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    Lava Jato

    Cogitar diretas é 'surrealismo político', diz coautor de impeachment de Collor

    RAFAEL GREGORIO
    DE SÃO PAULO

    02/06/2017 02h00

    Daniel Castellano/Folhapress
    Advogado Rene Dotti em seu escritório no centro de Curitiba *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
    O advogado René Ariel Dotti em seu escritório, no centro de Curitiba (PR); ele critica Fachin e Janot

    A abertura de inquérito sobre Michel Temer foi açodamento por parte do procurador-geral da República e do Supremo Tribunal Federal, diz o advogado René Ariel Dotti, 82.

    Para o criminalista, o ministro Edson Fachin e o procurador-geral Rodrigo Janot "atropelaram o processo penal" e falta "corpo de delito" ao inquérito.

    Ele diz ainda que "falar em eleições diretas agora é absolutamente anárquico, um surrealismo político".

    Conhecido pela defesa do Partido Comunista e de jornalistas durante a ditadura, Dotti ajudou a formular as leis de imprensa e eleitoral e o pedido de impeachment de Fernando Collor. Hoje, é advogado da Petrobras nos processos da Operação Lava Jato em que a empresa é assistente de acusação.

    *

    Folha - Como vê a atual crise política após a delação da JBS?
    René Ariel Dotti - Um teatro do absurdo. Nunca vi tantas contradições e falta de bom senso. A Constituição prevê eleição indireta pelo Congresso Nacional em caso de renúncia ou afastamento do presidente nos últimos dois anos. As manifestações por eleições diretas são absolutamente anárquicas. É uma questão até de civismo.

    É o caso de impedimento de Michel Temer?
    Não. Está havendo um açodamento muito grande. Não é possível abrir inquérito sem ter comprovação do corpo de delito. Não se investiga homicídio sem um cadáver. No caso, o corpo de delito é a gravação, sobre a qual há dúvidas.

    Há excesso do procurador?
    Não só dele. O ministro Fachin não podia ter aberto inquérito sem levar o caso ao plenário do STF. Outra inversão é o procurador querer ouvir o presidente agora. O Código de Processo Penal prevê o interrogatório como último ato, depois de colhidas provas, ouvidas testemunhas.

    Fui um dos que lutou para que Fachin fosse aprovado no STF. Há manifestações minhas no Senado, estive na sabatina, conheço e admiro o ministro, mas ele errou. Trouxe atropelo e vantagem para delinquentes. Sou 100% favorável a que o episódio não vire espetáculo.

    Como vê a decisão da OAB de pedir o impeachment?
    Precipitada. Deveria ter sido mais discutida, e não só pelo Conselho Federal, mas junto às seccionais. No impeachment de Collor, após o primeiro telefonema do Miguel Reale Júnior me convidando para uma reunião, passaram-se semanas até que a OAB entendesse por apoiar.

    Politicamente é possível a Temer superar este momento?
    Creio que sim. A possibilidade de reformas que surgiu é uma esperança. Não sou político, minhas convicções vêm da condição de cidadão, advogado e professor. Entendo que devemos sair desse túnel.

    Como o sr. analisa a divulgação de áudio envolvendo o jornalista Reinaldo Azevedo?
    Uma negligência de extrema gravidade. A PF e o Ministério Público Federal dizem não ter nada a ver, e o ministro Fachin até agora não se explicou. Não havia indícios de crime a justificar a liberação do áudio. Está qualificado um abuso, um dano material e moral. Se o jornalista puder ter descobertas suas fontes, ninguém dará informação em off, e ficaremos sem saber.

    O sr. já disse considerar "inadmissível" que promotor ou juiz deem entrevistas e que isso os torna "irremediavelmente suspeitos". Hoje, vemos alguns deles opinando até em redes sociais. Como vê isso?
    Poderiam ser menos ostensivos. Por outro lado, a presença do juiz [Sergio] Moro é absolutamente necessária para que a ideia da luta contra a corrupção permaneça. Há o exemplo da Itália, onde juízes processaram corruptos, mas depois novas leis vieram e muitos ficaram anos se defendendo de acusações.

    Aliás, o Código Penal já prevê crimes para a má atuação de juízes, o momento não é adequado para que partidos desgastados por investigações votem nova lei de abuso de autoridade. Por isso a juventude não crê na política.

    Essa descrença pode estimular a ascensão de radicais?
    Sim, uma onda generalizadora de crítica à política em si que tem sido utilizada pelo candidato [Jair] Bolsonaro. Os programas eleitorais dispensam a participação do cidadão e os partidos políticos hoje lamentavelmente são feudos de determinadas pessoas.

    O que pode ser feito?
    Nos anos 1980, a partir do fim da censura prévia em 1978 e de experiências em Portugal e na Espanha, formou-se uma consciência popular de proteção individual do ambiente e do direito do consumidor. A Lei da Ficha Limpa também surgiu de iniciativa popular, assim como a atual onda de proteção à mulher. Uma mudança nos costumes políticos virá não do Congresso, que legisla em causa própria, mas da sociedade.

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