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    Lava Jato

    Vamos falar de Coelho?

    ALI KAMEL
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    25/05/2017 02h00

    Marcelo Coelho comete equívocos, é ofensivo com a Globo e seus jornalistas e omisso em relação ao jornal em que escreve. Não posso me calar diante de ofensas tão graves ao jornalismo que dirijo e aos colegas com quem trabalho.

    Coelho começa mentindo: "Veio da Rede Globo o noticiário que torna praticamente inviáveis as reformas liberais do seu governo [de Temer]". O noticiário não veio da Globo, mas de uma investigação da Procuradoria Geral da República. Não foi a Globo quem a noticiou em primeira mão, mas "O Globo", que apenas antecipou em 12 horas o que os brasileiros saberiam de qualquer forma na manhã seguinte.

    A isso chamamos de "furo". Os princípios editoriais do Grupo Globo atestam: "As redações do Grupo Globo são absolutamente independentes uma das outras e competem entre si pelo furo". Foi o que aconteceu. A Globo foi informada pelo "O Globo" sobre o furo depois das 18h30 e só recebeu o texto às 19h20. E o divulgou porque os colegas garantiram estar seguros, sem chance de erro. E os dias provaram que isso era verdade.

    Em seguida, Coelho atribui as críticas que a Globo recebeu por noticiar o fato a "uma má vontade com a Globo", "um hábito mental", cuja origem seria uma "recusa da Globo em perceber a realidade". E cita os sempre mencionados erros atribuídos à Globo, o último deles ocorrido 28 anos atrás.

    Erros que a Globo reconhece parcialmente (o das Diretas) erros que refuta (Proconsult e "invenção" de Collor) e erros que admite (edição do debate de 1989). Coelho não faz menção ao que a Globo diz deles. Prefere realçar os ataques à Globo, mas omite aqueles que a própria Folha sofre, quando, justa ou injustamente, é chamada de Falha de S. Paulo por seus supostos erros. Em momentos de radicalização política, sofrem aqueles que noticiam os fatos com independência.

    De todo modo, não considero ético apontar para as feridas alheias sem mencionar as próprias.

    Coelho prossegue, dizendo que "os ataques a Temer e a Aécio foram piores do que qualquer coisa já feita pela Globo". Um leigo em jornalismo pode escrever isso sem que se possa falar em má-fé; um jornalista, nunca. A Globo não atacou ninguém: a Globo, noticiou, com fidelidade, as acusações que a Procuradoria faz.

    Pior, Coelho deixa de mencionar que a Folha, apenas 33 minutos depois que "O Globo" deu o seu furo, repetiu as mesmas acusações, acrescentando que confirmara a notícia. Eis:

    "O presidente Michel Temer foi gravado por um dos donos do grupo J&F, proprietário do frigorífico JBS, falando sobre a compra do silêncio do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB ""RJ). A informação foi dada pelo colunista Lauro Jardim, do jornal 'O Globo', e confirmada pela Folha. Temer ouviu do empresário Joesley Batista, da JBS, que ele estava dando a Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, um dos operadores da Lava Jato, uma mesada para que ficassem em silêncio. O presidente disse: 'Tem de manter isso, viu?'".

    Coelho omite tudo isso para poder dizer, apenas contra a Globo: "Ninguém tinha ouvido a gravação. Foi a meu ver uma irresponsabilidade".

    Da Folha também? De ninguém. Nessa parte da gravação, os peritos independentes dizem que não há edições: Temer só afirma que "tem de manter isso" depois que Joesley, ao ouvir o presidente se queixar de que fora fustigado por Cunha, diz que zerou todas as pendências com o ex-deputado e o tirou da frente. Para a Procuradoria, pendências são propinas, o que é uma conclusão realista: que pendências pode ter um corruptor confesso com um acusado de corrupção?

    O que mais choca, contudo, é a acusação vil contra um dos melhores times de jornalistas do Brasil, os da Globo News. Coelho os ataca, dizendo que não há visão divergente, "passam a bola uns aos outros, mas o jogo se assemelha a uma cobrança de pênaltis sem goleiro".

    É ultrajante. Eles levam ao público todas as visões: as do governo, as da oposição, as do Judiciário, as da sociedade civil. São intransigentes apenas em duas coisas: na defesa da democracia e na condenação à corrupção.

    O mesmo acontece com o noticiário da Globo. Em rede nacional, a Globo, embora sem obrigação legal, transmitiu na íntegra e ao vivo os pronunciamentos do presidente. E repetiu-os, quase na integralidade, em seus telejornais. Nas reportagens, o contraditório está sempre presente. Na Globo News, também. Coelho também mente quando diz que a Globo News, em seus programas, só entrevista tucanos. Ele provavelmente não é um espectador assíduo do canal.

    Nos últimos anos, os alvos das investigações eram os presidentes Lula e Dilma. A TV Globo noticiou todas as acusações contra eles, com a mesma intensidade, com a mesma postura de abrir espaço para o contraditório.

    Agora que o alvo é o presidente Temer e o tucano Aécio Neves, o que, segundo o colunista, inviabiliza as reformas liberais, Coelho se volta contra a Globo. A postura da Globo, está comprovado, é a de quem não tem lados. Deixo aos leitores que julguem a postura de Coelho.

    ALI KAMEL é diretor de jornalismo da TV Globo

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