• Tec

    Friday, 17-May-2024 09:08:09 -03

    Vodafone revela existência de cabos secretos usados para vigilância na rede

    JULIETTE GARSIDE
    DO "GUARDIAN"

    06/06/2014 11h47

    A Vodafone, uma das maiores operadoras mundiais de telefonia móvel, revelou a existência de cabos secretos que permitem que agências do governo ouçam todas as conversas em suas redes, afirmando que eles são muito utilizados nos 29 países em que ela opera, na Europa e outras regiões.

    A companhia rompeu o silêncio sobre a vigilância do governo a fim de pressionar contra o uso cada vez mais amplo de redes de telefonia e banda larga para espionar cidadãos, e publicará na sexta-feira o seu primeiro Relatório de Revelação de Atividades Policiais. Com 40 mil palavras, o documento é o levantamento mais abrangente já divulgado sobre a forma pela qual governos monitoram as conversas e o paradeiro das pessoas.
    A companhia diz que os cabos estão conectados diretamente à sua rede e à de outras operadoras de telecomunicações, permitindo que agências ouçam e gravem conversas e, em certos casos, rastreiem o paradeiro de um usuário. Os defensores da privacidade dizem que as revelações constituem um "cenário de pesadelo" e que confirmam seus maiores medos sobre a dimensão das escutas.

    Na Albânia, Egito, Hungria, Índia, Malta, Qatar, Romênia África do Sul e Turquia, é ilegal revelar qualquer informação sobre a escuta ou interceptação de conteúdo de qualquer conversa e mensagem telefônica, inclusive informar se esse tipo de capacidade existe.

    "Para os governos, ter acesso fácil a um celular é um poder sem precedentes e aterrorizante", diz Shami Chakrarbarti, diretor da Liberty. "[Edward] Snowden já havia revelado que a Internet é tratada como território de caça. As alegações vazias de que tudo está bem estão perdendo mais e mais sua força - nossas leis analógicas necessitam de uma reforma digital".

    Em cerca de seis dos países nos quais a Vodafone opera, a lei ou obriga as operadoras de telecomunicações a instalar canais de acesso direto ou permite que o governo o faça. A companhia, que controla redes de banda larga fixa e móvel, entre as quais as antigas operações da Cable & Wireless, não identificou os países envolvidos porque certos regimes podem retaliar ordenando a prisão de seus funcionários.

    Sistemas de acesso direto não requerem mandados, e as companhias não têm informações sobre a identidade e o número de clientes que se tornam alvo de espionagem. A vigilância em massa pode acontecer em qualquer rede de telecomunicações sem que as agências do governo precisem justificar sua intrusão à companhia envolvida.

    Fontes do setor dizem que, em alguns casos, os cabos de acesso direto consistem de equipamento em uma sala trancada na central de processamento de dados da rede ou em uma de suas centrais locais de comutação.

    O pessoal que trabalha nessa sala é pago pelas empresas de telecomunicações, mas tem licenças de segurança do Estado e no geral está proibido de discutir qualquer aspecto do seu trabalho com outras áreas da companhia. A Vodafone afirma que requer que todos os seus funcionários sigam o código de conduta da empresa, mas o sigilo dispõe que nem sempre seja possível determinar que eles de fato o façam.
    Agências do governo também podem interceptar dados a caminho de centrais de processamento, vasculhando conversas antes de encaminhá-las à operadora.

    "São cenários de pesadelo, os que estamos imaginando", diz Gus Hosein, diretor executivo da Privacy International, que abriu processo contra o governo britânico por conta da vigilância em massa.
    "Jamais imaginei que as companhias de telecomunicações fossem tão cúmplices. É uma atitude corajosa da Vodafone, e a esperança é que as demais empresas do setor se tornem mais corajosas com essa revelação, mas o que precisamos é que sejam corajosas no combate às solicitações ilegais e às leis mesmas".

    Stephen Deadman, o executivo encarregado de questões de privacidade a Vodafone, disse que "esses cabos existem, o modelo de acesso direto existe".

    "Estamos fazendo um apelo para pôr fim ao acesso direto como meio de as agências do governo obterem dados sobre as comunicações das pessoas. Sem mandado oficial, não existe visibilidade externa. Se recebemos uma demanda, podemos tentar resistir a ela. O fato de que um governo precise apresentar um papel serve como importante restrição à forma pela qual esses poderes são usados".

    A Vodafone está apelando que todos os cabos de acesso direto sejam desconectados e que as leis que tornam legal utilizá-los sejam reformadas. A empresa afirma que os governos deveriam "desencorajar as agências e autoridades de buscar acesso direto à infraestrutura de comunicações de uma operadora sem mandado judicial".

