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    Maranhão quer pagar demarcação de terras indígenas em área de conflito

    CAROLINA LINHARES
    DE BELO HORIZONTE

    02/05/2017 18h45 - Atualizado às 21h19

    Reprodução/Twitter/Segurança Maranhão‏
    Cúpula de Segurança colhe informações com agricultores e indígenas da região de Viana.
    Cúpula de Segurança do Maranhão colhe informações com agricultores e indígenas da região de Viana

    O governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), afirmou nesta terça (2) que se dispõe a pagar pelos estudos de demarcação de terras indígenas em Viana, a 220 quilômetros de São Luís.

    O local foi palco de um ataque a índios Gamela que deixou mais de dez feridos, segundo entidades de proteção indigenistas. Um dos feridos, Aldeli Ribeiro, 37, levou golpes de facão nas mãos, mas a tentativa de decepá-lo foi frustrada. Ele teve fraturas expostas, além de ter sido atingido por uma bala no tórax, e segue internado.

    No ano passado, o governo do Maranhão enviou ofício à Funai (Fundação Nacional do Índio) questionando a demora em delimitar as terras dos índios Gamela. O órgão respondeu que não dispunha de verba e pessoal.

    "Se o governo federal diz que Funai não tem nenhuma verba para ir na região fazer estudos e reuniões, me disponho a pagar, para que haja paz", afirmou Dino no Twitter.

    Em nota, o governo do Maranhão afirma que "embora seja uma responsabilidade do governo federal, o governador também se compromete a assumir o custeio dos estudos para a demarcação de terras". "É um caso que envolve centenas de pessoas de ambos os lados, entre pequenos proprietários, posseiros e o povo Gamela", disse Dino.

    Editoria de arte
    Viana são luís maranhão

    No documento de agosto de 2016, o governo solicita informações "sobre as providências adotadas quanto à criação do grupo de trabalho para os estudos de identificação, demarcação e delimitação do território Gamela para evitar o agravamento do conflito em questão".

    Segundo Inaldo Serejo, 43, vítima do ataque e membro da Comissão Pastoral da Terra do Maranhão (CPT-MA), o povo Gamela aguarda desde 2014 a demarcação de cerca de 14.500 hectares nos municípios de Viana, Penalva e Martinha.

    Em outubro do ano passado, a Funai respondeu ao governo do Maranhão que não havia previsão para delimitação das terras pelo menos até 2019.

    "Frisamos que não há previsão para constituição de grupo técnico multidisciplinar no âmbito do Plano Plurianual 2016-2019 para realizar estudos na área reivindicada pelo povo Gamela", diz o texto.

    O órgão afirmou que havia, naquela época, 134 procedimentos de delimitação em andamento, "que correspondem a cerca de 300 volumes de processos que são acompanhados por apenas sete técnicos de nível superior". A Funai afirmou ainda que, desde 2012, não conseguia mais contratar profissionais.

    Uma reunião com agricultores para mediar a disputa de terra também terminou cancelada por corte de gastos.

    Nesta terça, o presidente da Funai, Antônio Costa, afirmou mais uma vez que falta pessoal no órgão. "[O pedido dos Gamela] faz parte de um rol de vários processos de solicitação de demarcação de terra e que, devido à quantidade de processos que a Funai tem hoje e a mão de obra escassa que a instituição vem passando nos últimos anos, impossibilita a instituição de poder acompanhar todas essas solicitações", afirmou, segundo a Agência Brasil.

    De acordo com a Funai, a reivindicação de terras dos índios Gamela foi registrada em janeiro de 2016 e está em fase de qualificação, quando são juntados documentos com informações antropológicas, ambientais e cartográficas que embasarão o grupo de trabalho a cargo de identificar e delimitar as terras.

    "A qualificação é um instrumento de planejamento interno que não dá ensejo, automaticamente, à constituição de um grupo de trabalho", disse o órgão ao governo do Maranhão.

    FERIDOS

    No domingo (30), os índios Gamela foram atacados quando recuavam em uma área que haviam retomado na sexta (28). Além de Aldeli, outros dois indígenas seguem hospitalizados: José Ribeiro, 45, teve trauma craniano por agressão física e José Ribamar, 46, sofreu fratura exposta.

    Serejo e Francisco da Luz, 43, também foram atendidos em hospital em São Luís e receberam alta. Segundo a Secretaria de Saúde do Maranhão, dois agricultores foram feridos e já deixaram o hospital.

    Sobre a situação de Aldeli, que segundo informações anteriores havia tido as mãos decepadas, a secretaria informou que "a equipe médica interveio e fez cirurgia para resolver a grave lesão" e que "o paciente vem tendo evolução".

    PROVIDÊNCIAS

    Chefes das polícias Militar e Civil do Maranhão estiveram no Povoado de Bahias, em Viana, nesta terça, onde ouviram índios, posseiros e agricultores. Foi aberto um inquérito policial para identificar os autores do ataque.

    A cúpula da Segurança Pública do Estado se reuniu com membros do Ministério Público, da Polícia Federal e do Poder Judiciário para tratar do caso.

    O governo do Maranhão também enviou ofício ao ministro da Justiça, Osmar Serraglio, solicitando a mobilização da PF e da Funai para identificar as causas do conflito e contê-lo.

    O Ministério Público Federal no Maranhão solicitou que forças policiais fossem enviadas a Viana e que a Funai se manifeste "sobre as providências adotadas ante a iminência de possível novo ataque aos indígenas".

    A Funai informou que criou uma frente de trabalho para visitar o Povoado de Bahias e produzir um relatório sobre a situação no local.

    Também nesta terça, a Ordem dos Advogados do Brasil no Maranhão (OAB-MA) promoveu uma reunião com entidades de defesa dos direitos humanos. O órgão informou que irá acompanhar as investigações e pedir ajuda a Anistia Internacional para intervir na disputa.

    As entidades entregarão ainda uma medida cautelar à Corte Interamericana de Direitos Humanos pedindo que a União providencie a segurança dos índios e a tramitação com celeridade da demarcação das terras.

    -

    As etapas de demarcação de terras indígenas

    1. Estudo
    Uma vez que há a reivindicação de terras, há uma etapa de qualificação, ou seja, de estudos antropológicos, ambientais, cartográficos e fundiários que irão embasar grupos de trabalho da Funai encarregados de identificar e delimitar a terra indígena
    Área reivindicada pelos índios Gamela está nesta etapa

    2. Delimitação
    Estão delimitadas as terras que tiveram seus estudos concluídos e publicados no Diário Oficial da União e aguardam análise do Ministério da Justiça

    3. Declaração
    Ministério da Justiça emite uma portaria declaratória e, a partir daí, as terras podem ser demarcadas fisicamente. O trabalho de demarcação inclui avaliar se houve benfeitorias implementadas por ocupantes não indígenas e o cadastro desses ocupantes pelo Incra

    4. Homologação
    A Presidência da República homologa as terras, que já têm seus limites demarcados

    5. Regularização
    Após o decreto da Presidência, as terras são registradas em cartório em nome da União

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