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    Lava Jato

    Sérgio Cabral se tornou um troféu para Lava Jato no Rio, afirma defesa

    ITALO NOGUEIRA
    DO RIO

    05/08/2017 02h00

    José Lucena/Futura Press/Folhapress
    RIO DE JANEIRO,RJ,10.07.2017:DEPOIMENTO-SÉRGIO-CABRAL - O ex-governador Sérgio Cabral deixa sede da Justiça Federal no Rio de Janeiro (RJ), após prestar depoimento na manhã desta segunda (10). O ex-governador está preso desde novembro do ano passado por envolvimento em esquemas de corrupção. (Foto: jose lucena/Futura Press/Folhapress) *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
    O ex-governador do Rio Sérgio Cabral, preso desde novembro do ano passado

    Um dos responsáveis pela defesa de Sérgio Cabral (PMDB) nas 12 ações penais contra o ex-governador do Rio de Janeiro, o advogado Rodrigo Roca afirma que seu cliente é visto como um "troféu" pela força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio.

    Roca diz que há "uma potencialização da versão dos delatores", o que ajuda os procuradores a criarem um "grande demônio" para taxar como "inimigo público".

    Cabral reconhece o uso pessoal de sobras de caixa dois de campanha, bem como relação com os doleiros Renato e Marcelo Chebar, que firmaram delação premiada.

    Contudo, diz que os dois gerenciavam seu dinheiro irregular dentro do país. Ele nega ter acumulado US$ 100 milhões no exterior, como eles relatam, bem como ter arrecadado propina, como afirmaram executivos da Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia. "Se tem 4, 5 fatos verdadeiros, pensa que está automaticamente autorizado a dizer que o 6º também é. Mas não é", afirma ele.

    A estratégia de defesa visa desacreditar a delação dos doleiros e a confissão de Luiz Carlos Bezerra, amigo de infância de Cabral apontado como responsável por coletar e distribuir a propina.

    Folha - O sr. ainda vê chances de Sérgio Cabral ser absolvido?

    Rodrigo Roca - É claro. Se não acreditasse, não estaria na causa.

    A tese de uso de sobras de caixa dois de campanha já não é o reconhecimento de crimes?

    Poderia cogitar um crime de apropriação. Pela linha de inquirição do magistrado [Marcelo Bretas] e do Ministério Público Federal, ainda não está muito clara a diferença entre corrupção, propina, e o dinheiro que é doado, com o qual se faz um mau uso, mas sem contrapartida, sem vantagem. Pode-se dizer que há um problema. Mas não é nada parecido com o descrito nas intermináveis ações penais.

    Ao reconhecer esses erros, ele não deveria buscar uma pena justa, em vez da absolvição?

    Não, até porque ele deve ser julgado com a imputação que foi feita. E ele não reconhece crimes. Ele reconhece um desvio de conduta e que usou dinheiro de caixa dois. Se houvesse alguma figura criminal que abarcasse essa conduta, poderia ser punido por isso. Mas em absoluto crimes contra o mercado financeiro, lavagem de ativos, branqueamento de capitais, etc.

    Essa é uma estratégia usada pelo [ex-presidente Fernando] Collor na ação penal contra ele.

    Quando se fala da acusação, é uma versão, tese. Quando se fala da defesa, é uma estratégia. Ninguém admite, nem por hipótese, que ele não tenha cometido os crimes que estão dizendo. São duas versões. Não é porque está numa denúncia que é verdade.

    O caso do ex-governador tem a materialidade, como as joias e todo o estilo de vida.

    Não materializa pelo seguinte: eu ganho R$ 1.000 e tenho padrão de vida de R$ 2.000. É incompatível com meus vencimentos. Mas se eu ganho os mesmos R$ 1.000, e tenho padrão de vida com R$ 1 milhão também é incompatível. O que está acontecendo é que as pessoas não estão mensurando isso. Ele admitiu a compra de joias, mas não nesse montante. A maior prova disso é que não acharam as principais joias. Não acharam porque não existem.

    Uma das estratégias é colocar em dúvida a versão dos doleiros Renato e Marcelo Chebar. Por que eles entregariam US$ 100 milhões para incriminar Cabral, esconder outros supostos clientes e ficar sob o risco de ter o acordo desfeito?

    Eles estavam sob risco de investigação em outros países. Era uma questão de tempo até chegar a eles. Se descobrirem amanhã que eles mentiram, o que pretendo provar, eles já estão em Portugal. Vamos ver se vamos conseguir achá-los.

    As informações da tabela entregue por eles foram confirmadas: pagamento de joias, voos de helicóptero...

    Há uma cegueira em relação aos fatos e uma potencialização da versão dada aos delatores. Ela coincide, em alguns pontos, até determinado momento. O ex-governador de fato teve conta no exterior nos anos 1990, eles depois pagavam contas do ex-governador aqui no Brasil.

    Se tem três, quatro, cinco fatos verdadeiros, pensa que está automaticamente autorizado a dizer que o sexto também é. Mas não é. Vamos sempre terminar com uma planilha de Excel e o medo da prisão. Tenho esperança que o doutor Marcelo Bretas [juiz responsável pelos processos da Lava Jato no Rio] me permita investigar a vida desses senhores no exterior [a defesa do ex-governador solicitou que a Justiça da Suíça e Andorra sejam questionadas sobre processos e investigações contra os doleiros]. Se eles mentiram, o acordo seria invalidado. Seria a ruína da estratégia acusatória.

    Há também os depoimentos de Luiz Carlos Bezerra, amigo de infância do ex-governador que controlava a movimentação, e não firmou delação. Como explicar?

    Tem que saber o que prometeram a ele, mesmo sem delação. Há réus que, de tão desesperados, acham que se eles apontarem o indicador para qualquer direção sua situação vai melhorar. O melhor alvo hoje em dia é o ex-governador.

    O ex-governador é o político com mais processos na Lava Jato. Como avalia isso?

    Os atores forenses volta e meia criam os grandes demônios, que taxam como inimigos públicos. O que me preocupa é que o ex-governador tenha se tornado um troféu. Por essa razão tem havido tanto empenho na caça a uma pessoa que está presa, que não teria condição de fugir para lugar nenhum.

    Há pouco tempo, sexta-feira sim, outra não, tinha a divulgação de uma denúncia, para não deixar o tema arrefecer na opinião pública. Sérgio Cabral virou o depositário do ressentimento de algumas autoridades contra o governo. Só que ele está longe do governo há três anos e meio.

    Falou-se em algum momento em delação do Cabral. Isso pode ocorrer?

    Isso foi uma ideia antiga, de seis meses atrás, e não contaria com meu apoio profissional. Se não fosse um grande mal entendido, ofereceria minha renúncia.

    Por quê?

    Foi um instituto mal importado. Nos países em que ele foi adotado, se beneficia alguns, para alcançar um número maior. Aqui essa pirâmide se inverteu. Beneficiam a muitos para buscar um.

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