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    Divulgação da conversa sem ligação com investigações fere a Constituição

    DE SÃO PAULO

    23/05/2017 20h52 - Atualizado às 22h40

    A divulgação de conversas não relacionadas com investigações criminais está em desacordo com o princípio constitucional que garante a intimidade dos cidadãos.

    Quando a conversa se passa entre um jornalista e sua fonte, ela também fere o direto ao sigilo da fonte, garantido pela Constituição.

    O Supremo Tribunal Federal tornou públicas milhares de conversas interceptadas no inquérito envolvendo a JBS que não foram consideradas relevantes pela Polícia Federal.

    Uma dessas conversas traz o jornalista Reinaldo Azevedo, colunista da Folha e então blogueiro da revista "Veja", conversando com uma fonte, a irmã do senador Aécio Neves (PSDB-MG), Andrea Neves.

    O especialista em direito público e professor da FGV Carlos Ari Sundfeld ressalta que o princípio geral da Constituição que determina a publicidade de documentos de julgamentos do Poder Judiciário faz uma ressalva justamente para proteger a intimidade de cidadãos.

    "Se a gravação não tinha utilidade para a investigação policial, se não foi usada no inquérito, se era um contato entre pessoas que tiveram sua intimidade violada, há violação da regra constitucional."

    Segundo o advogado, a lei de interceptações telefônicas, embora determine que "a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial", não detalha como pode se dar a divulgação dessas conversas.

    Para esse ponto, vale a norma constitucional, que preserva a individualidade.

    LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

    Em relação ao direito de preservar o sigilo da fonte, a única exceção, segundo o juiz federal e professor universitário Pedro Novaes, é quando o jornalista também está sendo investigado.

    "O jornalista não pode ter como fonte só a madre Teresa de Calcutá. Se ele conversa com o papa Francisco ou com Fernandinho Beira-Mar para divulgar informação verdadeira e de interesse público, a Constituição o protege", afirma o juiz, autor de "Tutela do Direito de Sigilo da Fonte Jornalística".

    Ao prejudicar o trabalho do jornalista, a divulgação da conversa também fere o direito constitucional de que o jornalismo seja exercido sem qualquer restrição, afirma a advogada Mônica Galvão, sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian.

    A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) viu "nesse ato do procurador-geral Rodrigo Janot uma forma de intimidação e retaliação a jornalistas que exercem o direito constitucional de discordar de determinados aspectos do comportamento desse servidor público, cuja atuação não pode se colocar acima da lei".

    A entidade pediu que as investigações da Procuradoria deixem de "agredir garantias, ignorar direitos e macular fundamentos consagrados pela Carta de 1988".

    Para a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a inclusão das transcrições em processo público "no momento em que Reinaldo Azevedo tece críticas à atuação da PGR" sugere a possibilidade de "retaliação ao seu trabalho".

    O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, divulgou nota sobre o caso e disse que se trata de um "ataque à liberdade de imprensa e ao direito constitucional de sigilo da fonte". Também afirmou que a lei é clara ao vedar o uso de gravação que não tenha relação com a investigação e que "está se desenhando no Brasil um estado policial".

    DANOS MORAIS

    Maurício Barbosa Tavares Elias Filho, advogado da área civil, diz que a divulgação das gravações é ilegal e passível de indenização por danos morais.

    "No caso específico, se o episódio levou à demissão do jornalista, há até danos concretos."

    Associado do escritório Porto Lauand, ele diz que o Judiciário costuma ser conservador ao interpretar danos morais apenas como medida reparatória.

    "Defendo que seja também punitiva e pedagógica, para mostrar a quem tem acesso a esses dados que há consequências se o sigilo e a privacidade forem violados."

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