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    Nomeação de Segóvia é tentativa de domar a PF, diz professor Sérgio Praça

    CAROLINA LINHARES
    DE BELO HORIZONTE

    02/12/2017 02h00

    A nomeação do delegado Fernando Segóvia para a chefia da Polícia Federal foi classificada pelo professor da Fundação Getúlio Vargas Sérgio Praça como "um passo importante" na tentativa de políticos de dominarem órgãos de investigação e controle da corrupção.

    Para o cientista político, a luta entre essas instituições e a classe política tende a se tornar "superescancarada" e, especialmente na PF, a autonomia conquistada ao longo de anos está em risco.

    Em seu novo livro "Guerra à Corrupção - Lições da Lava Jato", lançado neste mês, Praça reconstrói a trajetória não só da PF, mas também do Ministério Público Federal, do Tribunal de Contas da União e da Controladoria-Geral da União no combate à corrupção, detalhando seus ganhos reputacionais, mas também suas falhas.

    Em entrevista à Folha, o professor diz que essas instituições se beneficiam do novo equilíbrio de "muita corrupção e muita punição" que temos hoje.

    Guerra à Corrupção
    Sérgio Praça
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    Sobre o MPF, Praça afirma que há zero autocrítica e questiona o silêncio de procuradores da Lava Jato a respeito do comportamento do ex-colega Marcelo Miller, suspeito de orientar delatores da JBS quando ainda atuava no órgão.

    Em uma linguagem mais jornalística do que acadêmica, Praça escreve ainda sobre delações e acordos de leniência e sobre as engrenagens da corrupção —de compra de votos a fraudes em licitações.

    O sr. diz em seu livro que o Brasil saiu de um equilíbrio de muita corrupção e pouca punição para muita corrupção e muita punição. Como isso serve aos órgãos de controle?

    Esse é o principal ponto do meu livro. Vamos imaginar que a prevenção à corrupção melhore muito no país. O que sobraria para a Polícia Federal e o Ministério Público Federal fazerem? Se houver menos corrupção vai ser ruim para eles. Vão perder muita importância.

    Os órgãos de controle que tocam em prevenção são a Controladoria-Geral da União, que é o Ministério da Transparência, e o Tribunal de Contas da União. Para eles, prevenir corrupção é muito bom. Mas a PF e o MPF perderiam reputação.

    Não estou dizendo que existe um complô de promotores, procuradores e policiais federais para ter mais corrupção no Brasil. Estou dizendo que o estado de coisas hoje favorece esses órgãos e esse não é o melhor equilíbrio político para o país.

    Então esses órgãos não agem no sentido de manter esse equilíbrio?

    De muita punição certamente. Especialmente o MPF quer mais poder, quer tirar o poder da PF. É um órgão com zero autocrítica e zero capacidade de punir burocratas que desviam do seu trabalho.

    O que Deltan Dallagnol [procurador da República em Curitiba] e Carlos Lima [procurador da República em São Paulo] falaram do Marcelo Miller [ex-procurador suspeito de orientar delatores da JBS enquanto ainda estava no MPF]? Nada. Um silêncio ensurdecedor. O MP se coloca acima das outras instituições. Fazem um trabalho crucial, mas se conseguissem enxergar além do próprio umbigo seria sensacional.

    E, se tivessem um entendimento mais completo sobre corrupção, mais social e econômico, ligado a incentivos de atores políticos para corrupção, seria muito bom, mas talvez seja exigir demais.

    A tendência desse equilíbrio de muita corrupção e muita punição é se manter ou mudar?

    Essa é uma pergunta sobre tendências futuras no Brasil? (Risos)

    Sim.

    Está havendo uma tentativa muito aberta de os políticos tomarem conta dos órgão de controle que estejam a seu alcance para evitar mais punição. A nomeação do Fernando Segóvia [para a chefia da PF] é claramente um passo importante nesse sentido.

    A nomeação do Fabiano Silveira para CGU, que eu conto no meu livro, indicada por Renan Calheiros assim que Michel Temer assumiu, foi uma tentativa claríssima de influenciar os acordos de leniência.

