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O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos coordenadores da força-tarefa da Lava Jato |
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Poder
Monday, 06-May-2024 05:39:25 -03Acordo com a JBS causou dano à imagem da Lava Jato, diz procurador
FÁBIO ZANINI
WÁLTER NUNES
ENVIADOS ESPECIAIS A CURITIBA28/07/2017 02h00 - Atualizado às 11h47
Erramos: esse conteúdo foi alteradoUm dos principais integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, 53, passou a usar as redes sociais com ênfase inédita nos últimos meses.
Distribui bordoadas a políticos, jornalistas e quem mais identifica como inimigo da operação. Adotou a hashtag #quemnaodevenaoTemer e aderiu a frases motivacionais como "vamos acreditar que podemos ser livres, que podemos escolher pessoas íntegras, que existe esperança".
À Folha, ele afirma que seus objetivos são defender a operação de ameaças e inspirar procuradores que combatem a corrupção Brasil afora.
Diz não se preocupar com quem o acusa de perder a isenção de investigador ao se manifestar tão abertamente.Em entrevista, ele critica pontos da delação fechada com a JBS, defende condenações com base em indícios e afirma que a Lava Jato, em Curitiba, está chegando a seu ciclo final.
Quase três anos e meio após o início da operação, Carlos Fernando dá sinais de cansaço. Planeja se aposentar e passar a advogar na área de compliance. Diz que se viciou no seriado "Game of Thrones", mas não pretende assistir ao filme "Polícia Federal, a Lei é para Todos", que conta a história da operação e estreia em setembro.
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Folha - O sr. passou a se manifestar de forma mais enfática nas redes sociais, inclusive em temas políticos. Por quê?
Carlos Fernando - Nós mudamos um pouco a forma de fazer a comunicação. No começo, falávamos da nossa investigação em Curitiba e tínhamos até restrição do CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público]. Agora, estamos falando sobre o geral, a corrupção como fenômeno. O que descobrimos é que o sistema do PT é orgânico, por isso prendemos tantos tesoureiros. Lá [refere-se ao governo Temer] é a mesma coisa, mas um modo de atuação diferente, de forma mais atomizada, baseada em caciques. Uma das coisas que me deixa mais indignado são os falsos apoiadores. O exemplo é o [senador peemedebista Romero] Jucá fazendo coraçõezinhos nas manifestações pró-Lava Jato na avenida Paulista.A reação à Lava Jato mudou?
[Hoje] É mais sofisticada, baseada na política. Na destruição das Dez Medidas [propostas da força-tarefa contra a corrupção], na tentativa de aprovar leis. Há um sufocamento econômico da Lava Jato. Não há como negar que a PF sofreu isso.Como o sr. vê a relação atual entre PF e Procuradoria?
A relação sempre foi conturbada pelos limites de cada competência. Procuramos deixar essas questões em segundo plano. Quando há uma crise a gente chama uma reunião, sentamos e conversamos. Infelizmente existem momentos em que você não consegue superar isso. Por exemplo, colaborações. Nós entendemos que só o Ministério Público pode fazer acordos. É constitucional, não podemos abrir mão.Houve recente relatório da PF sobre o áudio do [ex-senador] Sergio Machado que não viu obstrução por peemedebistas.
Cada instituição deve se ater à sua atribuição. Nesse caso eu vou ser bem crítico. Não cabe a um delegado fazer considerações sobre a delação, essa é uma atribuição nossa, e a homologação é do juiz. Qual a vantagem para um delegado fazer isso? Acirrar uma briga institucional à toa. Só serve para a defesa.Outro revés foi a decisão do TRF-4 de absolver Vaccari [ex-tesoureiro do PT].
