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    Lava Jato

    Voltamos à era do messianismo político que gerou Hitler, diz frei Betto

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE SÃO PAULO

    29/05/2017 12h00

    Bruno Poletti/Folhapress
    Sao Paulo, SP, Brasil 11/12/2014 - Frei Betto - Lancamento e debate do livro Oito Vias Para Ser Feliz, de Frei Betto. (Foto: Bruno Poletti/Folhapress, FSP-Monica Bergamo)***EXCLUSIVO FOLHA***
    Frei Betto defende que Temer 'perdeu todas as condições de governabilidade'

    Frei Betto, 72, é inquestionavelmente um homem de esquerda. Participou da fundação da CUT, serviu de assessor especial ao amigo Lula em seus primeiros anos na Presidência e dá assessoria a movimentos sociais como MST.

    Nem por isso passa a mão na cabeça do campo progressista. Para ele, a autocrítica "se faz urgente" após uma sucessão de erros em governos petistas. "Agarramos o violino com a mão esquerda e tocamos com a direita..."

    Detrator de Michel Temer, "que perdeu todas as condições de governabilidade", e defensor de uma nova Diretas-Já, o frade dominicano é pessimista com o quadro atual. "Voltamos à era do messianismo político, a mesma que gerou Hitler e Mussolini", diz à Folha por e-mail.

    RENÚNCIA DE TEMER
    Apesar da resistência inicial do presidente Michel Temer, o frei acredita ser "questão de dias" até ele sucumbir à renúncia. "Perdeu todas as condições de governabilidade. A melhor saída é eleição direta já. A democracia não pode temer o voto popular."

    BOICOTE À 'INDIRETA-JÁ'
    Defensor do voto popular já para 2017, caso Temer caia, ele prefere que a esquerda fique de fora de uma eleição indireta. "Não falo senão em meu nome. Em caso de eleição indireta o mais correto é boicotar. Este Congresso é legal, porém ilegítimo, pelo volume de maracutaias nas quais se encontra atolado", afirma. FHC, Tasso Jereissati, Rodrigo Maia, Nelson Jobim, Cármen Lúcia... Nenhum dos nomes postos para eventual escolha via deputados e senadores o agrada. "O campo progressista não aceita eleição indireta. O futuro presidente teria a cara do atual Congresso."

    AUTOCRÍTICA-JÁ
    Entre os esquerdistas, frei Betto foi voz solitária ao apontar como o PT, uma vez no poder, reproduziu políticas de governos anteriores. Em 2015, chegou a dizer que a situação política sob Dilma Rousseff estava "mais complicada que cachorro solto em fábrica de salsichas". Para ele, falta autocrítica no campo, "e ela se faz urgente". "Cometemos muitos erros. Agarramos o violino com a mão esquerda e tocamos com a direita..." Acredita que sairão fortalecidos da crise "os partidos e os políticos éticos, mais a nação brasileira, que aplaude a severa punição aos corruptos". Reconhece o risco de conservadores ganharem protagonismo. "O risco existe. Mas espero que os progressistas percam em espaço e ganhem em coerência. Como dizia Darcy Ribeiro "perdi todas, mas jamais gostaria de estar do lado de quem me venceu".

    LULA LÁ?
    Frei Betto diz não ver futuro para o PT se o partido seguir com a "ideia fixa de ganhar a próxima eleição". Seja Diretas-Já ou 2018, diz que Lula, velho amigo para o qual serviu de assessor especial no início do primeiro mandato, "tem pleno direito de concorrer". Mas ressalva: "O PT precisa voltar a ter um projeto de Brasil, e não apenas de poder". Para unificar a oposição, "há que se buscar unidade em torno de um programa, não de um suposto salvador da pátria".

    CIRO GOMES
    Correntes progressistas defendem o pré-candidato do PDT à Presidência como um nome possível para a trupe progressista retomar o Palácio do Planalto. O frei, contudo, não o vê como "de esquerda". "Seu projeto de poder é pessoal, é o que percebo até agora", afirma.

    SERGIO MORO
    O escritor percebe perseguição contra o amigo Lula da parte do juiz responsável pela Lava Jato. Acha que faltaram "provas das acusações" contra o petista no primeiro cara a cara entre ele e o magistrado, em Curitiba. "E quem acusa tem o ônus da prova." Para ele, "Moro se empenha em tentar tirar Lula da vida política".

    LAVA JATO
    Primeiro foi a "delação do fim do mundo" da Odebrecht, agora o novo apocalipse político com depoimentos da JBS. Para o escritor, a sangria política não será estancada tão cedo. "Não vai parar ainda. O esgoto político brasileiro padece de hemorragia crônica." Não descarta uma tese popular entre petistas, a de que há uma "Lava Jato seletiva" disposta a crucificar o partido. Só que ela foi para os ares após as denúncias que explodiram contra Aécio Neves (PSDB) e Temer (PMDB). "[A operação] era, sim, seletiva, mas a cloaca emergiu de tal forma que nenhum grande partido pode mais posar de ético."

    ERA DE EXTREMOS
    Acredita ser um mau momento para a esquerda, "que se deslocou das bases populares". Em contrapartida, a maré é favorável a nomes que se dizem "antipolíticos", como João Doria, e o extremismo do pré-candidato ao Planalto Jair Bolsonaro. "Voltamos à era do messianismo político, a mesma que gerou Hitler e Mussolini." Sobre o prefeito de São Paulo, diz: "Doria é um fusquinha que terá pela frente o caminhão do Alckmin".

    NOVOS LIVROS
    Já com 60 livros no currículo, frei Betto está lançando três novos títulos: "Ofício de Escrever" (Anfiteatro), "sobre a arte da escrita"; "Parábolas de Jesus - Ética e Valores Universais" (Vozes), "uma atualização das parábolas do Evangelho"; e "O budista e o Cristão - Diálogo Pertinente (Fontanários), "longa conversa entre mim e Herodoto Barbeiro, budista praticante. Um texto favorável à tolerância religiosa".

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