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    Em novo livro, José Sarney relembra causos da política

    THAIS BILENKY
    ENVIADA ESPECIAL A SÃO LUÍS (MA)

    25/12/2017 02h00

    Luciano Andrade - 3.dez.1989/Folhapress
    O então presidente José Sarney (à esq.) com o deputado Ulysses Guimarães, em Brasília, em 1989

    Do experiente articulador político José Sarney não se esperem análises conjunturais nem históricas ou juízo de valor sobre aliados e adversários neste trepidante 2018.

    O ex-presidente que se tornou conselheiro de seus sucessores escolheu revelar uma faceta bem-humorada de contador dos causos que coleciona ao longo de 87 anos, com a pena leve e atenta às ironias da vida.

    Para os primeiros meses do próximo ano eleitoral, Sarney prepara o seu 120º livro, provisoriamente intitulado "Galope à Beira-Mar", inspirado no nome dado a um dos ritmos dos cantadores do Nordeste. Os personagens da vida pública recente do país quase todos estarão contemplados, mas não em sua versão noticiosa.

    O decano da Academia Brasileira de Letras preferiu se ater a detalhes, às graças e "às voltas que a política dá" –como deu quando Fernando Collor ouviu de Ulysses Guimarães um sonoro não ao pedir para ser seu vice na chapa presidencial de 1989. Perdeu Ulysses, ganhou Collor.

    É verdade que Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff preencherão menos linhas que Luiz Inácio Lula da Silva, mas definitivamente não por critérios eleitorais.

    TEMER

    A julgar pelas circunstâncias atuais, Michel Temer teria lugar destacado em um livro sobre o Brasil contemporâneo na visão de Sarney, que acabou por se firmar como um de seus mais vividos interlocutores. Mas, nessas linhas, o atual presidente da República não aparece.

    Aparecem, aí sim, relatos de família, da infância em Pinheiro, no interior do Maranhão, e da juventude em São Luís. Cenas da política em Brasília, em Cuba, no Vaticano e outros cantos também, porém em seu viés anedótico.

    "Neste livro, a prosa de Sarney mira o avesso de qualquer pretensão, seja literária, seja política", observa Rodrigo de Almeida, editor de "Galope" na Casa da Palavra/Leya.

    "São histórias de quem tem boa memória e um gosto especial pela conversa. Um 'causeur' que, por acaso, observou, ouviu e protagonizou histórias e estórias em décadas de vida pública. Grandes personagens em pequenas histórias, ou pequenas personagens em grandes causos."

    FORTUNA CRÍTICA

    O Dono Do Mar
    José Sarney
    l
    Comprar

    O autor de "O Dono do Mar" e "Marimbondos de Fogo" explora, já no prefácio, a extensão de títulos possíveis para a nova obra. "Livro dos Casos", por exemplo, foi descartado porque o autor o considerou "vulgar". "Casos e Acasos", "Pé de Conversa" e "Conversa Puxa Conversa" tampouco sobreviveram à crítica sarneysiana.

    Zeloso de sua trajetória literária, o autor a cultiva há tanto tempo quanto a sua carreira política. Tinha 23 anos quando publicou na revista que criara, "A Ilha", o ensaio de cunho social "Pesquisa sobre a Pesca de Curral".

    Em 1954, aos 24, venceu sua primeira eleição, para a Câmara dos Deputados, ao mesmo tempo que lançou o seu primeiro livro, no caso de poesia, "A Canção Inicial".

    Depois de três mandatos na Câmara, elegeu-se governador do Maranhão e, de quebra, lançou sua segunda obra, "Norte das Águas" (1969), ainda no mandato.

    E assim foi. Senador, vice-presidente que se tornou presidente, senador de novo e presidente do Senado.

    Um total de dez mandatos e 120 títulos, incluindo discursos e planos de governo que ele editou em livros.

    Embora pouco estudados, o emedebista esbanja orgulho de seus feitos literários.

    Prepara para os próximos dias a impressão privada da compilação de que tudo o que produziu, com comentários críticos das 168 edições de sua carreira até o presente, traduzidas em inglês, francês, espanhol, alemão, chinês, coreano, grego, árabe, russo, húngaro, romeno e búlgaro.

    Na "Bibliografia e Fortuna Crítica de José Sarney", foram incluídas as palavras de "intelectuais de expressão universal" como Claude Lévi-Strauss e Octavio Paz sobre a obra de Sarney.

    Ainda muito influente nos bastidores políticos, Sarney tem reservado suas aparições públicas ao universo cultural. Acaba de voltar de Guadalajara, no México, onde fez a "conferência magistral " da Feira Internacional do Livro.

