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    Lava Jato

    Fala inicial de caixa 2 com Lula tratou de El Salvador em 2009, diz Santana

    CAROLINA LINHARES
    DE BELO HORIZONTE

    12/05/2017 14h35 - Atualizado às 20h13

    O marqueteiro João Santana afirmou em sua delação premiada que tratou de caixa dois com ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela primeira vez em 2009, ao falarem da campanha em El Salvador. Santana disse que falou diretamente com Emílio Odebrecht, a pedido de Lula, para cobrar pagamentos.

    "Com El Salvador é que surge a primeira conversa que eu tive com o presidente Lula onde estava-se falando de caixa dois de campanha", disse.

    Antes disso, durante a campanha de Lula em 2006, quando o pagamento de caixa dois via Odebrecht teria começado, o tema não veio à tona entre o delator e Lula, segundo o relato. Santana diz, porém, que Lula devia ter conhecimento do esquema "pelo conjunto da obra".

    Segundo diz em vídeo da sua delação, Santana foi procurado pelo então pré-candidato à Presidência de Salvador Mauricio Funes, em 2008, para que trabalhasse em sua campanha. Como Santana não demonstrou interesse, Funes recorreu a Lula.

    "E o presidente Lula me pediu fortemente, que era um interesse estratégico. E que não me preocupasse com pagamento, que ele daria uma forma de nos ajudar. Ajudar a ele, o Mauricio", diz Santana. O marqueteiro diz ter aceito o trabalho após a "chantagem política emocional".

    O marqueteiro afirma que a campanha de Funes ficou sem dinheiro para pagar por propaganda na TV —em El Salvador, a propaganda não é gratuita como no Brasil. Funes, então, pediu que Santana conversasse com Lula.

    Santana afirma que veio ao Brasil e disse a Lula que "não havia sentido o trabalho já feito se não tem dinheiro para comprar a mídia [propaganda]".

    "O presidente Lula mandou que eu procurasse, até me surpreendeu, porque foi a primeira vez e única que eu tive um tipo de missão como essa, para falar diretamente com Emílio Odebrecht", disse.

    "Esse é o único momento dessa etapa [em que falamos de caixa dois]. Na campanha dele [Lula], nenhuma vez. Mas o próprio presidente trouxe a mim, na campanha de El Salvador, esse tema. Ele me mandou procurar um empresário", disse Santana na delação.

    Questionado sobre como sabia que Lula falava de caixa dois, Santana responde que "não havia outra maneira". "Ele [Emílio] não poderia contribuir na campanha de maneira oficial. Era uma empresa estrangeira. Nem tinha negócios em El Salvador."

    Delação de João Santana - Vídeo 2

    ITALIANO

    O contato entre os dois foi intermediado pelo ex-ministro Gilberto Carvalho, segundo o delator.

    Emílio, de acordo com o relato de Santana, afirmou que preferia tratar do assunto diretamente com Italiano, codinome que o marqueteiro disse ter deduzido que se tratava do ex-ministro Antônio Palocci.

    "A Odebrecht fez um aporte via sua subsidiária no Panamá, e tinha verba para comprar programação [propaganda eleitoral paga]. Foi comprado e a campanha foi vitoriosa", disse.

    Na planilha "Italiano", que segundo delatores da Odebrecht era usada para controlar os gastos ilícitos da empresa com o PT, consta o pagamento de R$ 5,3 milhões referentes a campanha em El Salvador.

    O marqueteiro afirmou ainda que cobrou um preço abaixo do usual pelacampanha em El Salvador. E que a ajuda de Lula a Funes foi movida por ideologia. "Era uma ajuda de partido de esquerda a partido de esquerda", disse.

    A mulher de Funes, Vanda Pignato, é brasileira e foi uma das fundadoras do PT, mantendo relação de amizade com militantes do partido.

    Mônica Moura também foi ouvida a respeito da campanha em El Salvador e deu a mesma versão de João Santana.

    Disse que o casal decidiu aceitar a proposta de trabalho porque "o choro foi grande" e descreveu Funes, que foi jornalista, como um "William Bonner" de El Salvador.

    "Tudo isso foi passado para a gente: 'Nossa que legal', um paisinho no fim do mundo, que teve guerra, tem terremoto e é difícil de ganhar. Que beleza, que tarefa boa."

    O custo do trabalho, falou, foi de US$ 3 milhões, integralmente pagos no Brasil, principalmente pela Odebrecht.

    A delatora contou que, como o dinheiro não ia para a América Central, foi preciso que os integrantes da campanha levassem as quantias em espécie para lá, como em lotes de US$ 50 mil, para bancar custos de produção do material.

    A mulher de João Santana disse que o trabalho acabou dando "projeção" ao casal na região e fazendo com que fossem contratados na República Dominicana. Eles voltaram a assessor Funes em seu governo.

    AFP -1º.jun.2009/Presidência
    ORG XMIT: 233201_1.tif Brazil's President Luiz Inacio Lula da Silva chats with El Salvador's first lady Brazilian Vanda Pignato after the inauguration ceremony of El Salvador's President Mauricio Funes in San Salvador on June 1, 2009. Funes, the first leftist president elected in the country in 20 years, has said he wants to establish full diplomatic relations with Cuba, ending El Salvador's status as the last Latin American holdout to normalization with Havana. AFP PHOTO/PRESIDENCIA
    O então presidente brasileiro Lula com Vanda Pignato, ex-primeira-dama de El Salvador, em 2009

    CHEFE

    Mesmo não tendo tratado diretamente com Lula de caixa dois na campanha de 2006, Santana diz que Lula deveria saber.

    "Eu não conheço um único candidato que não tenha conhecimento de caixa dois. Em relação ao Lula nesse período, eu nunca tratei diretamente com ele, como presidente da República, até porque eu não tinha intimidade com ele nesse nível e ele tinha as cautelas dele. Mas, pelo conjunto da obra, pela cultura existente, obviamente ele deveria saber."

    De acordo com Santana, Palocci fazia referências ao chefe, que teria que aprovar os preços negociados com a mulher de Santana, Mônica Moura.

    "Palocci, nas conversas com Mônica, desde que negociou o preço, sempre dizia: 'a palavra final é do chefe'. E depois dizia: 'olha, o chefe concordou'."

    A DELAÇÃO DO CASAL - Acusações de João Santana e Mônica Moura ao Ministério Público Federal

    OUTRO LADO

    Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins, advogados do ex-presidente, afirmaram, por meio de nota, que Lula "nunca tratou direta ou indiretamente do financiamento das campanhas eleitorais em que foi candidato ou apoiador" e que as afirmações de João Santana e Mônica Moura "são mentirosas".

    "Hoje está muito claro que citar o nome de Lula tornou-se condição obrigatória para que réus e até condenados obtenham os favores na Promotoria no âmbito da Operação Lava Jato", diz trecho da nota.

    Ainda conforme os advogados, nenhum dos delatores apresentou prova das menções feitas ao ex-presidente.

    Colaborou MARCELO TOLEDO, de Ribeirão Preto

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