    Acho que esse equilíbrio vai se manter, e os políticos fazendo de tudo para evitar a punição e se organizando nesse sentido.

    Esse grande acordo nacional que o Romero Jucá se referiu inclui PT, PSDB, inclui todo mundo, não é só uma coisa do PMDB ou do governo Temer. Isso que não está claro para a população.

    A tendência é que a luta entre políticos e órgãos de controle se torne superescancarada. A tendência é que os órgãos de controle percam a autonomia que conseguiram ao longo do tempo, especialmente a PF.

    A luta contra a corrupção está ameaçada?

    A autonomia do MP e do TCU é constitucionalmente assegurada. O MP é o mais autônomo do mundo, sem exagero. O normal do MP, nos EUA, por exemplo, é ser subordinado ao Executivo.

    A PF e a CGU não, são subordinadas ao Executivo. Mas conquistaram autonomia ao longo do tempo e de ganhos reputacionais com boas investigações. No livro, eu conto a história de dois diretores da PF nos anos FHC. Um deles chegou a ser candidato a deputado federal pelo PSDB. Uma coisa impensável hoje.

    Mas, no fim das contas, a nomeação é do presidente, então tem um limite. E num governo tão impopular quanto o do Temer, que agora está fazendo tudo de forma escancarada, isso é particularmente perigoso. O governo Temer não vai continuar, mas eu sou menos otimista com 2019 do que estava há alguns meses.

    Existe uma disputa entre os órgãos de controle por conta da delação e da leniência, qual a sua opinião?

    A lei diz que a CGU fará o acordo de leniência. Só que a CGU não pode dizer para a empresa que ela não vai para a cadeia. Quem toca na parte penal é o MP. Então, se eu sou uma empresa, vou fazer com o MP, que está ganhando essa competição de lavada, embora a CGU tenha feito acordos relevantes. Mas qual a segurança jurídica em fazer um acordo de leniência com um órgão de controle se você não sabe qual outro órgão vai respeitar?

    No caso da delação, o MP está querendo poder demais. É muito mais claro que a PF pode participar.

    A cena da PF prendendo políticos virou corriqueira. Quais os efeitos disso?

    É bom que políticos e empresários tenham medo de receber a visita da PF.

    Tem um efeito claro que é uma descrença imensa no sistema político. A corrupção é engraçada porque, enquanto está rolando e ninguém sabe, só desconfia, a gente não se afeta tanto. Quando descobre, é um baque muito grande.

    Descobrir que o presidente é um potencial criminoso é muito ruim. Pessoas com cargo muito alto, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados, presas. Agora é melhor do que fora da cadeia, sem dúvida.

    É o preço que pagamos por um sistema político tão propenso à corrupção antes das leis anticorrupção e de organizações criminosas, de 2013.

    Seu título fala em lições da Lava Jato, quais são elas?

    A primeira é muita atenção para o sistema eleitoral e para o financiamento de campanha. Especialmente para a compra de votos. O Brasil é muito menos desenvolvido do que as pessoas pensam. Antes de pesquisar para esse livro eu subestimava esse tema também. Por que Geddel Vieira Lima tinha R$ 51 milhões de reais? Não é só enriquecimento próprio, meu palpite de compra de voto.

    A segunda lição é a legislação das estatais. Tem um decreto na Petrobras que permite que as licitações sejam feitas de maneira pouco transparente e direcionadas.

    E a terceira lição: cobrar e observar o Ministério Público. Não existem heróis. Não há pessoas acima de qualquer suspeita. O Rodrigo Janot [ex-procurador-geral da República] se encontrar com o [advogado de réus da Lava Jato] Pierpaolo Bottini é escandaloso. O MP tem uma incapacidade de olhar suas limitações que é patológica.

    GUERRA À CORRUPÇÃO - LIÇÕES DA LAVA JATO

    AUTOR: Sérgio Praça

    EDITORA: Generale

    QUANTO: R$ 29,90 (128 págs.)

    Edição impressa

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