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    opinião

    O que empresas de internet devem entender sobre a América Latina

    OMAR TÉLLEZ
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    09/04/2015 15h06

    É revelador que Mark Zuckerberg não tenha escolhido Pequim, Londres ou Dubai para fazer sua primeira palestra pública fora dos Estados Unidos neste ano. Ele escolheu um lugar que, há dez anos, poucas pessoas no Vale do Silício conheciam ao menos um pouco, e tampouco era reconhecido como um "player" no mercado de tecnologia. Ele escolheu você deve imaginar... a América Latina.

    Muito tem mudado nessa parte do mundo nos últimos 20 anos. Hoje, com ao menosseis países com grau de investimento (selo de bom pagador) oferecidos pelas agências de classificaçao de risco Fitch e S&P (Brasil, Chile, Colômbia, México, Panamá, Peru, entre outros) e com uma ampla penetração de tecnologias sociais e móveis, a América Latina conta uma história radicalmente diferente. Companhias de tecnologia que a) entenderam isso e b) aprenderam a operar messe campo têm conquistado resultados generosos.

    Empresas internacionais como Waze, Moovit e WhatsApp são exemplos claros disso e têm lucrado com isso.

    Facebook - Com bem mais do que 200 milhões de usuários, a América Latina representa cerca de 20% dos usuários da rede social.

    Moovit - A América Latina é um mercado estratégico-chave para a empresa, representando cerca de 30% de sua base.

    WhatsApp - Quando o WhatsApp ultrapassou os 465 milhões de usuários, o Brasil e o México tinham 70 milhões de usuários, ou impressionantes 38% da base.

    Com apenas 10% da audiência global de internet e menos de 9% do PIB global, a América Latina poderia parecer insignificante para muitas pessoas. Entretanto, ao concentrar-se apenas no Brasil, para falar apenas de um país, você já tem um cenário radicalmente diferente. A população de quase 200 milhões de pessoas, e mais de 240 milhões de conexões móveis, leva o país a superar o mundo em termos de penetração móvel, com o maior número de conexões por usuário (atualmente 2.1 para cada 1).

    Há ao menos seis coisas que empreendedores têm de aceitar como condição "sine qua non" para ser bem-sucedido no mercado latino-americano, uma região fascinante, mas notoriamente complicada, do mundo. Leve-as em conta para aumentar suas chances de sucesso:

    1. "Mobile first" - lide com as operadoras de telefonia logo no começo

    Dizer que a indústria de comunicação sem fio é uma pedra angular da América Latina é uma atenuação. Enquanto em países desenvolvidos como os Estados Unidos e a Europa a indústria móvel representa cerca de 2% da economia, na América Latina ela fica entre 4% e 5%, e, além disso, é um animal bem diferente.

    Comparar o poder de uma operadora como a America Móvil, de Carlos Slim, o homem mais rico do mundo e um investidor ativo em start-ups como Shazam, Mobli e Fancy, entre outras, com quase 300 milhões de assinantes em 18 países, com uma AT&T, com apenas 120 milhões, pode dar a você uma ideia da importância desse setor na América Latina.

    Não surpreende que o caminho do Uber para dominar a região envolve uma parceria estratégica com a America Móvil. É interessante neste caso que que o Uber tenha desejado reduzir uma parte de seu LTV (o quanto um determinado cliente gera de receita) em troca de carregamento antecipado e promoção.

    As operadoras latino-americanas entendem isso agora mais do que nunca. Com a recente parceria com o Facebook, Mario Zanotti, vice-presidente-executivo da Millicom International Cellular, disse que a companhia tem visto um crescimento de 50% em número de usuários de pacotes de dados na Colômbia desde que o projeto internet.org foi lançado lá no começo de janeiro.

    2. Faça parcerias com a mídia e governos locais para resolver os principais problemas do país

    Os tempos de deslocamento na América Latina estão entre os piores do mundo. Foi essa dinâmica que levou o Wase a fazer uma parceria com autoridades locais e com órgãos de imprensa para se tornar uma fonte de informações sobre o tráfego para os brasileiros. Hoje, as pessoas também podem ver informações sobre o trânsito na maior emissora do país, a Globo, com dados fornecidos pelo Waze (transporte privado) e Moovit (transporte público). Os dados também estão no site da Folha, o maior jornal do país.

