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    ANÁLISE

    Decisão do TSE não é sinal de colapso da democracia

    MARCUS MELO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    16/06/2017 02h00

    Evaristo Sá/AFP
    General view of the Supreme Electoral Court (TSE) session examining whether the 2014 reelection of president Dilma Rousseff and her then-vice president Michel Temer should be invalidated because of corrupt campaign funding, in Brasilia, on June 8, 2017. Judges on Brazil's electoral court were expected to start voting on the eve, in a case that could topple scandal-tainted President Michel Temer. If the court votes to scrap the election result, Temer -- who took over only last year when Rousseff was impeached -- would himself risk losing his office, forcing Brazil's congress to pick an interim president. / AFP PHOTO / EVARISTO SA ORG XMIT: ESA300
    Ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral)

    Ao tomar conhecimento do habeas corpus impetrado por Rui Barbosa em favor de parlamentares que haviam sido presos, o marechal Floriano Peixoto reagiu: "Essa notícia me contraria sobremodo. Não sei amanhã quem dará habeas corpus aos ministros do Supremo Tribunal!".

    É quase um clichê afirmar que as nossa cortes superiores são a última linha de defesa da democracia. A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de absolver a chapa Dilma-Temer provocou assim uma profunda frustração. Mais que uma não linearidade, é uma anomalia no processo institucional recente. Mas não por razões alegadas frequentemente.

    Tomar esta decisão como sinalizando o colapso das bases constitucionais da democracia brasileira vale como figura de retórica mas descabido num juízo mais técnico.

    Houve evidente plano de voo traçado entre membros do colegiado, o que não é incomum ou ilegal.

    O placar foi muito apertado 4 x 3, similar ao 5 x 4 do julgamento pela Suprema Corte Americana do pedido de anulação do pleito Bush versus Gore (no qual os cinco juízes nomeados pelos republicanos votaram a favor de Bush e os quatro indicados por democratas votaram contra).

    Não foi uma conjunção insólita de fatores um réu se deparar com uma janela de oportunidade para nomear quase um terço do colegiado que vai decidir sobre ele às vésperas do julgamento.

    Mesmo que a fortuidade tenha sido fabricada –o presidente do Tribunal Superior Eleitoral tem e exerceu discricionariedade sobre o timing dos trabalhos, garantindo o resultado que buscava.

    Maquiavel diria virtú (astúcia) e fortuna (oportunidade), mas não o teria antecipado por insólito.

    Hipermaquiavelismo com consequências profundas para o Estado de Direito. Anomalia, sim, mas com consequências duradouras.

    O argumento consequencialista invocado por Gilmar Mendes sobre a instabilidade inverte o consenso na ciência política. Toma-se a febre como causa da moléstia. O crime não é combatido pela ausência de sanções. É o contrário, são as sanções que o previnem.

    Estabilidade não é ausência de mudança –mire-se o exemplo das autocracias–, mas o contrário: é a prevalência da regra da lei, é fazer cumprir a lei sobretudo quando ela é mais necessária, em situação de sua violação em escala industrial.

    Malgrado a cacofonia individual, as decisões coletivas das cortes superiores têm sido consistentes. Desde o julgamento do mensalão os ministros do STF têm sofridos apupos.

    Nada garante que eles não vão precisar de habeas corpus no futuro.

    MARCUS MELO é professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco. É coautor do livro "Brazil in Transition" (Princeton University Press)

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