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    Inovações do STF geram série de incertezas

    ELOÍSA MACHADO DE ALMEIDA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    08/12/2017 02h00

    A Constituição Federal estabelece um regime bastante amplo de garantias para que parlamentares exerçam suas funções sem quaisquer interferências.

    Essas garantias abrangem as chamadas imunidades materiais –como a inviolabilidade dos parlamentares por suas opiniões, palavras e votos e a impossibilidade de prisão desde a diplomação, salvo em flagrante delito de crime inafiançável–, e as imunidades formais, como a designação de foro por prerrogativa de função e a possibilidade de as casas legislativas revisarem ordens de prisão ou mesmo sustarem o andamento de processos criminais.

    Nos últimos anos, entretanto, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma série de interpretações restritivas dessas imunidades.

    Por exemplo, ao receber a denúncia criminal contra Jair Bolsonaro por incitação ao crime e injúria no episódio em que afirmou que Maria do Rosário "não merecia ser estuprada", o tribunal não estendeu a proteção constitucional dada às palavras e opiniões de parlamentares quando esses a usam para praticar crimes "alheios à função".

    É no mesmo sentido que o tribunal tenta, agora, reinterpretar o alcance do foro por prerrogativa de função, para restringi-lo apenas a crimes cometidos durante e em razão do mandato.

    De outra parte, as imunidades formais também têm sido objeto de restrição. A vedação de prisão dos membros do Congresso Nacional, a não ser em flagrante delito de crime inafiançável, foi reiteradamente flexibilizada em episódios da Operação Lava Jato.

    Para decretar a prisão do então senador Delcídio do Amaral, houve uma interpretação bastante ampla da figura do flagrante de crime inafiançável. Já para Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, inovou-se com a aplicação de medida cautelar de suspensão do exercício do mandato.

    Essa inovação do tribunal tem gerado uma série incertezas. Uma delas, sobre a aplicação de medidas cautelares em substituição à prisão e que afetassem o mandato eletivo, foi ponderada pelo tribunal no caso Aécio Neves: em decisão apertada, por 6 votos contra 5, o STF reafirmou o poder de aplicar medidas cautelares, mas entendeu que seria o caso de submeter a decisão judicial a uma revisão pelas casas legislativas.

    ESTADOS

    A questão agora é saber se as Constituições Estaduais podem ampliar e reproduzir o mesmo sistema de imunidades formais e materiais aos seus deputados; especificamente, saber se podem dar às Assembleias Legislativas estaduais o poder de suspender decisões judiciais que determinem medidas cautelares ou mesmo a prisão preventiva. As Constituições do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Norte e do Mato Grosso, que contam com dispositivos nesse sentido, tiveram sua constitucionalidade questionada no STF.

    O pano de fundo é o caso da prisão dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi pelo Judiciário e imediata soltura pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

    O resultado que se desenha no julgamento iniciado pelo Supremo Tribunal Federal é de que os legislativos estaduais não devem ter o poder de revisar as decisões judiciais de prisão preventiva ou de aplicação de medidas cautelares.

    A justificativa para tratar de forma diferenciada deputados estaduais e federais ainda não está clara: parte dos ministros defende que um sistema recursal próprio dispensaria a revisão das decisões judiciais pelo Legislativo estadual; outros defendem que a Constituição Federal garantiria essa imunidade apenas aos membros do Congresso Nacional; outros, por sua vez, defendem que medidas cautelares –inclusive a prisão preventiva– não deveriam ser revistas pelo Legislativo, nem para deputados federais, nem para os estaduais.

    O resultado pode ainda ser incerto, mas a tendência geral do Supremo Tribunal Federal é clara em restringir as imunidades parlamentares, como "resposta à crise ética e moral da política". O Supremo constrói, a cada decisão, um sistema político tutelado.

    ELOÍSA MACHADO DE ALMEIDA é professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP

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