    Discorreu sobre "O Livro e a Internet", as evoluções da tecnologia e da literatura.

    *

    VEJA TRECHOS DO LIVRO

    PARA QUÊ?

    O presidente Lula estava em uma reunião em Cuba e, num desses momentos de conversa fora da agenda, teve um diálogo muito significativo com o presidente Raúl Castro. Também estava presente o ministro [Edison] Lobão.

    Conversa vai, conversa vem, foram repassados episódios da Revolução Cubana e da luta para o país sobreviver à segregação política nos anos de confronto com os Estados Unidos.

    Entre esses fatos, abordaram o problema das bombas atômicas e dos foguetes em Cuba, o que, como todos sabem, quase nos leva a uma terceira guerra mundial [...].

    Outro momento dramático: o submarino soviético B-59, armado com torpedos nucleares com a capacidade igual à da bomba de Hiroshima, teve necessidade de renovar seus depósitos de ar. Cercados por unidades americanas, o capitão, um oficial político e o comandante da Marinha soviética discutiram o que fazer: lançar os torpedos, como queria o capitão, ou subir à superfície, como queria o comandante. Finalmente, a opinião deste prevaleceu, e o mundo foi salvo.

    Assim, Cuba não foi invadida, e os EUA não sofreram a desgraça que viveu o povo de Hiroshima e Nagasaki. No meio desse relembrar o passado, Lula, com esse seu jeito aberto, perguntou a Raúl Castro:

    - Mas para que vocês queriam bomba atômica e foguetes em Cuba?

    Castro respondeu:

    - Para jogar nos Estados Unidos! É claro!

    O PRIMEIRO

    Logo que o papa Francisco assumiu a Cadeira de São Pedro, houve uma corrida para definir quem seria recebido, em primeiro lugar, pelo Santo Padre. Evidentemente, a vitória foi da Cristina Kirchner, por ser presidente da Argentina, embora, em Buenos Aires, não tivessem tido bom relacionamento: viviam quase sempre se bicando.

    Pouco tempo depois a nossa presidente Dilma foi recebida, e o papa foi muito simpático com ela, sorrindo bastante. Mas, com certo gosto pela ironia, disse-lhe:

    - Presidente Dilma, sou o primeiro papa latino-americano, sou o primeiro papa argentino, sou o primeiro papa jesuíta, sou o primeiro papa do Club Atlético San Lorenzo e sou o primeiro papa peronista!

    A MOSCA AZUL

    No período de dois anos antes de eleição, em geral, começam a surgir moscas azuis na cabeça de todo mundo.

    Com o sucesso da sua campanha contra os marajás, construída pelo Alberico Silva, o grande jornalista que dirigia o "Jornal Nacional" [da TV Globo], Collor foi colocando na cabeça que podia participar da campanha presidencial.

    Como a candidatura [presidencial] de Ulysses Guimarães era consagrada dentro do partido, o PMDB, como uma solução natural, não contestada por ninguém, Collor procurou-o em Brasília e começou com uma conversa de cerca-lourenço, que jamais apanharia o velho Ulysses na sua teia.

    Em determinado momento, pediu-lhe –foi testemunha o Jader Barbalho– que o aceitasse como vice na chapa.

    Construiu seu argumento de que, como Ulysses era de certa idade, ele, como jovem, equilibraria a chapa e seria um nome ideal para o cargo.

    Ulysses foi rápido no gatilho e respondeu-lhe:

    - Collor, cresça e apareça!

    A política dá suas voltas...

    TIRIRICA

    Antes de Tiririca ser candidato a deputado [federal], perguntei a um jovem que trabalha no Senado se ele gostava de política. Respondeu-me que não. E aventurei:

    - De que você gosta?

    Ele respondeu-me:

    - Agora, do Tiririca; há alguns meses, dos Mamonas Assassinas.

    Em casa, fui com curiosidade atualizar-me com um neto:

    - Quero saber tudo sobre o Tiririca.

    - Meu avô, tu estás totalmente por fora. Só ficas aí nesse negócio de Senado, FHC, PMDB. E aí começou a cantarolar:

    - Florentina, Florentina, Florentina de Jesus...

    Ligo para o Maranhão, quero saber notícias. Atende minha neta. Antes que eu falasse com seu pai sobre o andamento da eleição em São Luís, ela se antecipa e me dá a grande notícia:

    - Vovô, sabe quem vem ao Maranhão esta semana? Tiririca. Vê se tu mandas para mim a Neguinha, a Beijoca, a Sorriso, a Manhosa e a Delícia –eram as bonecas do Tiririca.

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