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    Inspirada na crise do país, banda portuguesa faz mix poético de fado com punk

    CADÃO VOLPATO

    31/03/2013 03h00

    Se houvesse uma trilha sonora para a crise vivida por Portugal nos últimos anos, ela seria escrita por um grupo lisboeta chamado A Naifa. A canção que parece ser a mais completa tradução do atual momento português se chama "Esta Depressão que me Anima", um fado poderoso movido a baixo, guitarra, bateria e voz.

    Diz o seguinte: "Vivo do que me dão/Nunca falto às aulas de esgrima/E todos os dias agradeço a Deus/Esta depressão que me anima".

    Poesia é uma especialidade da banda, que existe desde 2004 com um nome feminino que mistura a gíria das ruas de Lisboa com a sonoridade da palavra "knife", faca em inglês.

    A ideia é que o som e a poesia sejam afiados, cortantes, como uma navalha. A música do grupo une a melancolia do fado ao expressionismo do punk rock.

    A Naifa já teve duas formações, que correspondem a duas épocas diferentes. De 2004 a 2009, o núcleo básico era formado por João Aguardela, Vasco Vaz, Luís Varatojo e Maria Mendes, a Mitó, na voz.

    Gravaram três discos jun-tos. Em dois deles, as letras eram compostas por versos de nomes não muito populares da poesia portuguesa, como Adília Lopes, Eduardo Pitta e José Mário Silva, musicados pela banda.

    No quesito palavras a Naifa sempre impressionou, mas a música impressiona em igual tamanho ­­-triste, irônica, econômica e contundente.

    JOÃO, A FÃ E A AVÓ

    Em 2009, A Naifa perdeu um de seus fundadores, o baixista João Aguardela, um ídolo do rock português, de passado punk e também pop. "Esta Depressão que me Anima" foi composta por ele.

    "Estávamos a procurar letristas para o terceiro disco, quando o João chegou com um maço de poemas", conta Mitó. "Disse que eram de uma fã que nos tinha visto uma vez, ao vivo, e que tinha mandado para tentar a sua sorte como letrista. Quando lemos os poemas ficamos assombrados: aquelas letras eram a própria Naifa! Eram todas geniais, tudo o que procurávamos".

    A autora chamava-se Maria Rodrigues Teixeira, e só mantinha contato com Aguardela. Depois da morte do baixista, os membros do grupo descobriram espantados que

    Maria era a avó de João, e que ele mesmo havia escrito todos os poemas.

    Com a morte dele começou a segunda vida da Naifa. A namorada de João, Sandra

    Baptista, ocupou aos poucos o seu lugar no grupo, e um novo baterista, Samuel Palitos, também de linhagem punk, juntou-se ao grupo.

    O novo disco chama-se "Não se Deitam Comigo Corações Obedientes", e é todo baseado na poesia de mulheres. O grupo está em excursão divulgando o novo trabalho por toda a Europa e também em alguns países da África.

    A Naifa prova que é possível viver de boa música mesmo em um Portugal deprimido pela crise. "Somos marginais desde o início. Não passamos nas rádios, não aparecemos no panorama televisivo. Mas enchemos as salas de espetáculo. As pessoas encontram o que querem ouvir", diz Mitó, 35, uma voz tristonha e altiva, que abriga timbres especiais como os de Amália Rodrigues e Beth Gibbons, do Portishead. "A Naifa adoraria vir ao Brasil, mas o Brasil ainda não quis a Naifa", diz ela. Está mais do que na hora.

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