É mais grave. Existem provas [contra Vaccari]. Dizer que inexistem é um equívoco dos juízes. O que eles poderiam dizer é que não foram convencidos. Nossa tradição jurídica diz que indícios veementes são suficientes para condenar. No caso do Vaccari, ele não usa métodos bancários, ele usa a mochilinha. Você vai ter produção do dinheiro pela empresa, fotografia dele entrando. Isso tudo são indícios que corroboram o depoimento de um colaborador. Dizer que não há provas é desconsiderar isso, porque indícios no Brasil são provas.Muitos no meio jurídico discordam, dizem que indício é indício, prova é prova.
Não é assim nossa tradição. Nossa jurisprudência é de que indícios convergentes e diversos são suficientes para condenação. Não está dizendo que precisa de uma prova no sentido clássico, de divisão entre indícios e provas. Agora, sempre vai ter o jurista de plantão, o advogado de criminalista defendendo as teses.Qual o risco de a condenação do Lula ser derrubada no TRF como no caso Vaccari?
Qualquer que seja o processo sempre vai ser arriscado. Mais arriscado nem é o mérito, mas uma daquelas bobagens que plantam durante o processo para virar nulidade num escalão superior. Na nossa tradição, advogado não lida com o mérito, sempre luta pela nulidade.É o momento de maior contestação da Lava Jato?
Temos dois fenômenos: a partir do momento em que as investigações passaram para o PMDB, as pessoas perguntaram: espera aí, não é só o PT? Começamos a explicar que não é uma questão partidária, é uma questão de crime. E segundo, a JBS, que realmente em termos de comunicação foi muito complicado para o Ministério Público. O acordo é muito mal compreendido pela população. Isso é um erro nosso. Seja porque o benefício talvez tenha sido deferido de uma forma muito leniente, seja porque [o MP] não se preparou adequadamente para comunicar.O benefício foi excessivo?
Eu faria o acordo? Faria, se eu estivesse na mesa [negociando]. O material é mais do que suficiente. O problema é o quanto você quer o acordo e em quanto tempo. É mais ou menos como o relacionamento amoroso. Você deseja muito uma pessoa e a pessoa percebe. Ela passa a exigir, dizer: eu quero só casamento.Faltou ser mais blasé?
Exatamente. É o truque. Faltou um pouco disso. E depois ter uma percepção clara de como a população encaras as coisas. Você [Joesley] vai para Nova York? Não, você não vai. Desculpe, você não vai ser filmado.Se o sr. estivesse negociando, teria ido com mais calma?
Eu falo isso, mas tenho respeito muito grande pela mesa [os negociadores da PGR]. A mesa é que sabe as suas próprias circunstâncias.Houve dano à Lava Jato?
Houve um dano de imagem a toda a investigação, que contamina tudo. De repente, aqui no Paraná, nos vimos tendo que responder sobre isso.Outro ponto polêmico é o do Marcelo Miller [procurador que foi contratado pelo escritório de advocacia que representa a JBS].
Até onde eu sei ele não participou do acordo. Mas realmente é outro problema que deveria ter sido percebido. [...] Esse era um caso para que houvesse esse tipo de questionamento, e não era conveniente que ele participasse. Teria sido uma decisão acertada se ele tivesse se negado a fazer.Voltando à sua atuação nas redes sociais, há uma proibição de que procurador se manifeste...
Eu sou proibido de me manifestar sobre os processos. [...] Estou falando de um problema político como cidadão. Estou exercendo meu direito. Não posso ser castrado.O procurador que manifesta posição na rede social tem isenção para investigar?
Se eu estivesse fazendo consideração político-partidária, eu estaria realmente vinculado a certos posicionamentos. Se você defende princípios que estão na Constituição, esse argumento é absurdo. Eu vou falar. Não posso deixar de falar. Eu tenho uma obrigação de falar.A Lava Jato vai até onde?
Aqui no Paraná está na meia idade caminhando para a velhice. As investigações acabam por dois motivos: porque o assunto se esgotou ou porque não existem recursos mais para você trabalhar. Creio que temos os dois fenômenos. Estamos caminhando para o esgotamento do assunto Petrobras. Mas também estamos sofrendo com falta de recursos. Estamos ficando velhos e com reumatismo.Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br
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