    Todos os países deveriam publicar dados anuais sobre o número de mandados emitidos, a companhia argumenta. Há dois tipos de mandado –os que envolvem o conteúdo de mensagens e telefonemas e os de metadados, que podem cobrir a localização do aparelho, os horários e datas da comunicação e as pessoas com quem o aparelho se comunicou.

    O "Guardian" usa o termo "metadados" também para abarcar mandados que envolvem dados pessoais como nome e endereço do usuário. A informação publicada em nossa tabela tem 2013 como o ano mais recente para o qual há dados disponíveis. Um único mandado pode abarcar centenas de indivíduos e aparelhos, ou diversos mandados podem ser usados contra apenas uma pessoa.

    Os governos contam o número de mandados de maneiras diferentes. A Nova Zelândia, por exemplo, exclui os mandados que envolvem questões de segurança nacional. Embora companhias como a Apple e a Microsoft tenham se apressado a publicar o número de mandados que recebem, desde que as atividades da Agência Nacional de Segurança (NSA) norte-americana e do Quartel-General de Comunicações do Governo (GCHQ) britânico foram reveladas, as companhias de telecomunicações, que necessitam de licenças governamentais para operar, demoraram mais a reagir.

    Nos Estados Unidos, a AT&T e a Verizon publicaram dados, mas apenas sobre suas operações nacionais. A Deutsche Telekom, na Alemanha, e a Telstra, da Austrália, também revelaram dados nacionais. A Vodafone é a primeira operadora a oferecer um panorama mundial.

    O estudo mostra que Malta é um dos países mais espionados da Europa. O antigo protetorado britânico tem apenas 420 mil habitantes, mas ano passado a Vodafone, apenas, processou 3.373 solicitações de metadados.

    Na Itália, onde a presença da máfia requer nível elevado de intrusão policial, a Vodafone recebeu 606 mil pedidos de metadados, o maior número entre os países nos quais opera redes, O número de mandados, consideradas todas as operadoras, pode ser muito superior a esse, mas o governo não publica números nacionais sobre as solicitações de metadados.

    O Legislativo italiano revela o número de mandados envolvendo conteúdo, no entanto, e 141 mil deles foram emitidos em 2012, ante apenas 2.760 no Reino Unido. Em contraste com o Reino Unido, preocupações com o terrorismo significam que a Irlanda não permite que qualquer informação sobre o número de mandados de conteúdo sejam divulgadas.

    A Espanha, que sofreu ataques terroristas islâmicos e de separatistas bascos, permitiu que a Vodafone revelasse ter recebido mais de 24 mil mandados relacionados a conteúdo. As agências da República Tcheca fizeram quase oito mil pedidos de conteúdo à companhia. Atrás da Itália, a República Tcheca é o país que mais usa metadados, tendo emitido 196 mil mandados nacionalmente no ano mais recente sobre o qual há informações disponíveis. A Tanzânia, um dos diversos países africanos no qual a Vodafone opera, fez 99 mil solicitações de metadados à companhia.

    Peter Micek, assessor jurídico da Access, uma organização de defesa da privacidade, disse que "em um setor que historicamente manteve o silêncio sobre como facilita o acesso do governo aos dados de usuários, a Vodafone pela primeira vez iluminou os desafios que uma gigante mundial das telecomunicações enfrenta, oferecendo aos usuários uma compreensão mais clara sobre as exigências dos governos às empresas de telecomunicação. O relatório da Vodafone também destaca quão poucos governos publicam relatórios de transparência, e a ausência ou precariedade de informações sobre escutas, registro de dados de antenas de telefonia móvel e outras práticas invasivas de vigilância".

    Quanto ao uso ou não de canais de acesso direto pelo Reino Unido, Deadman, da Vodafone, disse que um sistema como esse seria ilegal porque o Reino Unido não permite que agências obtenham informações sem mandado. Mas a lei permite coleta indiscriminada de informações sobre número não identificado de alvos. "Precisamos debater como estamos equilibrando as necessidades policiais e da Justiça e os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. O ideal é que haja debate muito mais informado, e que façamos tudo isso sem colocar em perigo os nossos colegas".

    Snowden, o prestador de serviços que denunciou a NSA, se uniu ao Google, Reddit, Mozilla e outras companhias de tecnologia e organizações de defesa de privacidade na quinta-feira para apelar por um reforço dos direitos de privacidade online, na campanha "Reset the Net".

    Doze meses depois que as primeiras revelações sobre a escala dos programas de vigilância do governo norte-americano foram publicadas pelo "Guardian" e "Washington Post", Snowden declarou que "um ano atrás, descobrimos que a Internet estava sob vigilância e que nossas atividades estavam sendo monitoradas de forma a criar registro permanente sobre nossas vidas privadas - por mais inocentes ou comuns que elas sejam. Hoje, podemos começar o trabalho de paralisar a coleta de dados sobre nossas comunicações online, mesmo que o Congresso dos Estados Unidos não aja para o mesmo fim".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI.

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024