    3. Aproveite a enorme paixão pelos esportes

    Apesar de ter sido uma experiência muito dolorosa para quem tem sangue brasileiro, a semifinal da Copa do Mundo entre Brasil e Alemanha ainda figura como a partida esportiva mais discutida da história no Twitter, com 36 milhões de tuítes. No Facebook o jogo também gerou um alto nível de conversação. Mais de 66 milhões de pessoas tiveram mais de 200 milhões de interações, e o Brasil dominou cerca de um quarto delas.

    Se você acha que a Copa do Mundo foi um evento único para o Brasil, talvez devesse participar do próximo Fla-Flu ou pesquisar onde a próxima Olimpíada será realizada. Uma vez alguém me disse que, de vários modos, o Brasil tem um Super Bowl (a final da temporada de futebol americano) toda semana, e eu tenho de concordar com isso.

    4. Seja social

    Com mais de 85 milhões de usuários e cerca de 15 milhões de contas no Twitter, um índice que crescimento de 25% por ano, não é surpresa que o "Wall Street Journal" tenha chamado o Brasil de "a capital mundial das redes sociais".

    Os brasileiros gastam mais tempo por mês em sites de mídia social do que qualquer outro povo no mundo.

    5. Aprenda com os locais

    As start-ups latino-americanas têm a forte habilidade de pegar um modelo de negócios já testado e executá-los como loucas para melhorá-lo.

    Depois de ganhar o título de melhor start-up internacional no concurso Crunchies, em 2012, o site de compras coletivas Peixe Urbano cresceu e chegou a mais de 25 milhões de usuários e 30 mil estabelecimentos parceiros, e recentemente foi vendido para os chineses do Baidu, o segundo maior sistema de buscas do mundo, por um valor não revelado.

    Apesar de ser fácil ficar estarrecido com o crescimento de empresas de aplicativos para Táxi como a Easy Taxy e a 99Taxis no Brasil, depois de arrecadar montanhas de dinheiro com investidores, é difícil não se surpreender com a Tappsi (que atua no mesmo setor). Com foco na Colômbia, no Peru e no Equador, a empresa ultrapassou facilmente a marca de 1,4 milhões de atendimentos por mês contando com, veja só, apenas US$ 600 mil em investimento.

    6. Não pense na América Latina como uma única região

    Com mais de 45 países, 620 milhões de pessoas, múltiplas culturas, línguas e dialetos, a América Latina é uma região com muita diversidade. Referir-se a ela de forma singular e adotar uma estratégia de massa, sem diferenciação, sem considerar as dificuldades e as complexidades entre os países, seria ignorar essa rica diversidade e provavelmente colocá-lo no caminho para o fracasso. O que funciona no Brasil não deve funcionar no México ou na Colômbia.

    Mostrar seu caso de sucesso no Chile com os argentinos provavelmente vai gerar mais efeitos negativos do que positivos. As batalhas para fazer negócios nesses mercados, em razão da burocracia e da corrupção, combinadas aos altos custos de serviços básicos como telecomunicações, são significativas e podem definitivamente atrasá-lo até que você aprenda a lidar com elas.

    Não é segredo por que a América Latina é tão importante para o Zuckerberg. Individualmente, Bogotá, São Paulo, Cidade do México, Santiago e Buenos Aires têm, veja só, mais usuários do que Nova York ou Los Angeles. O impacto que o aumento da penetração de smartphones, de 23% hoje para cerca de 50% em 2018, terá nessa região será enorme para start-ups de mídia social e aplicativos móveis. Entretanto, mudanças nas habilidades, nas táticas e nas parcerias serão necessárias para se capitalizar, vencer nesse mercado e colher os resultados, como outros já fizeram.

    Omar Téllez é membro do grupo de conselheiros da Moovit e seu ex-presidente. Antes disso, ele estava entre os executivos que tornaram a abertura de capital da SNCR na Nasdaq o melhor IPO (oferta inicial de ações) de 2006. Ele vive na região da Grande Nova York e pode ser seguido em @ohtellez


    Este texto foi publicado originalmente no TechCrunch

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