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Poder
Thursday, 21-Nov-2024 23:14:55 -03Tríplex que levou à condenação de Lula é tema incômodo para moradores
JOELMIR TAVARES
ENVIADO ESPECIAL A GUARUJÁ (SP)25/01/2018 02h00
O tríplex em Guarujá (SP) que levou à condenação de Luiz Inácio Lula da Silva tomou banho de sol de 36 graus num dia que seria só mais um da alta temporada, não fosse o fato de a algazarra na rua do edifício Solaris estar maior que a de costume nesta quarta-feira (24).
A reportagem da Folha se hospedou em um apartamento do prédio na praia das Astúrias e passou no condomínio o dia em que se confirmou a sentença do ex-presidente. Para a Justiça Federal, ele recebeu o imóvel de número 164-A como presente da construtora OAS.
Convidativo, o calor fez jus ao nome do prédio e chamou logo cedo para a praia moradores e hóspedes que alugam apartamentos para temporadas —com diárias em torno de R$ 500 e acomodações para seis a oito pessoas.
Quem se hospeda recebe ao chegar uma pulseirinha verde de papel, dessas de balada, que é para facilitar a identificação dos autorizados a entrar e sair.
Proprietários evitam o incômodo assunto do 16º andar da torre que fica de frente para a praia (a de fundos tem vista para outros prédios de classe média da vizinhança). Reclamam que o episódio com o petista ficou como uma espécie de maldição sobre o condomínio.
Não querem ser associados ao escândalo, mas já se acostumaram à rotina de passantes que apontam o dedo para a cobertura, comentam algo ou posam para fotos em frente ao Solaris, transformado involuntariamente em ponto turístico.
A faixa de areia fica a 12 passos da porta automática de vidro que separa a rua da portaria. Uma escadaria dá acesso à entrada, onde um tapete amarelo sobre o piso estampa a localização do prédio.
Para acessar a outra torre é preciso atravessar o chão de cimento da garagem até os elevadores do fundo.
Logo ao lado da cabine do porteiro, ficam a brinquedoteca e o "lounge teen" (espaço adolescente), que tem somente mesas para computador vazias.
As áreas comuns do prédio passaram o dia praticamente sem ninguém. Um funcionário limpava pela manhã a piscina retangular, de não mais que 10 m de comprimento, que fica no primeiro andar e dá vista para o mar. Uma menor, redonda, é exclusiva para crianças.
A churrasqueira é perto e, no mesmo pavimento, ficam ainda a academia e um salão de festas não muito amplos, ambos fechados.
O espaço entre um e outro é uma espécie de varanda de onde se enxerga a praia. Uma mesinha de madeira, um sofá branco e cadeiras revestidas com estampas florais preenchem o local.
Nesta quarta, quem foi ali apreciar o mar viu também um grupo inflar diante do prédio um Pixuleko de 13 m de altura. Ao redor do boneco inflável que mostra o petista em figurino de presidiário com uma corrente amarrada no pé, militantes anti-Lula gritaram pedindo a prisão do ex-presidente.
Dois dos quatro andares com garagem estavam relativamente cheios —um dos carros ostentava na traseira o adesivo "Bolsonaro 2018". Dois níveis abaixo do solo e cheirando a mofo, o último pavimento para veículos estava deserto, a não ser por sobras de construção jogadas nos cantos.
CAMPAINHA MUDA
O tríplex 164, o que seria destinado a Lula e é registrado em nome da OAS, está com a porta trancada. A campainha não funciona.
A entrada dele é a única no andar sem capacho —os outros três tríplex estão ocupados. Bastam alguns minutos no hall dos elevadores social e de serviço (um ao lado do outro) para começar a suar sob o calor do Guarujá.
O apartamento (de 215 m², bem mais que os 85 m² do alugado pela Folha) se diferencia dos vizinhos de andar também por sua porta bege clara, com marcas de dedos perto da maçaneta prateada. As portas dos demais são pintadas de branco.
Segundo a acusação, não só a reserva do apartamento para o ex-presidente, mas também sua reforma e decoração, foram propina da empreiteira para o petista.
Ele diz que o imóvel nunca foi seu.
Quando se procura pelo Solaris no Google Maps, site de mapas que recebe colaborações para marcação de endereços, é "tríplex do Lula" o que aparece.
No início da noite, enquanto alguns manifestantes faziam barulho no calçadão, puxando palmas de pessoas na areia e convidando motoristas a buzinar para comemorar o resultado do julgamento, crianças brincavam na piscina do Solaris e um casal saía com um cooler de cerveja.
Dentro do prédio e nas sacadas, o dia em que se decidiu o destino do "vizinho incerto", aquele que foi sem nunca ter sido, teve cara de só mais um dia de verão.
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