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    Coletânea de Callado trata de violência no campo e crises políticas

    NAIEF HADDAD
    DE SÃO PAULO

    28/07/2017 02h00

    Dadá Cardoso - 1º.dez.1995/Folhapress
    RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 01-12-1995, 21h14: Literatura: o escritor Antonio Callado, posa para foto, no Jardim Botânico do Rio, no Rio de Janeiro (RJ). (Foto: Dadá Cardoso/Folhapress)
    O escritor Antonio Callado no Jardim Botânico do Rio

    Eça de Queiroz (1845-1900) jamais pôs os pés no Brasil. Em 1888, porém, o português escreveu uma carta a um amigo, como se estivesse voltando de viagem ao país.

    Um artista, disse Eça, "pode moldar o barro inerte sobre a tripeça de trabalho, e fazer dele, à vontade, uma vasilha ou um Deus. Não desejo ser irrespeitoso, mas tenho a impressão que o Brasil se decidiu pela vasilha".

    Segundo ele, o país não possuía as bases de uma civilização rural justa, um ponto de referência fundamental para consolidar os avanços do Brasil dali em diante.

    O jornalista e romancista Antonio Callado se baseou nas reflexões de Eça para escrever a crônica "O País que Não Teve Infância", publicada na revista "IstoÉ" em outubro de 1979.

    É esse também o título do livro recém-lançado pela Autêntica, que marca o centenário de Callado (1917-1997).

    A obra reúne crônicas publicadas na revista entre 1978 e 1982. São 86 textos selecionados por Ana Arruda Callado, viúva do autor, que também assina a apresentação.

    O escritor fluminense faz homenagens a figuras notáveis da vida brasileira, como a psiquiatra Nise da Silveira e o jornalista Barbosa Lima Sobrinho. Mas não são os elogios que prevalecem nos textos da "IstoÉ" (mais adiante, entre 1992 e 1996, Callado foi colunista da Folha).

    O livro definitivamente não atende a quem busca consolo no passado diante das crises dos dias de hoje.

    Três temas percorrem as quase 300 páginas. Além da reforma agrária, que leva Callado a citar Eça, a situação dos índios e a abertura democrática são assuntos de abordagem constante.

    Em ao menos uma dezena de textos, o autor do romance "Quarup" (1967) exalta a ação de líderes católicos –como dom Pedro Casaldáliga, bispo que tem hoje 89 anos– pela demarcação das reservas indígenas.

    No entanto, o lamento pelas mortes no campo é mais contundente. "No transcurso do ano de 1976, dois brutais assassínios entraram feito machadadas na própria carne da nova Igreja", escreveu em "Festa no Cerrado".

    Em julho daquele ano, o salesiano Rodolfo Lunkembein foi morto por fazendeiros. Três meses depois, policiais mataram o jesuíta João Bosco Burnier.

    Alternando ironias requintadas e ataques severos, Callado revela decepção com os rumos da abertura democrática. Um dos expoentes da intelectualidade à esquerda, ele acreditava que a transição ganhava ares de arranjo em benefício dos generais.

    "Ao cabo de 16 anos de total arbítrio, o governo militar só conseguiu conduzir o país a uma desordem, uma bagunça econômica tão fantástica que, com boa razão, preocupa a todos. No entanto, em lugar de haver, por parte da vítima, a criação firme de uma frente de luta, a oposição, em suas várias denominações, assume um ar penitente e dócil", escreveu na crônica "Esposa mineira perdoa o malvado".

    Ao se referir a partidos políticos, o autor só demonstra entusiasmo com o PT, fundado em 1980. A ascensão de Lula é louvada.

    Hoje, quando governo e oposição estão encurralados, o exercício de imaginação é inevitável. O que diria Callado sobre o Brasil de 2017?

    O País que Não Teve Infância
    Antonio Callado
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    "O País que Não Teve Infância"

    Autor Antonio Callado

    Editora Autêntica (288 págs.)

    Quanto R$ 50 (versão impressa) e R$ 20 (e-book)

    Classificação muito bom

    Edição impressa

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