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    Artista que 'deformou' cartão-postal argentino expõe obra em São Paulo

    POR LUCIANA DYNIEWICZ
    DE BUENOS AIRES

    29/05/2016 02h00

    No final do ano passado, o obelisco -principal emblema de Buenos Aires- perdeu sua ponta. Ela (aparentemente) desceu do topo de sua base de cerca de 60 metros de altura e se deslocou por quatro quilômetros até a esplanada do Malba, o Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires.

    A intervenção foi feita pelo artista plástico argentino Leandro Erlich, 43, a convite do museu, que celebrava seus 14 anos. O trabalho fez com que Erlich se reencontrasse com o objeto central do seu primeiro projeto de instalação.

    Xavier Martin
    O artista argentino Leandro Erlich que usa a ilusão de ótica em suas obras e instalações
    O artista argentino Leandro Erlich que usa a ilusão de ótica em suas obras e instalações

    O argentino começou a trabalhar pintando quadros -aos 18 fez sua primeira exposição. Dois anos depois, abandonou as tintas e caminhou em direção às instalações urbanas.

    "Mudei paulatinamente. Comecei com um primeiro projeto no obelisco, um trabalho que me tomou um ano.

    Quando o conclui, era muito tarde para voltar a pintar. Havia entendido melhor meus interesses."

    Seus interesses estavam relacionados a sua história e ao ambiente em que cresceu. Erlich é filho, irmão e sobrinho de arquitetos e sempre viveu rodeado por pessoas que criavam espaços.

    Na sua primeira interação com o Obelisco, em 1994, projetou construir uma réplica com as mesmas dimensões do original no bairro operário de La Boca, na capital argentina. A ideia era acabar com a unidade do ícone portenho, duplicando-o. O plano foi apresentado à Prefeitura de Buenos Aires, mas, sem a aprovação do governo, ficou no papel.

    No ano passado, o artista voltou ao cartão-postal. "É um símbolo que todo mundo conhece, mas ninguém esteve em seu interior. Para que as pessoas pudessem subir, trouxe o pico para baixo." A ponta recriada diante do Malba (a verdadeira continuou no monumento, escondida por um jogo de espelhos) tinha janelas que mostravam, por vídeos, a vista que se tem da cidade lá de cima.

    As obras do argentino costumam alterar a realidade cotidiana. "Quero que as pessoas reconheçam, pela minha obra, que a realidade é um conceito muito rígido criado pelos seres humanos, pela sociedade, pela história do homem. Por isso me interessa a arquitetura, porque é um exemplo claríssimo de que somos nós que fabricamos a realidade física."

    Com essa intenção, Erlich já colocou alguns observadores de suas instalações dentro de uma piscina e os fez saírem secos dela (a piscina tinha água apenas entre duas lâminas de vidro dispostas em sua parte superior).

    Também fez outros se pendurarem em paredes, janelas e telhado de uma casa (a fachada estava pintada no chão, mas um espelho fixado em um ângulo de 45 graus dava a impressão de verticalidade).

    Agora, ele envia ao Brasil o trabalho "Changing Rooms". Nele, o visitante entra em um provador de loja que se multiplica infinitamente por meio de portas abertas e espelhos. "Você passa por aqui [uma porta] e depois por ali, até que, em um fragmento de segundo, você acredita que o outro é teu reflexo. Essa ideia de que o outro possa ser você me parece interessante."

    "Changing Rooms" será exibido no shopping Iguatemi, em São Paulo, entre 7 de junho e 10 de julho, como parte das comemorações dos 50 anos do local. Muitos artistas poderiam torcer o nariz para a ideia de colocar uma instalação em um centro de compras. Erlich não tem preconceitos. "A primeira coisa que alguém pensa é que, em um shopping, perde-se a solenidade. Mas não me importa a solenidade. O que me importa é o contexto. Acho que sempre existe um projeto possível para cada lugar", diz.

    Como costuma ocorrer com suas instalações, "Changing Rooms" deve atrair visitantes, celulares e flashs. As pessoas costumam entrar nos mundos paralelos criados pelo artista sedentas por fotos, postadas em seguida em redes sociais. Novamente, Erlich não se incomoda e incorpora o hábito.

    "O que faço costuma ter um aspecto acessível ao público. Me dá um grande prazer ver que minha obra está em sintonia com a nossa geração e tenho uma visão bastante otimista sobre a humanidade. Acredito que as pessoas tenham capacidade de serem críticas e desenvolver [a partir da observação da arte] ideias próprias."

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