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    PSDB se autodestruiu ao articular impeachment, defende Renato Janine

    ANA LUIZA ALBUQUERQUE
    DE SÃO PAULO

    23/08/2017 02h00

    Karime Xavier/Folhapress
    SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -17 /08/17 - :00h - Entrevista com Renato Janine Ribeiro, que lança livro no dia 18. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***PODER
    Renato Janine Ribeiro, filósofo e ex-ministro da Educação de Dilma Rousseff (PT)

    "Um livro otimista num momento pessimista." É assim que o filósofo Renato Janine Ribeiro se refere à nova obra "A Boa Política", lançada na última semana.

    O ex-ministro da Educação de Dilma Rousseff conceitua a "boa política" como uma dosagem entre democracia, república, liberalismo e socialismo. À Folha, Janine falou sobre os governos tucanos e petistas, o impeachment, a crise política e as expectativas para 2018.

    *

    Folha - No livro o senhor discute se o retrocesso que vivemos é o fim do progresso ou um parênteses no caminho. Recentemente tivemos um episódio escancarado de racismo em Charlottesville. O que explica isso?

    É a partir da década de 1980 que cerca de metade da população tem o direito de votar e uma liberdade na vida privada. Isso é uma novidade absoluta, um grande avanço. O que talvez possa estar mais perto de uma explicação é que você tem um avanço e até ele ser absorvido e assimilado, demora. Em algum momento talvez isso seja incorporado e a gente passe adiante.

    É possível dialogar com o fascismo?

    Há uma blindagem muito grande do fascista a qualquer diálogo. O diálogo supõe que você vai usar a razão e se referir à realidade. Nós estamos lidando com um contingente fascista que nem tem a ver com a realidade e nem é racional. É um erro o discurso de ódio ser beneficiado pela liberdade de expressão. É incitação ao crime.

    O senhor conceitua o liberalismo como a junção da ética com a eficácia. Temos algum exemplo no Brasil?

    Entendo o liberalismo como a filosofia segundo a qual cada um tem potencialidades únicas. O liberalismo que exige a igualdade no ponto de partida, que é o que não temos no Brasil, é muito difícil de estabelecer.

    Você tem isso graças a políticas sociais, que agora estão em retrocesso. Há pessoas que pensam que os programas sociais são anti-liberais, o que é uma bobagem. O Bolsa Família trouxe inúmeros efeitos quantificáveis economicamente.

    Os brasileiros se dizem liberais, mas são apenas contra o Estado, não a favor do indivíduo. Isso faz com que você tenha um liberalismo extremamente tosco, sem nenhum sentido ético.

    O governo Lula praticou a "boa política"?

    Lula e Dilma tiveram vários elementos liberais, a começar pelo Bolsa Família... Muito pela meta da igualdade de oportunidades. Eles não foram muito além. A Dilma pode ser acusada de defender um maior papel do Estado, mas isso são meios. Na escala dos fins, a Dilma queria igualdade de oportunidades, que é um tema liberal.

    E o Fernando Henrique?

    Acho que o Fernando Henrique não se preocupou muito com a igualdade de oportunidades. Não acho que o PSDB chegue a ser liberal, é um partido que está aquém do liberalismo.

    O senhor afirma que a democracia é movida pelo desejo das massas de ter mais, mas fracassa quando não há uma luta pelo controle do poder. Foi isso que aconteceu nos governos petistas?

    Quando você está na posição de quem pede, você não assume a posição de quem está no poder. Esse é um ponto muito difícil para certos movimentos sociais, que continuaram reivindicando, mas não percebiam que agora faziam parte do poder. Quando faz parte do poder, entra na postura que chamo de republicana. Tem que saber como faz tudo isso funcionar junto.

    Esse foi um problema sério no período em que fui ministro. O governo Dilma prometeu muitas coisas para a reeleição que não foram atendidas. Os grupos que a tinham apoiado se voltaram contra o governo de maneira injusta. Por exemplo, os servidores das universidades federais que tinham tido um aumento superior à inflação fizeram uma greve de 4 meses contra a Dilma. Não assumiram a perspectiva de quem estava no poder.

    O que falta para o Brasil desenvolver sua democracia?

    Um dos problemas do Brasil é que nunca fez um ajuste de contas com seu passado. É sempre varrido para baixo do tapete. Você tem uma sociedade na qual o passado tem uma presença fortíssima. Não se pune os bandidos aqui. Com todas as falhas da Lava Jato, ela colocou na prisão alguns criminosos. Talvez a gente tenha mais elementos de enfrentar isso. Estamos vivendo um momento de iconoclastia. Sobrou quem? O Moro e o Bolsonaro.

