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    análise

    História e riscos futuros da Apple lembram os da IBM

    JEFF SOMMER
    Do "NEW YORK TIMES"

    28/04/2015 17h03

    A Apple não pode continuar crescendo assim para sempre. Nenhuma companhia poderia.

    Em alguns poucos anos, ela se tornou a maior empresa do planeta em termos de valor de mercado, e cresceu a ponto de apequenar todas as demais companhias no mercado de ações. A Apple domina o índice de ações Standard & Poor's 500 como nenhuma outra companhia fez nos últimos 30 anos.

    A capitalização de mercado da Apple -o valor agregado das ações da empresa– supera os US$ 758 bilhões. E no entanto o consenso de Wall Street é que ela continua a viver um surto de crescimento. De fato, se os relógios, celulares, laptops e demais produtos da Apple continuarem a gerar publicidade favorável, existe a chance de que o valor da Apple continue a inchar. Em algum momento do futuro, não muito distante, ela pode até atingir a capitalização de mercado de US$ 1 trilhão que alguns fundos preveem.

    AFP
    IBM Personal Computer, que armazenava cartas, manuscritros e outros textos
    IBM Personal Computer, que armazenava cartas, manuscritros e outros textos

    Mas mesmo que a Apple ainda tenha espaço para crescer, começam a surgir sinais de alerta. Afinal, a companhia já atingiu um patamar significativo. Em fevereiro, ela se tornou duas vezes maior do que a segunda colocada no índice S&P 500, um feito raro de domínio financeiro e algo que não acontecia desde que Ronald Reagan era presidente.

    Verifiquei os números com Howard Silverblatt, analista sênior de índices da S&P Dow Jones Indices. Ele constatou que o mais recente colosso do mercado a atingir valor mais de duas vezes superior ao do concorrente mais próximo foi a IBM, que o fez em três anos consecutivos: 1983, 1984 e 1985. "Foi quando o PC era novo", ele disse, "e quase todo mundo achava que a IBM dominava o mundo".

    Agora, o mundo pertence à Apple. As ações da companhia são as mais presentes nas carteiras dos fundos mútuos dos Estados Unidos. A IBM, que no passado era a campeã inconteste entre os pesos pesados, já saiu completamente da disputa. Ocupa o 62º posto entre as ações do S&P 500, de acordo com uma análise que a Morningstar executou a meu pedido. A IBM continua a ser uma companhia importante, mas enfrenta dificuldades. Os investidores consideram que seu valor é inferior a 25% do valor atual da Apple. O que aconteceu à IBM –a maneira pela qual a companhia se tornou pequena, comparada à Apple– merece atenção.

    A IBM operava em divisão diferente daquela em que a Apple agora opera. Tendo surgido como fabricante de máquinas para empresas, a IBM jamais aspirou a se tornar um ícone da cultura da pop, mas seu prestígio era extraordinário. Não se pode medir prestígio facilmente com números, mas considere que, em 1987, dois cientistas de um laboratório da IBM em Zurique ganharam o Nobel da Física por seu trabalho com supercondutores; foi o segundo ano consecutivo em que cientistas da IBM levaram a distinção; em 1986, outros dois pesquisadores da companhia ficaram com o prêmio pela invenção de um instrumento conhecido como microscópio eletrônico de varredura em túnel.

    Todos esses cientistas trabalhavam com pesquisa profunda, básica, e a IBM se orgulhava muito disso. A pesquisa da Apple impressiona, hoje, mas ela em geral se relaciona a produtos e não ao tipo de trabalho de fundamentos que a IBM fazia.

    Em retrospecto, fica claro que o status altaneiro da IBM se tornou parte de seu problema. Nos anos 80, no auge de seu poder, ela não parava de apresentar computadores ultrarrápidos e descobertas científicas avançadas, mas perdeu um pouco o foco quanto às suas linhas de produtos e seu serviço a clientes. A IBM "ingenuamente" entregou partes cruciais do negócio da computação a empresas como a Microsoft e a Intel, e suas margens de lucro começaram a se erodir, como escreveu D. Quinn Mills, professor na Escola de Administração de Empresas da Universidade Harvard.

    De sua parte, os investidores minimizaram esses problemas, se é que os tenham percebido. Naquela era de mainframes corpulentos, a IBM era a companhia de computadores ideal, e sua hegemonia sobre o mercado de ações parecia indisputável.

    Não admira que o jovem Steve Jobs, um dos fundadores da Apple Computer, uma audaciosa companhia iniciante, tenha tomado a IBM por alvo diretamente em um discurso que fez em San Francisco no final de 1983, criticando a companhia como arrogante e imprudente, prevendo que ela em breve seria forçada a descer de seu pedestal. Naquela palavra, ele mostrou um comercial que seria veiculado na TV no Super Bowl de 1984.

    Criado por Ridley Scott, o diretor do filme "Blade Runner", o filme mostrava uma jovem atleta, armada de martelo, correndo por uma vasta e sombria sala ocupada por servos. Ela arremessava o martelo contra uma tela que mostrava um Grande Irmão ao modo Orwell entoando propaganda, e a destruía.

    O narrador lia: "Em 24 de janeiro, a Apple Computer lançará o Macintosh. E você verá por que 1984 não será como '1984'". A Apple não mencionava a IBM diretamente, mas o alvo era claro. E pouco depois do Super Bowl, quando Jobs exibiu o primeiro Macintosh a uma plateia fascinada, o pequeno computador de sua empresa manteve o ataque à IBM.

    Em uma voz sintética bonitinha, a máquina leu as palavras que apareciam em sua tela: "Não estou acostumado a falar em público, mas gostaria de compartilhar com vocês de uma máxima que imaginei na primeira vez que vi um mainframe da IBM: NÃO CONFIE EM COMPUTADOR QUE VOCÊ NÃO CONSEGUE CARREGAR".

    A IBM continuou a prosperar por anos, depois disso, mas, exatamente como Jobs previu, se provou vulnerável a mudanças que reordenaram o mercado –o que se aplica a todas as grandes empresas. A IBM está envolvida há décadas em uma transição ocasionalmente dolorosa, e, como revelou em seu anúncio de resultados trimestrais na semana passada, continua a enfrentar problemas: a companhia perdeu faturamento e ela passou por viradas dolorosas nos padrões de negócios.

    Meu colega Steve Lohr escreveu que a IBM está abandonando negócios velhos e de crescimento lento, como os computadores pessoais, drives, servidores de baixo preço e fabricação de chips –mas suas novas iniciativas em ramos como análise de dados, computação em nuvem e apps para aparelhos móveis de uso empresarial ainda não se tornaram sucessos completos.

    Uma dessas reviravoltas levou a estratégia da IBM para apps móveis a depender de uma parceria com a atual gigante da computação. A IBM está aproveitando sua capacitação no ramo de supercomputadores e inteligência artificial por meio de uma nova iniciativa, Watson Health, da qual a Apple participa. A aliança poderia ajudar as duas empresas a crescer –no caso da Apple, ao garantir que seus produtos funcionem de modo mais fácil em ambientes empresariais nos quais a IBM está muito bem posicionada.

    O crescimento rápido, afinal, não é certeza, especialmente quando uma companhia já é a maior do mundo. A história da IBM o prova. Mais cedo ou mais tarde, os investidores da Apple terão de começar a aprender essa lição.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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