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    Indulto concedido por Temer foi audacioso, dizem especialistas

    JOELMIR TAVARES
    DE SÃO PAULO

    29/12/2017 02h00

    Surpreendente, progressista, audacioso. Foi assim que observadores do sistema penitenciário favoráveis a políticas de desencarceramento se referiram ao indulto natalino concedido pelo presidente Michel Temer e parcialmente suspenso pelo Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (28).

    Para os especialistas ouvidos pela Folha, as regras decididas pelo Planalto contribuem para esvaziar as prisões e é um erro relacioná-las a uma ação para "favorecer corruptos", como se afirmou.

    O professor de direito penal Alamiro Velludo vê nos protestos contra o decreto um reflexo do que chama de "onda punitivista" instalada no Brasil com a Operação Lava Jato.

    "Tanto que as críticas são feitas majoritariamente pelos órgãos repressores. Acho isso perigoso", diz ele, que foi presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) até janeiro deste ano.

    O órgão, ligado ao Ministério da Justiça, é responsável por fazer o rascunho do decreto sobre indulto —Velludo já tinha deixado o colegiado quando foram discutidos os termos do texto mais recente. O CNPCP não endossou as regras assinadas por Temer.

    Assim que o decreto foi publicado, procuradores da força-tarefa da Lava Jato reagiram. Na ação de inconstitucionalidade apresentada ao Supremo, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que a medida coloca a operação em risco.

    A possibilidade de que "criminosos do colarinho branco" sejam beneficiados —já que o texto reduz o tempo de cumprimento da pena para obter perdão nos crimes sem grave violência ou ameaça— é minimizada por Velludo. "Nós temos 726 mil presos e o número de 'colarinho branco' é insignificante, não é a grande massa", afirma ele.

    "Já temos tão poucos instrumentos de controle da população carcerária e ainda vamos demonizá-los?", diz Maíra Diniz, da área de execução penal na Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

    O efeito de uma condenação, avalia a defensora, não fica restrito à prisão. A punição vai além. "Atendo pessoas que não conseguem emprego mais."

    Maíra diz ser "compreensível" que vítimas de crimes ou parentes sejam contrários à soltura. "Mas o Estado de Direito não pode se basear na vingança. Isso é próprio de regimes totalitários."

    A liberação, lembra ela, não é automática. Só ocorrerá após um juiz analisar se o preso se encaixa nos requisitos descritos no documento.

    'MIMIMI'

    Promotor de Justiça em São Paulo e diretor do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu comemorou a suspensão parcial do decreto, que para ele "tinha o caráter descarado de querer gerar impunidade e estancar o trabalho da Lava Jato".

    A raiz do problema, diz, está na flexibilização das regras para autores de crimes não violentos, que abriria caminho para libertar "poderosos, que pela primeira vez no Brasil estão indo para a cadeia".

    "Desqualificar as reações contra o decreto é 'mimimi', conversa fiada. Temer quis tornar letra morta decisões da Justiça", segue Livianu.

    Na visão do advogado Marcos Fuchs, diretor da Conectas e do Instituto Pro Bono, o texto presidencial não diferencia crimes ligados à corrupção de outros. "O indulto é, por natureza, geral. Não sei se é para colarinho branco, para ladrão ou não", diz Fuchs, também ex-membro do CNPCP.

    INDULTO DE NATAL Decreto de Temer tenta tornar medida mais generosa

    PARA RECEBER O INDULTO

    O que diz o decreto de número 9.246 de Temer

    O item mais controverso contempla quem tenha cumprido um quinto da pena, se não reincidentes, e um terço da pena, se reincidentes, nos crimes praticados sem grave ameaça ou violência à pessoa independentemente do tempo total de condenação

    Como era antes

    O preso deveria ter sido condenado a, no máximo, 12 anos prisão e, caso não fosse reincidente, já ter cumprido o equivalente a um quarto da pena nos crimes praticados sem grave ameaça ou violência à pessoa

    O que o decreto mudava

    A principal mudança estava no tempo máximo de condenação exigido; o decreto tornava mais generosos os critérios para um presidiário receber a extinção da pena

    Polêmica

    A medida não acolheu recomendações feitas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e recebeu críticas de entidades e promotores da Lava Jato

    Próximos passos

    Com a suspensão do decreto determinado pelo STF, ainda não está claro qual será o tempo de pena exigido para que se conceda o indulto nos casos atacados pela PGR

    *

    PERGUNTAS E RESPOSTAS

    O que é o indulto?

    É um ato de clemência estatal que pode ser total ou parcial. No Brasil, é de competência exclusiva do presidente da República, segundo o artigo 84 da Constituição

    Quem poderá ser contemplado com o indulto?

    O preso que tenha cumprido os prazos para o benefício, à exceção de pessoas que tenham cometido crimes hediondos, de tortura e terrorismo

    O que a PGR contesta?

    A procuradora-geral, Raquel Dodge, alegou que chefe do Executivo não tem poder ilimitado de conceder indulto. Segundo ela, o texto é o "mais generoso" das últimas décadas e coloca a Lava Jato em risco

    O que a presidente do STF, Cármen Lúcia, decidiu?

    A ministra suspendeu os efeitos de três artigos, entre eles o que concede o indulto, genericamente, a quem cumpriu um quinto da pena, se não reincidente, e um terço da pena, se reincidente, nos casos de crime sem grave ameaça

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