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    Análise

    Numa sociedade pautada por medos, bandeiras da direita registram refluxo

    MAURO PAULINO
    DIRETOR-GERAL DO DATAFOLHA
    ALESSANDRO JANONI
    DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA

    03/07/2017 02h00

    O conjunto de resultados revelados pelo Datafolha nos últimos dias mostra um dos retratos mais dramáticos expostos pela opinião pública no Brasil pós-ditadura.

    Se a redemocratização no país, em seu processo de amadurecimento, foi marcada pelo mote da esperança, discurso alimentado por diferentes campanhas ao longo dos anos, o que se vê hoje é uma sociedade pautada por desalento e, especialmente, por medos.

    O brasileiro teme não só a violência urbana, como bem descreveram Renato Sérgio de Lima e Arthur Trindade Maranhão Costa em análise de pesquisa Datafolha na parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada na "Ilustríssima" de domingo (25 de junho), como também se mostram fortemente inseguros sobre as crises política e econômica que dominam o cenário.

    A primeira ideia associada ao país é negativa para 81% de seus habitantes adultos e positiva para apenas 8%.

    Em novembro de 2010, essas taxas correspondiam a 54% e 28%, respectivamente.

    Menções à corrupção como "top of mind" do Brasil cresceram quase 20 pontos percentuais em pouco menos de sete anos e ficam oito pontos acima da média entre os mais jovens, segmento que, segundo projeto desenvolvido pelo Datafolha com o Instituto Etco, divulgado sábado (24) nesta Folha, não se enxerga agente de mudanças nesses quesitos.

    Respostas como "porcaria", "desastre", "catástrofe", "decepção" e "desgosto" subiram mais de 10 pontos no mesmo espaço de tempo.

    A vergonha de ser brasileiro nunca foi tão alta e o pessimismo sobre a economia continua majoritário.

    O descrédito sobre as instituições democráticas eleva-se a patamares históricos e poupa apenas os que têm por função manter a ordem e "anular o medo" –as Forças Armadas lideram em confiança e o temor da polícia, especialmente da militar, cai dez pontos.

    O receio de andar pela vizinhança à noite, por outro lado, mantém-se em patamares elevados, com 60%, dados que ajudam a entender o desempenho do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) nas intenções de voto para presidente da República.

    LEVE REFLUXO

    Mas, na matriz ideológica gerada pelo Datafolha com base na concordância dos entrevistados com algumas frases polêmicas, nota-se leve refluxo de tendência do eleitorado brasileiro, que pendia à direita há três anos, em meio à disputa presidencial de 2014.

    A população agora divide-se novamente em duas correntes simétricas, 41% à esquerda, 40% à direita e 20% no centro, a exemplo do que se observava em novembro de 2013, após as manifestações de junho.

    A agenda antissocial de um governo impopular que vem se dedicando a reformas em setores nevrálgicos, e envolto em denúncias da Lava Jato, reflete-se na opinião pública sob a forma de ameaças a direitos conquistados.

    Refuta-se mais a interferência do governo na iniciativa privada, mas se valoriza o papel do Estado como agente facilitador para o desenvolvimento econômico e para socorrer empresas nacionais.

    A meritocracia, tão presente no debate de 2014, é colocada em xeque no ambiente de crise e desemprego crescentes.

    Frases que creditam problemas sociais à "falta de oportunidades iguais" são as que mais sofrem mudanças em relação à matriz de três anos atrás.

    Parte da população volta a ficar sensível ao discurso de inclusão do petismo, o que explica o crescimento de preferência pelo partido e a liderança de Lula nas pesquisas.

    Entre os eleitores do ex-presidente da República, por exemplo, 81% acreditam que "boa parte da pobreza está ligada à falta de oportunidades iguais para que todos possam subir na vida".

    Entre os que pretendem votar nos tucanos Alckmin e Doria, esses índices são mais baixos. Entre os de Bolsonaro (PSC) caem ainda mais.

    Nenhuma outra variável de posicionamento ideológico tem maior correlação com a intenção de voto no candidato do PSC do que a crescente defesa da posse de armas. Em 2013, 30% dos brasileiros concordavam com a frase "possuir uma arma legalizada deveria ser um direito do cidadão para se defender".

    Hoje, essa taxa corresponde a 43% no total. Entre os eleitores de Bolsonaro, chega a 62%, entre os de Lula cai para 41% e entre os de Marina (Rede) só atinge 32%.

    Mas, considerando-se o espaço que a corrupção ocupou no imaginário do brasileiro e a força do juiz Sergio Moro nesse contexto –único nome numericamente à frente de Lula no segundo turno– vale a observação do posicionamento de seus simpatizantes em relação a alguns temas.

    A reprovação a Temer entre os que apoiam o juiz fica nove pontos abaixo da média. Na última eleição presidencial, a maior parte deles votou em Aécio Neves e, em comparação com os eleitores de Lula, são mais favoráveis à posse de armas, muito menos simpáticos a sindicatos e mais liberais em relação ao aborto, e também em termos econômicos.

    No entanto, se tem algo praticamente unânime entre os eleitores de ambos é a concordância com a afirmação de que no Brasil, a Justiça trata os ricos melhor dos que os pobres.

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