Certa vez fomos, Ronaldo Fraga e eu, entrevistar Paulo Mendes da Rocha. A ideia era publicar uma conversa "freestyle" em que abordaríamos, sem combinar antes, assuntos de naturezas diversas. Num papo de três horas que foi de Plutão a Amy Winehouse, o que chamou atenção foi que, apesar de estarmos indo ao encontro de um rei da arquitetura, foi Ronaldo o recebido como realeza.

Estilista, poeta e ilustrador, seu legado para a moda brasileira -ainda e sempre em construção- vai muito além das passarelas para se transformar em livros, contos, desenhos, exposições e memórias que não se perdem com o passar do tempo.

Ronaldo conversa com a cultura brasileira e aborda temas e momentos do nosso cotidiano, transformando viagens, casos, sentimentos, artes e embaraços do Brasil profundo em histórias para vestir. Refugiados, China, velhice, rio São Francisco, Noel Rosa, Portinari, Drummond São tantos e diversos os assuntos que o inspiram, que seus desfiles são sempre uma caixa de surpresas. E, enquanto sentamos em nossos lugares, já sabemos que lágrimas emocionadas virão.

Mas, se por vezes suas ideias espelham momentos críticos de nossos tempos, as roupas -simples, elaboradas conjuntamente, ricas em tramas e texturas- imprimem leveza ao peso da existência. E, de um terreno árido, pode brotar poesia que, uma vez pronta, ganha nomes como Corpo Cru, Quantas Noites Não Durmo, O Vendedor de Milagres, Carne Seca ou um Turista Aprendiz na Terra Áspera, E Por Falar em Amor e Cidade Sonâmbula.

Fraga pensa a moda como algo maior. Que história contar e como deixar um legado? Práticas sustentáveis, colaboração de comunidades, conhecimento do Brasil, participação ativa no Colegiado de Moda do Ministério da Cultura, parcerias com músicos e artistas e capacitação técnica sempre em evolução fazem parte de sua rotina como estilista.

Guerreiro, romântico e sonhador, Ronaldo é um dos rostos da tolerância e do amor, chamas permanentemente acesas que mantêm sua vontade de seguir em frente -e a nossa de continuar assistindo.