    A esquerda está enfraquecida...

    A esquerda está enfraquecida, mas estou pensando nos pobres que estão perdendo perspectiva. Essa não é uma sociedade que tem vergonha da desigualdade. Não tem uma educação política. Por isso o Bolsonaro está com tanta simpatia, mas é um enorme tiro no pé. O Brasil não cresceria nada com o Bolsonaro.

    O Bolsonaro já disse que não entende de economia.

    Se olhar Lula e Fernando Henrique, nenhum dos dois era especialista em economia. O que fez a grandeza é que os dois sabiam traduzir em termos políticos o que aprendiam com tudo que fosse especialista. O Bolsonaro não faz tradução política, está no mundo pré-político. O mundo dele é o do ódio, o da guerra. O mundo da política tem um certo tipo de diálogo. A democracia que vivemos até o ano passado aceitava vitórias e derrotas. Isso colocou o país numa crise muito pior.

    O impeachment foi a causa? Entramos numa crise institucional?

    Não foi a causa, mas foi um erro fundamental. Colocou no governo um grupo que é o mais acusado de corrupção, que aumentou extraordinariamente o déficit fiscal e acentuou a desigualdade. A desmoralização dos poderes constitucionais ficou gigantesca. Quando tem um juiz que ganha R$ 500 mil por mês, isso é uma crise. Quem respeita depois disso o poder inteiro? O respeito pelas instituições acabou.

    O que explica a ascensão de figuras como Bolsonaro?

    Ele tem uma vantagem significativa: nunca exerceu um cargo no executivo. É muito difícil acusar o Bolsonaro de alguma corrupção. Para aqueles que acham que o avanço depende do autoritarismo, ele vem a calhar.

    Com frequência vem a ideia de uma pessoa autoritária, mas que bota ordem na bagunça. Isso salvaria a sociedade de si própria. Penso que o Brasil tem uma certa descrença em si, de não acreditar que esses elementos positivos, da simpatia, da alegria de viver, vão dar certo. Houve momentos em que acreditamos nisso, que o Brasil era um exemplo para o mundo.

    O Lula representou um desses momentos?

    Muito. Tanto que hoje o Brasil está com a reputação no chão. É outro erro do impeachment. O erro gigantesco do PSDB foi não ter esperado as eleições de 2018 para ganhar bem. O PSDB entregou o poder para o PMDB e expôs sua imagem de uma maneira terrível. Era preciso não se subordinar ao Eduardo Cunha.

    Esse foi um erro gigantesco do Aécio. Na hora que foi atrás do Cunha, desses movimentos fascistas da rua, destruiu a imagem do PSDB como partido democrático e deu toda força ao Cunha e depois ao Temer.

    O PSDB não tem chance de crescer com figuras como o Doria?

    O Doria tem muito pouco a ver com o PSDB histórico. Se acabar dono do PSDB e for candidato à Presidência, esse PSDB não tem mais nada a ver. O próprio Fernando Henrique está numa posição mais ou menos secundária.

    Do ponto de vista de campanha, tem um ponto comum entre Doria e Bolsonaro que é um grande vazio de propostas, um descompromisso com a verdade e com os partidos existentes. O projeto inicial do PSDB está muito contestado. O PT e o PSDB representaram o que a gente tinha de melhor na política brasileira por muito tempo. Na hora que o PSDB decidiu destruir o governo petista...

    A Boa Política
    Renato Janine Ribeiro
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    Ele se autodestruiu?

    Parece. Não vejo um futuro agora, mesmo com o Alckmin. Não é uma figura de projeção. Dentro do PSDB, o nome mais representativo de uma história do partido é o Serra, alguém que foi perdendo muito do vigor. A imagem dele se desfez muito. O que é ser ministro das Relações Exteriores do Temer? De alguém que ninguém quer ver, visitar, receber.

    Qual a expectativa para 2018?

    Precisamos criar projetos realmente novos. Os projetos do Lula foram os melhores da história do Brasil, mas não temos mais dinheiro na mesma medida. Não pode dizer simplesmente que vamos retomar os projetos petistas. Nenhum dos nomes cogitados está fazendo uma discussão séria de projeto para o Brasil.

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    A BOA POLÍTICA
    AUTOR Renato Janine Ribeiro
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 49,90 (304 págs.)

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