temos visto com crescente frequência, entretanto, a prática de pagamentos a deputados e senadores para que aprovem leis de interesse específico de empresas ou grupos econômicos. Nenhuma mudança nas regras de concorrência pública teria efeito nesse campo. É provável que, no regimento do Legislativo, existam muitas maneiras de evitar completa transparência no que se aprova ou se deixa de aprovar a cada sessão.

    É muito difícil imaginar que, uma vez feita a "limpeza" total dos corruptos, coisas como o PT, o PSDB, o PMDB ou o PP deixem de existir. Tais partidos correspondem, bem ou mal, às visões de mundo existentes na sociedade brasileira. O próprio PMDB, fisiológico como é, funciona como uma espécie de "estabilizador" de um sistema que talvez se desagregasse demais caso seguisse uma rígida divisão doutrinária entre esquerda e direita.

    O problema é que ninguém, nem mesmo os eleitores mais sofisticados, sabe direito como escolher entre milhares de candidatos a cargos proporcionais.

    O sistema distrital misto reduz salutarmente a escolha do eleitor entre poucos rivais, cada qual de um partido, em cada região eleitoral.

    O voto passaria a ser facultativo; nada clama tão claramente em favor dessa medida do que as centenas de milhares de eleitores que escolhem Tiririca.

    Os métodos tradicionais de representação política estão em crise no mundo inteiro. A ideia de que você escolhe candidatos para que, durante quatro anos, passem a morar numa capital e discutir as leis dentro de um palácio remonta ao tempo das carruagens. Os meios eletrônicos tornam cada vez mais próximo o aperfeiçoamento de mecanismos de deliberação direta. Referendos e plebiscitos sobre os mais diversos assuntos poderiam multiplicar-se e equilibrar, de algum modo, a atual desconsideração dos políticos face a quem os elegeu.

    Por último, prender pessoas é quase sempre um resquício medieval. O banimento eletrônico, a liberdade vigiada, o sequestro de bens e as multas seriam perfeitamente satisfatórios como formas de punição. Uma vez extinta a atual sede de vingança, não seria impossível esperar progressos desse tipo.

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